O fruto proibido


Johan Konings*

O fruto proibido representa, simbolicamente, o interdito, o tabu, o limite imposto ao ser humano

“A historinha do pecado original quer dizer simplesmente que Deus, para o bem do ser humano, impõe limite a seu desejo insaciável”. Retomemos, pois, a história da maçã (Gênesis cap. 2-3)!

A Bíblia conta que Deus colocou “o ser humano” (o texto original lê “o Adão”, com artigo definido) no melhor mundo possível, como jardineiro do paraíso, e, para tirá-lo da solidão, providenciou-lhe uma “ajuda adequada”, a mulher. Deus explicou ao ser humano e à sua companheira que tinham à sua disposição as frutas de todas as árvores, inclusive da árvore da vida, menos o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Mas aí veio a serpente, animal rasteiro e astuto, e inspirou a Eva o desejo daquele único fruto; e ela comeu, e Adão também. Com as consequências que conhecemos.

Adão e Eva podem comer de todas as frutas do paraíso, menos uma, que eles têm de deixar intacta, para que não pensem ser iguais a Deus. É verdade que foram criados “à imagem e semelhança de Deus” (Gênesis 1,26-27), para representá-lo (‘imagem’, estátua) e para agir como ele (‘semelhança’: exercer domínio). Mas, ainda que "semelhantes", eles não são iguais a Deus, não devem ocupar seu trono! Ora, exatamente porque lhes ensina o limite, a fruta daquela árvore lhes dá conhecimento do bem e do mal: ensina-os a distinguir o que é bom ou mau para eles. Infelizmente, eles vão querer exatamente esse único fruto... 

O fruto proibido representa, simbolicamente, o interdito, o tabu, o limite imposto ao ser humano. Parece o contrário, mas é verdade: tendo um limite, o ser humano é livre, pois pode optar, escolher. Pode optar por respeitar o limite ou não. Livre arbítrio. E se optar por não respeitar o limite, vai conhecer as consequências. 

Esse simbolismo nos ensina ainda outra coisa: se o ser humano romper sua lealdade a Deus e quiser tornar-se igual a ele – assim nos conta o narrador –, também a árvore da vida vai lhe ser interditada: ele vai conhecer a morte. A penalidade do interdito é a morte: a transgressão separa o ser humano daquilo que Deus lhe oferece, a vida

Podemos também dizer: o fruto simboliza o critério do bem e do mal. Pois bem, esse critério está reservado a Deus. Querer comer desse fruto é querer ser igual a Deus. Quando o ser humano se apropria do critério do bem e do mal, ele se faz de deus; então, é melhor interdizer-lhe também a árvore da vida, pois o ser humano é criatura, não é feito para ser Deus

À nossa interpretação opõe-se, antagonicamente, outra, bem ao gosto de certa modernidade que exalta a absoluta autonomia do ser humano. Segunda essa interpretação, Eva e Adão teriam feito um ato de heroísmo, um pouco como o herói grego Prometeu, que roubou o fogo dos deuses. Esta interpretação diz que o fruto deu a Eva e Adão o conhecimento do bem e do mal, o conhecimento radical. Só que, para isso, eles (e nós) pagaram o preço... Não acredito que esta seja a interpretação certa. É muito grega, pouco bíblica. No espírito da Bíblia, o que dá ao ser humano a sabedoria da vida é a opção de respeitar o conhecimento do bem e do mal, ou seja, de aceitar que ele não pode tudo.

Os antropólogos dizem, com razão, que o interdito é o início da civilização. A Bíblia chama isso de Torah, "Instrução" (de modo infeliz traduzido por "Lei"). A instrução (a educação!) tira o ser humano de sua animalidade, assim como as regras da linguagem o fazem sair da comunicação meramente instintiva (e como há no mundo atual humanóides que só produzem grunhidos!). O animal segue seu instinto, o ser humano opta e decide

O interdito é correlativo à liberdade. Liberdade não é fazer o que o instinto inspira, mas o que se quer na base de uma opção responsável. Na antiga Grécia, a liberdade era a característica do cidadão. Em Roma, os filhos de família eram chamados "liberi", termo que significa também "livres". Por isso, a criança "testa" os pais, para ver onde vão pôr o limite que lhe vai permitir agir como os humanos. É até interessante ver como a criança se opõe instintivamente ao limite que inconscientemente ela deseja! E à medida que ela aceita o limite e “conhece o bem e o mal” – as alternativas de sua opção –, ela progride em humanidade. 

Sem esse "mítico" limite (que na realidade toma as formas mais diversas), seremos animais selvagens, e os capítulos seguintes da Bíblia (Gênesis 4 a 11) contam alguns exemplos disso. Sem o limite, teremos, como observou uma leitora de meu texto anterior, “terroristas, neonazistas, estupradores” etc. Os jornais estão cheios disso.

Portanto, não foi para chatear que Deus inventou o fruto proibido! Mas quando a nossa liberdade não vence nossa cobiça, que sempre quer exatamente aquilo que não é para nós (a goiaba no jardim do vizinho, ou na parte do jardim que Deus se reservou), então ...

* Johan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara. 

Fonte: domtotal.com - Colunas - 24/04/2013 - Internet: http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=3550

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