«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Compro e vivo

 Onde encontrar a felicidade?

 Leandro Karnal

Historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras e autor de “A coragem da esperança”, entre outros livros 

É preciso dissociar ser de consumir. Está na hora de colocar as coisas no seu patamar de coisas

O que há de errado com a felicidade? Assim Bauman começa seu livro A Arte da Vida (tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2021, 2ª ed.). Parece uma contradição em termos. Ser feliz é aspiração universal. Apesar disso, como adverte o escritor, o caminho é variado. Baseado no questionamento de Michael Rustin, Zygmunt Bauman identifica como muitos países estão mais ricos, por exemplo, e o dinheiro abundante não veio acompanhado de melhoras expressivas em pesquisas sobre felicidade. 

Aqui reside um paradoxo curioso:

Quase todos lutam por mais dinheiro, mas ele não consegue cumprir sua promessa imediata de satisfação.

Por quê? Bauman imagina que uma parte da resposta esteja na transferência da felicidade para o ato que precede a compra. Uma vez adquirido o bem desejado, todo o esforço do mercado e da propaganda é para o bem seguinte.

Vale a pena ler!!!

Expando a ideia do sociólogo. Tudo me seduz para o novo celular. Que câmera! Que design! Que cores! Quantos recursos! Compro a um custo alto e, mal retorno ao meu lar com o penhor da alegria, vejo que surgiu um aparelho ainda melhor.

O prazo de validade do prazer consumista é curto porque o objetivo de tudo não é nossa plena e entusiasmada felicidade.

A insatisfação permanente garante (lógico!) nossos impulsos permanentes de consumo. Nada busca nossa realização – tudo indica nossa falta, carência, desejo e uma espécie de pedra de Sísifo, que deve sempre ser rolada montanha acima. 

Bauman afirma que o consumo mostra um “sonho gêmeo de fugir do próprio eu e adquirir um outro feito por encomenda” (p. 24). O consumo é permanente, rápido e provoca esforços que indicam um vazio continuado e forte. Para quem produz e vende, interessa o buraco impossível de preencher, mas que mantenha todos eletrizados pelo novo modelo e novo eu. O chamado sistema criou um horizonte inatingível que se alarga sempre “que eu me aproximo”. 

As críticas ao consumo costumam ter origem em um embasamento marxista e em certa leitura do fetiche da mercadoria. Bauman foi bastante influenciado pela teoria de Marx. O argumento central dele não está em algum recurso mental dado pelo filósofo alemão, todavia em argumentos estoicos e psicologizantes. As epígrafes do livro indicam Sêneca e Epicteto. No curso da obra, surge Marco Aurélio. Nos filósofos ditos estoicos, a satisfação plena costuma ser inatingível...

... temos de controlar o ato de desejo incessante mais do que comprar as coisas indicadas pelo desejo.

Traduzindo: não se trata de ganhar mais, porém gastar menos. Aprofundando, a felicidade – para um estoico – não pode passar perto da ideia de mostrar ao mundo “o que eu tenho” ou “quanto posso gastar”. O mundo é incapaz de validar minha carência, que deve ser atendida por um exame sobre mim e não sobre a imagem. Alguns desses argumentos são próximos daquilo que o Budismo traz como reflexão sobre o desejo como fantasia incessante do eu

Os pais de crianças e adolescentes, em um mundo como o nosso, sofrem ainda mais porque a capacidade dos jovens de viver o estoicismo ou de lerem Bauman é, digamos, menor do que o desejado. Coincidem, na adolescência, dois desejos complementares:

a) a estabilidade é dada pela aceitação do grupo;

b) esta depende dos códigos comuns de consumo.

Da mesma forma, existe pouca reflexão sobre o custo da obtenção do dinheiro aos 15 anos. Um adolescente que recusa os padrões vigentes de consumo é possível, mas é tão estranho quanto uma criança que exige brócolis em detrimento do brigadeiro. Viver imune aos apelos do consumo é complexo para o adulto e quase intransponível para o jovem

Consumir é ser. Comprar possibilita assunto, bem como afirmação social. O tênis da moda é item existencial: isso atinge o rico que pode satisfazer o desejo, o pobre que não pode e até o criminoso que insiste em poder por vias tortuosas. 

Creia-me, minha cara senhora e meu estimado senhor, há tênis que podem custar um automóvel. O preço absurdo de alguns itens é uma prova de sua distância do comum e, por consequência, de aumento do potencial de ser que o produto traga. 

É preciso dissociar ser de consumir. Os adultos podem aumentar sua capacidade ao lerem livros como o de Bauman, restabelecendo, assim, um projeto de felicidade sem endividamento permanente. Ainda que saibamos o ditado sobre as abelhas jamais deverem perder tempo explicando às moscas que mel é melhor do que o excremento, deveríamos ao menos destinar os dois polos do axioma: há mel para alimentação; há esterco para agricultura. Confundi-los é grave. Consumir pode ser bom se o produto for alavanca simples para melhorar nossa visão de mundo.

Jamais devemos deixar de pensar no desafio de um país em que tanta gente não tem o básico; outros, que podem ter, ficam endividados porque acreditaram em miragens.

Por Marx, pelos estoicos, budistas ou pelo Sermão da Montanha de Jesus, está na hora de colocar as coisas no seu patamar de coisas. Eu tenho a pretensão de viver assim. É uma luta. Escrevi esse texto para mim também, para minha esperança de “ser mais” do que “ter mais”

Fonte: Folha de S. Paulo – Colunas e Blog – Segunda-feira, 10 de outubro de 2022 – 10h28 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui (Acesso em: 14/10/2022).

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