«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Um país, dois destinos

 Saiamos da bolha em que vivemos

 Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e “Criar Filhos no Século XXI”. É doutora em psicologia pela USP 

VERA IACONELLI

A urna é soberana e definirá o futuro que sonhamos

Sábado passado foi um dia inquietante para os brasileiros, no qual euforia e medo se alternaram. No meio de uma expectativa de proporções mundiais, já que as eleições no Brasil são parte importante do xadrez entre extrema direita e o resto, resolvi ir ao cinema. Ao sair da sessão, atravessei a rua e entrei num restaurante que não conhecia. Embora eu estivesse desarvorada, algo se passou nesse circuito cinema de rua-jantar. Algo que me permitiu olhar de relance para um país que pode, se quiser, ser coerente com sua população, majoritariamente não branca

Cartaz oficial do filme "MARTE UM"

Saí do filme “Marte Um”, com roteiro e direção de Gabriel Martins, um jovem preto, com elenco de atores pretos, e me dirigi ao restaurante Preto do chef Rodrigo Freire, outro jovem talentosíssimo e preto. O filme retrata uma família de classe média, socialmente inserida, estruturada, com acesso à educação, trabalho e sistema de saúde. Trata-se da parcela da população que ascendeu nos governos anteriores [de Lula e Dilma] e que viu os jovens alcançarem o ensino superior

GABRIEL MARTINS - diretor e roteirista do filme "Marte Um"

A mãe, empregada doméstica, e o pai, porteiro, são sucedidos por uma filha cursando direito e um menino almejando ir mais longe, no caso, Marte. A questão racial jamais é citada pelos personagens, o que poderia tornar o filme insustentável num país como o nosso. Mas não se trata de uma colagem artificial, na qual atores negros interpretam papéis usualmente dados aos brancos. De fato, a problemática racial é onipresente

A angústia de Tércia, a mãe —magistralmente interpretada por Rejane Faria—, é exemplar daquilo que os trabalhadores da saúde mental vêm denunciando: os efeitos da patologia social sobre o indivíduo. Intuindo o “som ao redor” que ameaça sua família com a eleição de Bolsonaro, e que Gabriel Martins aponta de forma sutil, mas inequívoca, ela se pergunta se a ameaça que pressente é fruto da própria cabeça, do azar ou de encosto. A personagem é grande candidata a um diagnóstico de ansiedade, pânico ou afins, sacado às pressas do DSM*. Tércia, no entanto, encontrará saída mais promissora para o cruzamento entre os males sociais e suas questões pessoais. Que seu insight —não gosto de spoiler— nos sirva de guia nesse momento. 

TÉRCIA nome da personagem (mãe) interpretada por Rejane Faria

O Brasil que se vislumbra nesta fresta, no espaço de um quarteirão entre o cinema e o restaurante, tem os negros —maior parte de sua população— vistos e tratados como cidadãos. Sendo um cinema de rua, o simples fato de andar a pé à noite também remete ao tipo de país que podemos construir, caso escolhamos caminhos que diminuam as injustiças sociais e, consequentemente, as violências urbanas.

O ato de caminhar pelas ruas em segurança, que os brasileiros costumam elogiar em outros países, não é fruto do cidadão armado ou do policiamento ostensivo, mas da inclusão social representada aí.

 Nos 50 metros que vão do Cine Sala ao restaurante Preto, o Brasil do presente se impõe também:

1) Nele, um senhor constrangido pede na casa de massas algo para comer, ao que o atendente responde de imediato trazendo-lhe um embrulho, para alívio dele, e de quem assistia à cena.

2) Um jovem fala seu mantra monocórdico, repetido à exaustão, para justificar que alguém vá ao supermercado e lhe traga um chocolate que possa vender.

3) Uma mulher maltrapilha desce perigosamente a rua entre os carros, falando coisas desconexas.

4) Uma casa improvisada no meio-fio, cheia de adereços meticulosamente garimpados, é habitada por um senhor que se lava às vistas dos transeuntes

Sofremos, quando nos deparamos com o fato de que ainda somos um país que simpatiza com o autoritarismo e passa pano para a injustiça e para a violência social.

Mas sofremos ainda mais quando preferimos acreditar na nossa bolha, porque é nessa hora que nos tornamos impotentes e adoecemos. Se chegar a Marte requer muito esforço, então, não há um segundo a perder. 

NOTA:

* DSM é a sigla para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Esse documento foi criado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) para padronizar os critérios diagnósticos das desordens que afetam a mente e as emoções. Encontra-se, atualmente, na quinta edição, 2013 (DSM-5). 

Fonte: Folha de S. Paulo – Cotidiano/Colunas e Blog – Terça-feira, 4 de outubro de 2022 – Pág. B2 – Internet: clique aqui (Acesso em: 04/10/2022 – às 16h50).

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