É importante saber que...
Maria
Madalena, a primeira apóstola
Luigi Sandri
«Confronti»
Setembro de 2020
Entrevista
com Marcello Farina
Padre
católico, ex-professor de filosofia da Fundação Bruno Kessler para os Estudos
Religiosos e da Universidade de Trento
Uma reflexão
renovada na Igreja sobre o mandato que Jesus confiou a
Maria de Magdala –
“Anuncia aos apóstolos a minha ressurreição” – faz ressurgir em todo o seu
esplendor a missão daquela mulher,
subvertendo o status
quo eclesial

O livro da comunidade de base de
São Paulo em Roma sobre “Maddalena e le altre” [Madalena e as outras]
– no qual se afirma que o Evangelho também confere às mulheres o mandato de
presidir a Ceia do Senhor – está provocando reações.
O atual Sínodo alemão
certamente levará em consideração essa onda quando, em breve, abordar o
problema dos ministérios femininos. E, na França, não diminuiu a
agitação provocada pela teóloga Anne Soupa, que propôs a sua candidatura
como arcebispa de Lyon, sabendo muito bem que ela tem um “limite” insuperável:
é mulher.
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Tradução do título e subtítulo: "Madalena e as outras. A Igreja, as mulheres, os ministérios na experiência de uma história" |
Na Itália, o caderno La
Lettura do jornal Corriere della Sera do dia 2 de agosto publicou
duas páginas sobre “A décima terceira apóstola”, partindo do
documentado, original e provocativo “Maria Maddalena. Equivoci, storie,
rappresentazioni” [Maria Madalena. Equívocos, histórias, representações,
em tradução livre] (Ed. Il Mulino, 127 páginas), no qual a teóloga Adriana
Valerio demonstra a deturpação que levou a fazer da discípula predileta de
Jesus “a pecadora”.
Se Madalena é a primeira apóstola,
quais são – portanto – as consequências? Se a ressurreição de Cristo é uma
pedra angular da fé, aquela que a anuncia não poderia ter um papel de segunda
ordem, mas sim de fonte.
Portanto, urge um concílio de
novo tipo, com homens e mulheres, para tornar realidade a mensagem
esquecida do Evangelho.
Eis a entrevista.
Por que é importante
refletir sobre as palavras de Jesus a Madalena: “Vá dizer aos meus apóstolos
que eu ressuscitei”?
Marcello Farina: Quase
imediatamente, e não séculos depois, os Evangelhos foram lidos com uma lente
masculina, e, portanto, tudo o que não combinava com ela era, de algum modo,
minimizado, senão até esquecido. Afinal, por que a figura de Madalena foi
delineada desde o início como uma prostituta? Esse é o modo tipicamente
masculino de ver a mulher com estereótipos negativos. E, séculos mais tarde,
condensando em uma única pessoa as várias Marias de que fala o Evangelho,
Madalena foi reduzida ao protótipo da pecadora: uma visão machista?
Para colocar as coisas novamente na
sua devida luz, bastaria dar espaço ao período pascal, que é o momento no qual se funda a Igreja: a qual, de fato,
não nasce antes da ressurreição de Jesus, mas sim depois. Ela é o eco da
ressurreição. Entre os anunciadores da ressurreição, a primeira em absoluto
– como Lucas relata esplendidamente – é precisamente Maria de Magdala:
“Maria!” – “Mestre!”. “Vá dizer aos meus que eu ressuscitei”.
Se a ressurreição de Cristo é a
pedra angular da fé, aquela que a anuncia não poderia ter um papel de segunda
ordem, mas deveria ser até considerada a primeira apóstola. Urge, portanto,
realizar uma reconstrução total dos personagens do anúncio evangélico.
Como concretizar, hoje, essa
necessária reavaliação de Maria Madalena?
Marcello Farina: Se déssemos
peso e valor efetivos àquilo que o batismo é, deveríamos simplesmente
realizá-lo. Cada um, no batismo, torna-se, a seu modo, não para si ou
para um pequeno grupo, mas para toda a comunidade, sacerdote, rei e profeta.
É o batismo que confere a dignidade de cristão, não a ordem sagrada. O Papa
Francisco com uma bela frase diz: “Não somos batizados bispos ou padres, mas
somos batizados sacerdotes, reis e profetas”. Existe, portanto, um sacerdócio original, diante do qual o outro se torna
um ministerium, isto é, um serviço.
É interessante refletir sobre o que
a Igreja Católica no Japão fez a partir do século XVII, quando todos os
missionários estrangeiros, começando pelos jesuítas, tiveram que abandonar o
país. Por quase 300 anos no império nipônico, os católicos, sem padres,
batizaram e celebraram a Eucaristia, ou seja, se comportaram como uma
Igreja plena, completa, sem a necessidade de senhores e servos.
