«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Evolução e pecado original: releituras do Gênesis

Tina Beattie
The Tablet
02.03.2012

Como nos sentimos quando ouvimos a história do Gênesis? Por um lado, ela é tão familiar que se tornou caseira, e não conseguimos perceber a sua recorrente alteridade. Por outro lado, ela passou a exemplificar a batalha entre ciência e religião. Para os fundamentalistas cristãos, ela constitui a Palavra de Deus absoluta que refuta a teoria da evolução pela seleção natural. Para os ateus evolucionistas, a ciência oferece provas quase irrefutáveis de que Deus não existe, tornando obsoletos nossos antigos mitos de origem.


Isso se torna ainda mais problemático se levarmos em consideração o que Paulo diz em Romanos 5, 12-19, repassando a história da salvação até o pecado de Adão. Em um mundo em que nos conhecemos como macacos altamente evoluídos – embora sendo macacos cujos cérebros pularam as faixas da evolução até adquirir consciência –, como devemos interpretar essas histórias de pecado, de morte e de salvação de uma forma que não nos torne ridículos ou infantis?


O teólogo jesuíta Jack Mahoney recentemente tentou dar uma resposta por meio do que ele chama de "uma teologia cristã do altruísmo". Em seu livro Christianity in Evolution: an Exploration [Cristianismo em evolução: Uma exploração] ele argumenta que a teoria da evolução tornou a doutrina do pecado original redundante. Cristo não morreu por nossos pecados para satisfazer a Deus. Ao contrário, ele é a entrada de Deus na espécie humana em evolução, a fim de nos ensinar a imitar o altruísmo trinitário. Nós somos "propensos ao interesse próprio e até mesmo à obsessão própria", mas isso não é atribuível a "algum desastre moral primordial".


Cristo, por exemplo nos mostra como superar essas características evolutivas naturais, para que o seu testemunho "possa ser visto como um passo evolutivo maior no avanço moral da humanidade e como uma indicação de que o altruísmo universal é o convite moral e o destino evolutivo das espécies humanas". Mais importante ainda é que, morrendo, Cristo enfrentou a universalidade da morte e, ressuscitando, ele "salvou seus companheiros seres humanos da extinção, seu destino evolutivo, para compartilhar com eles a vida divina da Trindade".


No entanto, tenho dúvidas sobre a a viabilidade ou conveniência do ponto de vista de Mahoney, e gostaria de dizer por quê.


O mito do Gênesis não é factual, mas é veraz. Os mitos são portadores de sentido para além do que as nossas mentes racionais possam suportar. Eles não explicam nem discutem. Por um processo paradoxal de ocultação e revelação simultâneos, eles evocam ressonâncias sutis e evasivas.


A história do Gênesis toca em muitos enigmas sobre o que significa ser humano. Há, por exemplo, a intuição de que desejo e proibição parecem presos em uma relação parasitária mútua. Há também o enigma da sexualidade humana – a dolorosa história de amor e violência, liberdade e dominação, deleite e desastre, que constitui o romance e a tragédia em curso das nossas uniões sexuais. E depois há a relação entre nós e o restante da criação como um paraíso que se torna um deserto de conflito e discórdia, e a harmonia original entre Deus, a humanidade e a natureza que se rompe ao longo de linhas de culpa e alienação, vergonha e expulsão.


Nascemos em um mundo que nunca foi diferente do que é, e demitologizar é em si apenas mais um mito – o mito do progresso impulsionado pela razão e pela ciência. Esse mito moderno está rapidamente se tornando um pesadelo acordado, enquanto vemos o colapso das nossas instituições econômicas e democráticas, e a devastação do ambiente natural.


Como o filósofo Paul Ricoeur sugere, assim como Adão e Eva, nós descobrimos que a serpente sempre esteve no paraíso, que as suas origens são inexplicáveis, que a sua presença é um obscuro mistério dentro da história humana. Não importa como a chamemos – pecado original, alienação, angústia existencial, uma predisposição genética –, não estamos em paz com nós mesmos e com o nosso mundo, e mesmo que, com grande sabedoria e paciência, adquiramos algum nível de paz, é um dom frágil e efêmero.


Entre o início e o fim das Escrituras, descobrimos a história redentora do nosso próprio vir a ser – macacos vindo a ser humanos vindo a ser deuses mediante a nossa divinização em Cristo. Mas nós também precisamos mudar o foco de nossas lentes antropocêntricas. Esse não é um projeto moral, como Mahoney parece sugerir, e também não é um projeto puramente humano. Cristo é um redentor cósmico, e a Carta aos Romanos nos diz que toda a criação geme em dores de parto enquanto espera a glória da redenção.


Uma teologia que procura se explicar perante o tribunal da ciência sempre abrirá mão de muito, e uma ciência que tranca as suas portas contra a teologia sempre saberá muito pouco.

* Tina Beattie [foto no alto] é teóloga inglesa e diretora do Centro Digby Stuart de Pesquisa em Estudos Católicos da Roehampton University, da Inglaterra.

Tradução de Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Segunda-feira, 12 de março de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/507368-evolucao-e-pecado-original-releituras-do-genesis

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