«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 2 de abril de 2013

"Feliciano desgasta e prejudica imagem dos evangélicos"


Entrevista com Ricardo Gondim*

A permanência do pastor Marco Feliciano no cargo de presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara desgasta a imagem do mundo evangélico no País, provoca constrangimentos e rejeições. A  atitude mais lúcida diante do impasse seria a renúncia imediata.

Quem faz essas afirmações é o também pastor evangélico Ricardo Gondim, teólogo, mestre em ciências das religião e líder da Igreja Betesda. Na entrevista abaixo, ele também critica as declarações feitas por Feliciano de que a África e seus habitantes seriam amaldiçoados por Deus. Tal tipo de  teologia, segundo Gondim, é racista e fundamentalista na sua essência.

Gondim, que tem 58 anos, passou pelas igrejas Presbiteriana e Assembleia de Deus, antes de se vincular à Betesda, que em hebraico significa “lugar da misericórdia de Deus”. No ano passado ele rompeu com parte do movimento evangélico, após ter sido atacado e chamado de herege, por suas críticas à chamada “teologia da prosperidade”. Ele tem dito que o Deus da Bíblia não deve ser visto como um sádico que se compraz em amaldiçoar os homens, mas sim como parceiro deles.

O pastor também defende o direito dos gays ao casamento civil: “Numa sociedade que se pretende laica, é assim que deve ser.”
RICARDO GONDIM - teólogo e pastor evangélico
Como pastor, de que maneira analisa a polêmica que envolve Marco Feliciano e a Comissão de Direitos Humanos?

Gondim: Fico muito constrangido com o que está ocorrendo.

Acha que as críticas a ele são dirigidas a todos os evangélicos? Ele fala em cristofobia.

Gondim: O Marco Feliciano se apresenta como representante não só do mundo evangélico, mas de todo o protestantismo. Na verdade, ele pouco representa as tendências protestantes. Foi eleito por um segmento muito alienado politicamente. Candidatos como ele são eleitos, geralmente, para se tornarem os representantes de sua igreja no parlamento. Eles se preocupam mais com os interesses da igreja do que com as questões que dizem respeito a todo o País.

A que atribui o antagonismo com grupos que defendem os direitos humanos?

Gondim: Ele se antagonizou com o Brasil porque expressou pelo Twitter e, depois, num culto, opiniões sobre a questão dos negros. Disse que são descendentes da parte amaldiçoada dos filhos de Noé, os filhos de Cam. É interessante observar ele não criou nada ao fazer tais afirmações. Essa teologia é muito antiga, muito anterior a ele, persistindo até hoje em alguns poucos segmentos fundamentalistas. Ela tem origem entre os colonialistas, que dividiam o mundo em três áreas – o ocidente, o oriente e o sul. Nesta última teriam ficado os possíveis descendentes do personagem bíblico, os amaldiçoados. O Feliciano lucra em cima dessa teologia, fatura em cima dela, mas não acrescenta nem desenvolve nada. É apenas o porta-voz de um grupo que, no atual contexto religioso, ainda replica argumentos usados por países colonialistas para a dominação e exploração dos mais pobres, especialmente na África. Isso é muito triste.
PAT ROBERTSON - tele-evangelista norte-americano
Diria que é uma teologia superada, fora de uso?

Gondim: Não. Ainda é usada por setores de direita, ultraconservadores. Em 2010, o tele-evangelista americano Pat Robertson, dono de um canal de televisão, disse que a grande tragédia provocada pelo terremoto no Haiti naquele ano era decorrente de um pacto que os haitianos haviam feito com o diabo, quando lutavam para se livrarem do jugo da França e se tornarem independentes. Em outras palavras, em 1804 eles venderam a alma ao demônio, que veio cobrar a dívida agora, dois séculos depois. A manifestação de Robertson foi uma asneira, uma estupidez que provocou manifestações de repúdio em amplos setores da sociedade americana. Mas ele não estava falando sozinho. Ainda existem segmentos, dos quais Marco Feliciano faz parte, que repetem esse tipo de coisa, que defendem a relação entre causa e efeito, a maldição das pessoas pela divindade que tudo ordena e orquestra, como se nossas escolhas, decisões e articulações sociais não interferissem nos resultados. Trata-se de um simplismo cruel e inútil.

É o que pregam nas igrejas?

Gondim: Sim. Enquanto o Marco Feliciano dizia essas coisas num círculo religioso restrito, era bem recebido pelos seus pares. Tem uma expressão que define isso da seguinte maneira: “Quando você prega para o coral, é bem aceito por ele.” Ao se tornar um homem público, porém, o discurso dele transbordou, extravasou o espaço religioso e se tornou passível de crítica pela sociedade civil.