Portanto, hoje não deveria haver
nenhum escândalo se a Eucaristia fosse celebrada por uma mulher.
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Tradução do título e subtítulo: "Maria Madalena. Equívocos, histórias, representações" |
Nenhum escândalo, absolutamente. Madalena
vem antes dos discípulos, e não depois. Infelizmente, porém, as mulheres
foram expropriadas de um direito radical: isso dependeu da cultura
greco-romana da época, que, em grande parte, foi acolhida pelos cristãos e
envolvia o fato de as mulheres terem que ficar em casa. Isso aconteceu
sobretudo com a “cristandade”, ou seja, quando, com Teodósio, a partir de 380,
o cristianismo foi proclamado como única religião do império. E a
hierarquia católica aprendeu com a corte imperial a usar brasões e outros
símbolos de poder que, em parte, permanecem até hoje.
A Igreja copiou do sistema
constantiniano-teodosiano, quando os plenipotenciários eram somente homens. A
mulher de Justiniano, Teodora, que no século VI compartilhava com ele o poder
imperial, é uma exceção absoluta, fora de qualquer regra. E o Novo Testamento?
As palavras de Paulo – “As mulheres se calem nas assembleias” –,
independentemente, aqui, se são dele ou não, mostram como uma certa atitude foi
acolhida pelos cristãos. É verdade que ele também afirma: “Em Cristo, não há
nem homem nem mulher”, o que é muito importante. Mas não se pode negar que
as cartas apostólicas mostram frequentemente uma transferência da mentalidade
masculina greco-romana.
Portanto, essas comunidades,
como a de São Paulo em Roma, que celebram a Eucaristia até mesmo presidida por
uma mulher, são coerentes com o Evangelho?
Marcello Farina: É claro, é
uma celebração totalmente evangélica. Naturalmente, deve ser gradual a
passagem de uma Igreja machista para uma Igreja onde as mulheres também podem
celebrar a Eucaristia. É preciso uma certa sabedoria e prudência humanas.
Enquanto isso, se poderia começar com as diaconisas. Na primeira Igreja,
os diáconos e as diaconisas tinham um papel muito importante. Eles não tinham
um papel “temporário”, provisório: era um papel estável. Além disso, as
mulheres poderiam muito bem ser criadas cardeais, um papel que, no entanto, não
tem nenhuma base evangélica; é uma escolha nascida na história. Não tem
nada a ver com os sacramentos, sobre os quais, aliás, haveria – criticamente –
muito a dizer. O Concílio de Trento, por exemplo, recolhendo várias tradições,
estabeleceu finalmente que são sete. Mas, destaco, quando não podem ser
fundamentados no Evangelho, eles não existem. De todos os modos, hoje quase
todas e todos os exegetas afirmam que, na Última Ceia, também havia mulheres.
E, portanto, Jesus deu o testamento a cada uma dessas pessoas: celebrem a
Ceia do Senhor!
Portanto, seria preciso
reconhecer que as mulheres podem celebrar e presidir a Eucaristia.
Marcello Farina: Sem dúvida:
isso é decisivo e evangélico. Além disso, há também os “sinais dos tempos”: como
é possível excluir a mulher dos ministérios em um mundo no qual, cada vez mais,
se afirma a sua plena dignidade? Por que uma mulher não pode partir o pão
eucarístico que é o coração da vida cristã?
Seria necessário um novo
concílio, com a participação de mulheres e homens, para realizar as mudanças
necessárias, grandes e complexas?
Marcello Farina: Sim, um
concílio desse tipo me parece necessário, não só para reafirmar a plena
dignidade de homens e mulheres em todos os ministérios da Igreja, mas também
para pôr fim à monarquia papal. Ele deve afirmar – e, de fato,
Francisco tentou fazer algumas tentativas – a sinodalidade da Igreja,
que ou é sinodal ou não é. Infelizmente, nós a construímos sobre o modelo
imperial romano. Sinodalidade significa que a Igreja não pode ser governada
sem o concerto de todas as Igrejas. É verdade – como se viu com o Sínodo
para a Amazônia de 2019 – que ele também pode falhar, ou ser anulado pela Cúria
Romana, ou pelo papa.
No entanto, a sinodalidade da Igreja
deve ser afirmada em princípio e na prática.
Se a Igreja fosse sinodal em 1994, o
Papa Wojtyla nunca poderia afirmar,
sem escutar a sua Igreja – como fez
na carta apostólica Ordinatio sacerdotalis –,
que as mulheres “in aeternum” não
poderão receber a ordenação.
