Para ler o Deuteronômio
“Abre tua mão para o teu irmão” (Dt
15,11)
Pe. Dr. Telmo José Amaral de Figueiredo
Paróquia
São Benedito – Urânia (SP)
Diocese
de Jales – SP
Todos os anos, o Mês da Bíblia nos oferece para estudo,
reflexão e oração um livro ou uma importante passagem bíblica. Neste ano, é o
livro do Deuteronômio que nos é ofertado. Vamos saber o que nos espera ao
abrirmos esse quinto livro da Bíblia Sagrada.
Comecemos pelo nome do livro, o que significa esse vocábulo
“Deuteronômio”? Em língua grega, significa “segunda Lei” (dêuteros nómos).
Foi a tradução grega do Antigo Testamento, conhecida como Setenta (Septuaginta),
que deu esse nome ao quinto livro da Bíblia, fundamentando-se em Dt 17,18,
entendendo a expressão “uma cópia desta lei”, como sendo uma “segunda lei”.
Apesar da interpretação ser imprecisa, não deixa de ser uma verdade. Afinal, o
Deuteronômio foi visto pelos judeus como a segunda promulgação da Lei de Deus,
nas planícies de Moab, enquanto que, a primeira promulgação, havia ocorrido aos
pés do monte Sinai, segundo nos relata o livro do Êxodo.
Quando foi redigido esse livro? A resposta a essa questão
não é fácil, pois o Deuteronômio (Dt) é o produto de uma redação que durou
séculos, isso mesmo! Em seu interior há materiais que são da época pré-estatal
de Israel (1200-1000 a.C.); da época monárquica do Reino de Israel Norte
(século VIII a.C.); do período do rei Josias, Reino de Judá Sul (620-609 a.C.);
do período em que a elite de Judá viveu exilada na Babilônia (587-538 a.C.); e
da época após o exílio babilônico (538-400 a.C.). Portanto, é um livro que
recolhe diversas circunstâncias da vida do Povo de Deus e as suas respectivas
preocupações. Por isso, é importante buscar compreender cada lei presente no Dt
em seu contexto.
Quem escreveu esse livro? Levando em consideração o que foi
dito no parágrafo anterior, houve várias mãos que colaboraram para a feitura
dessa obra. Desde as tradições genuínas das famílias, dos clãs e tribos da
época que, ainda, não havia uma monarquia em Israel; passando pela influência
de profetas do Reino de Israel Norte, pelos escribas das cortes dos reis
Ezequias (716-701 a.C.) e Josias (620-609 a.C.), ambos do Reino de Judá Sul;
até os escribas levitas do período exílico e pós-exílico (587-400 a.C.). Em
linhas gerais, o Dt é o resultado de um movimento renovador denominado
Deuteronomista. Esse movimento atravessou séculos e procura interpretar aquilo
que acontece com o povo à luz da vontade de Deus, é o que poderíamos chamar de
ler e compreender os “sinais dos tempos”.
Para que o Dt foi escrito? Sendo fruto de um longo processo
de redação e tendo sofrido a influência de vários grupos de escritores, não é
tão simples determinar um objetivo único para esse livro. No entanto,
observando sua forma final, aquela que está em nossas bíblias, podemos afirmar
que são dois esses objetivos: o primeiro é fazer com que o povo observe
(obedeça) melhor a Lei de Deus, uma lei que promove e preserva a vida, acima de
tudo! Para tanto, leia Dt 30,19-20. O segundo objetivo, esse mais ligado às
tradições das cortes monárquicas de Israel e Judá, é fazer um apelo para que o
povo se converta ao Deus oficial, o Deus único e poderoso, bem como, à sua lei
do puro e do impuro e à unidade do povo eleito, Israel. Para nós, hoje, é mais
importante, obviamente, o primeiro objetivo.
O que o Dt nos diz de mais importante? Mergulhando nos
textos do livro ficamos fascinados com a quantidade de leis, normas, decretos
etc. Porém, não se engane! Esse é um livro no qual as leis brotam da vida! As
leis comparecem para preservar aspectos fundamentais da vida do povo. É claro
que há, também, algumas leis estranhas: leis desumanizadoras (Dt 20,10-14);
leis de centralização a serviço do poder e do lucro (Dt 12,2-7) e a lei do Deus
violento e castigador (Dt 13,7-12). Nada disso deve nos escandalizar ou
assustar, pois é fruto da mentalidade de certas épocas da história do Povo de
Deus. O que predomina no livro, e que mais nos interessa, é aquilo que frei
Carlos Mesters e Francisco Orofino muito bem definiram como os sete temas ou as
sete janelas pelas quais podemos ler o Dt:
a)
“O amor de Deus é a chave para interpretar os fatos da história. Foi por amor
que Deus tirou o povo do Egito” (Dt 7,7-8);
b)
“Sem memória, o povo perde a sua identidade e o rumo da sua missão” (Dt 6,20-21);
c)
“Pelo seu jeito de servir, o povo revela o rosto de Deus... Nosso privilégio é
poder servir os outros” (Dt 15,11);
d)
“Viver em estado permanente de êxodo, ‘saída’” (Dt 24,18);
e)
“A vida do povo deve ser um sinal da presença de Deus... Quando todos observam
os Mandamentos de Deus, não surge pobre” (Dt 15,4);
f)
“O verdadeiro Deus é aquele que libertou o seu povo da escravidão do Egito e
lhe garantiu a vida”, isso jamais pode ser esquecido (Dt 5,6-8);
g)
há um compromisso mútuo entre Deus e o povo, o livro do Dt é o livro da
Aliança, uma aliança feita hoje, sempre atual e renovada (Dt 5,2-3).
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