É possível afirmar que o discurso dele é racista?

Gondim: É racista na sua essência. Nasceu do racismo, dos interesses coloniais de menosprezar e demonizar o negro para justificar a sua exploração.

Esse discurso não parece mais próprio dos Estados Unidos, onde a integração racial ainda incomoda alguns setores?

Gondim: Não se deve esquecer que as lideranças evangélicas no Brasil estão se orientando basicamente por autores norte-americanos. 
Há pouco mais de meio século, quando se debatia o casamento inter-racial nos Estados Unidos, grupos conservadores diziam que era proibido pela Bíblia.
Na época em que morei nos Estados Unidos e viajei pelo sul daquele país, fiquei impressionado com a forma como o movimento evangélico ainda está dividido, segregado do ponto de vista racial. Negros e brancos ainda congregam em igrejas diferentes. Certa vez acompanhei um pastor que havia ido a um hospital visitar uma pessoa muito doente. Durante a visita, ele disse ao doente que há muito tempo não o via na igreja e que estava interessado em saber o motivo daquele afastamento. Ele respondeu que não ia mais porque a igreja estava sendo frequentada por negros. O pastor quis amenizar, dizendo que os negros também são filhos de Deus, mas o doente retrucou na hora que negros não têm alma. Ainda perdura ali a ideia de que o negro é um cidadão menor.

Como analisa essa ideia de maldição sobre um continente inteiro?

Gondim: Além de inoportuno, é um discurso de um simplismo político absurdo, inadmissível para um deputado. Ele desconsidera que o continente africano, apesar de retalhado e dividido politicamente pelos países colonialistas, ainda abriga milhares de nações, etnias, dialetos, culturas. Quais delas são as amaldiçoadas? De qual povo ele está falando? Qual etnia? Eles não constituem um bloco único como quer o deputado.

Na sua avaliação, não existe mesmo a possibilidade de o deputado estar sendo atacado pelo fato de ser evangélico?

Gondim: As declarações dele são inaceitáveis independentemente do fato de ser evangélico. Qualquer pessoa que dissesse o que ele disse enfrentaria problemas. Isso não quer dizer que a associação que se faz entre Feliciano e o mundo evangélico seja ilegítima, porque, como já disse, existem segmentos que repetem e ensinam essa teologia. Nas vezes em que me manifesto sobre isso, sempre aparecem pessoas me questionando: mas isso não está escrito na Bíblia? Não é uma verdade bíblica?

Não acha estranho esse tipo de teologia ter seguidores no Brasil?

Gondim: Acho. Mas não se pode esquecer que aqui também temos os skinheads. O único país do mundo que não poderia ter ações desse grupo é o Brasil, mas nós temos.

E quanto às restrições do deputado aos gays?

Gondim: O Congresso deve tratar a questão como uma demanda civil. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis e, na minha opinião, as demandas civis de qualquer grupo precisam ser contempladas pela sociedade e seus órgãos de representação. Um exemplo: foi aprovada agora uma série de leis trabalhistas que valorizam o trabalho das domésticas – o que era uma demanda justa. Todas as demandas justas precisam ser contempladas sem a necessidade de moralização exacerbada do debate. Não existem grupos que estão acima de todos os outros.

Acha que o Supremo Tribunal Federal acertou quando reconheceu os direitos dos gays?

Gondim: Sim. O Supremo foi de uma felicidade extrema quando olhou para a questão homossexual de forma isenta, livre de qualquer pressão, tanto da Igreja Católica como de grupos protestantes e evangélicos. Numa sociedade que se pretende laica, é assim que deve ser. O Sérgio Buarque de Holanda já disse que o Estado não é um desdobramento maior da família ou de grupos de interesses. O Estado tem que se distinguir, tem que legislar à parte, porque não se trata de uma família grande. Se não for dessa maneira, o Brasil cai no patriarcalismo, fica sob o controle de oligarquias patriarcais, que irão legislar a partir de seus interesses, para que eles prevaleçam sobre todos. A questão gay deve ser contemplada pela sociedade civil como a reivindicação de um grupo que busca tratamento igual perante a lei.

Feliciano deve renunciar ou permanecer no cargo?

Gondim: Deve renunciar logo. A teimosia dele em permanecer no cargo vai trazer prejuízos enormes para o grupo que pretende representar. O desgaste para o mundo evangélico já é patente. Existe o risco de rejeição ao grupo. Se ele realmente se vê como representante do mundo evangélico no parlamento, a renúncia seria a atitude mais lúcida diante do atual estado de coisas.