Além disso, como muitas Igrejas
ligadas à Reforma têm pastoras e bispas, ele deveria tê-las escutado antes de
decidir. A sua “ordem” foi, ao que me parece, um abuso de poder.
Traduzido do italiano por Moisés
Sbardelotto.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos
– Notícias – Terça-feira, 8 de setembro de 2020 – Internet: clique aqui (acesso em: 08/09/2020).
A ordenação de mulheres é possível
Foi
o que afirmou a Pontifícia Comissão Bíblica
Johannes
Beutler
Jesuíta
e biblista alemão
Publik-Forum
06-09-2020
Ainda em 1976, a Pontifícia Comissão Bíblica
havia chegado à conclusão de que a
ordenação das mulheres é possível.
Por que os seus argumentos não são ouvidos?
Nos anos 1970, quando a Igreja
Anglicana começou a ordenar primeiro mulheres padres e depois mulheres bispas,
Roma ficou nervosa. O Papa Paulo VI temia que pedidos semelhantes também fossem
impostos à Igreja Católica e, por isso, encarregou tanto a Comissão Teológica Internacional quanto a Pontifícia Comissão Bíblica de esclarecer a questão
da ordenação das mulheres.
Naturalmente, esperava-se que ambas
as comissões reforçassem e confirmassem a secular tradição da Igreja. Mas a
Pontifícia Comissão Bíblica chegou em 1976 a um resultado que não agradou ao
papa.
Doze dos 16 membros com direito a
voto sustentaram a opinião de que as Escrituras estão abertas à possibilidade
da ordenação das mulheres. A lista dos membros da comissão contém os nomes de
estimados estudiosos da Bíblia de diversas nações. Apesar disso, o Vaticano
preferiu não publicar o documento final. Que só foi conhecido graças a uma
indiscrição e depois publicado nos Estados Unidos.
Em vez disso, os resultados da
Comissão Teológica Internacional foram repassados para o decreto Inter
insignioris, publicado em outubro de 1976, e ao qual o Papa João
Paulo II se referiria mais tarde. O prefeito da Congregação da Fé daquela
época, o cardeal Franjo Šeper, indicou os motivos contra a ordenação de
mulheres:
1º) Acima de
tudo, a práxis de Jesus, que havia chamado como apóstolos apenas homens.
2º) Depois, a práxis
dos apóstolos e da Igreja primitiva, o ensino e a práxis constante da
Igreja.
3º) Por fim,
um argumento simbólico: apenas um padre do sexo masculino poderia (nas
celebrações) representar o homem Cristo perante a comunidade.
O último argumento é o mais fraco.
Pressupõe a relação de Cristo com a Igreja segundo a imagem homem-mulher (Carta
aos Efésios 5,2ss.), sem que se possa detectar no texto qualquer referência ao
gênero dos padres.
Os argumentos da Pontifícia Comissão Bíblica
A Pontifícia Comissão Bíblica em
1976, em vez disso, chegou à conclusão de que não há nenhuma linha direta
que leve do círculo dos 12 aos ministérios da Igreja das origens. O círculo
dos 12 [apóstolos] tem principalmente um significado simbólico como
reconstituição do povo de Israel com as suas 12 tribos.
Já a equiparação dos 12 com os
apóstolos é redutiva e não permite entender a multiplicidade dos apóstolos na
Igreja primitiva. Desde o início, as mulheres também assumiram
responsabilidades no anúncio e na direção das comunidades. Pensemos apenas
na diaconisa Febe ou na apóstola Júnia.
Nem um pouco impressionado com
isso, o Papa João Paulo II declarou que a exclusão das mulheres do ministério
era um ensinamento da Igreja que deveria ser mantido. E repetiu os argumentos
da Comissão Teológica, mas sem o motivo simbólico, segundo o qual o padre deve
ser homem para representar Jesus homem.
Esse argumento esquecido se
encontra, porém, como único argumento (!) no documento do Papa Francisco na
conclusão do Sínodo sobre a Amazônia, no qual ele exclui outros acessos ao
ministério.
Por isso, já é hora de o
magistério romano retomar o diálogo com a pesquisa bíblica e não simplesmente
continuar a ignorá-la. É verdade que, contra o princípio luterano, segundo
o qual a Escritura é suficiente para esclarecer questões de fé, a Igreja
Católica sempre deu grande valor à convicção de que a revelação deve ser
extraída não só da Escritura, mas também da tradição e do magistério.
No entanto, a partir do Concílio
Vaticano II, a função da Sagrada Escritura não é mais apenas a de fornecer os
argumentos para a teologia sistemática. Ela deve ser levada em consideração
pela sua própria visão. Portanto: é preciso ousar mais a Bíblia!
Traduzido da versão italiana por Moisés Sbardelotto.
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