* Ricardo Gondim é pastor evangélico, teólogo, mestre em ciências da religião e líder da Igreja Betesda.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Nacional - Domingo, 31 de março de 2013 - Pg. A6 - Internet: http://blogs.estadao.com.br/roldao-arruda/pregacao-de-feliciano-e-racista-afirma-pastor-e-teologo/
_________________________________________________________

Pior que o caso do pastor

O Estado de S. Paulo - Opinião
JOÃO CAMPOS - Deputado Federal pelo PSDB de Goiás
Com o noticiário do Congresso concentrado no escândalo Feliciano - a entrega da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara ao deputado evangélico Marco Feliciano, do Partido Social Cristão (PSC), que deu motivos para ser considerado racista e homofóbico, e que insiste em permanecer no cargo, apesar dos incessantes protestos de que é alvo - a imprensa deu escasso destaque a uma aberração ainda maior. Na mesma quarta-feira em que o mau pastor mandou prender um manifestante, retirar os demais do plenário da comissão para, enfim, justificar a truculência com a alegação de que "democracia é isso", a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa aprovou uma proposta que agride um dos princípios basilares da República brasileira: o caráter laico do Estado.

De autoria do tucano João Campos, de Goiás, membro da suprapartidária bancada evangélica, o projeto estende às organizações religiosas a prerrogativa de contestar a constitucionalidade das leis no Supremo Tribunal Federal (STF). Pela Constituição, podem propor ações dessa natureza o presidente da República, as Mesas do Senado, Câmara e Assembleias Legislativas, governadores, o procurador-geral da República, a OAB, partidos com representação no Congresso, confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional. O leque de agentes públicos e privados aptos a entrar no STF com as chamadas Ações Diretas de Constitucionalidade (Adin) é, portanto, suficientemente amplo para representar legitimamente as múltiplas correntes da população insatisfeitas com essa ou aquela norma legal - preservada a separação entre Estado e Igreja.

Exemplo disso foi a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias no bojo da Lei de Biossegurança aprovada pelo Congresso depois de intensos debates e plena participação da sociedade e sancionada pelo então presidente Lula em março de 2005. A Igreja Católica, por intermédio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que se bateu com veemência contra a medida, assim como fizeram outras denominações religiosas, contornou o impedimento constitucional de bater, ela própria, às portas do Supremo Tribunal. Não lhe foi difícil encontrar a alternativa na pessoa do procurador-geral da República, à época, o católico praticante Cláudio Fonteles. Admitida a Adin, a CNBB teve todas as oportunidades de sustentar os seus pontos de vista no curso do histórico julgamento - que concluiu pela constitucionalidade da lei.

Argumenta Campos, o autor do projeto acolhido pela CCJ, que as associações religiosas deveriam ter o direito de pedir à Justiça que invalide dispositivos legais que, no seu entender, poderiam interferir na liberdade religiosa e de culto, assegurada na Carta. Seria o caso de eventual legislação que torne crime a homofobia. Em alguns cultos evangélicos, como se sabe, o homossexualismo é verberado como uma das mais repulsivas ofensas às leis divinas. Nem sempre são nítidos os limites entre essa pregação e o incitamento do ódio aos gays. O pastor Feliciano, por exemplo, escreveu certa vez que "a podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam (sic) ao ódio, ao crime, à rejeição". O problema, de toda forma, é a barreira infranqueável que impede o contágio do Estado pelas religiões organizadas e vice-versa.

Do mesmo modo que não se pode aceitar com naturalidade que um parlamentar com as opiniões de Feliciano conduza um órgão destinado a proteger, entre outras, as vítimas da discriminação e do preconceito, é inconcebível que se considere natural que entidades confessionais possam ser incluídas entre aquelas apropriadamente credenciadas para questionar no STF a adequação das leis à Constituição. Delas, convém lembrar, fazem parte as legendas com assento no Congresso - como o PSC de Feliciano. Felizmente, o projeto de emenda constitucional aprovado na CCJ tem ainda um longo percurso pela frente. Será submetido à Comissão Especial da Câmara e, eventualmente, ao plenário da Casa, em duas votações com quórum qualificado. Passando, enfrentará o mesmo rito no Senado. Tempo bastante e instâncias suficientes de decisão para que tenha o merecido destino - o arquivamento.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Notas & Informações - Domingo,31 de março de 2013 - Pg. A3 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,pior-que-o-caso-do-pastor-,1015197,0.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.