«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

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 A compaixão como princípio

 Leonardo Boff

Ecoteólogo, Filósofo e escritor de mais de uma centena de livros, entre os quais, “Princípio compaixão e cuidado”, com Werner Müller (Editora Vozes) 

Ela é atestada em todos os povos e culturas: a capacidade de colocar-se no lugar do outro, compartilhar de sua dor e assim aliviá-la

 

Através da Covid-19 a Mãe Terra está movendo um contra-ataque à humanidade como reação ao avassalador ataque que vem sofrendo já há séculos. Ela simplesmente está se defendendo. A Covid-19 é igualmente um sinal e uma advertência que nos envia: não podemos fazer-lhe uma guerra como temos feito até agora, pois está destruindo as bases biológicas que a sustenta e sustenta também todas as demais formas de vida, especialmente, a humana. 

Temos que mudar, caso contrário nos poderá enviar vírus ainda mais letais, quem sabe, até um indefensável contra o qual nada poderíamos. Então estaríamos seriamente ameaçados como espécie.

Não é sem razão que a Covid-19 atingiu apenas os seres humanos, como aviso e lição.

Já levou milhões à morte, deixando uma via-sacra de sofrimentos a outros milhões e uma ameaça letal que pode atingir a todos os demais. 

Os números frios escondem um mar de padecimentos por vidas perdidas, por amores destroçados e por projetos destruídos. Não há lenços suficientes para enxugar as lágrimas dos familiares queridos ou dos amigos mortos, dos quais não puderam dizer um último adeus, nem sequer celebrar o luto e acompanhá-los à sepultura. 

Como se não bastasse o sofrimento produzido para grande parte da humanidade pelo sistema capitalista e neoliberal imperante, ferozmente competitivo e nada cooperativo. Ele permitiu que:

* 1% dos mais ricos possuísse pessoalmente 45% de toda a riqueza global enquanto

* os 50% mais pobres ficasse com menos de 1%, segundo relatório recente do Crédit Suisse.

Ouçamos aquele que mais entende de capitalismo no século XXI, o francês Thomas Piketty referindo-se ao caso brasileiro. Aqui, afirma, verifica-se a maior concentração de renda do mundo; os bilionários brasileiros, entre o 1% dos mais ricos, ficam à frente dos bilionários do petróleo do Oriente Médio. Não admira os milhões de marginalizados e excluídos que esta nefasta desigualdade produz. 

Novamente os números frios não podem esconder a fome, a miséria, a alta mortandade de crianças e devastação da natureza, especialmente na Amazônia e em outros biomas, implicada nesse processo de pilhagem de riquezas naturais. 

Mas nesse momento, pela intrusão do coronavírus, a humanidade está crucificada e mal sabemos como baixá-la da cruz.

É, então, que devemos ativar em todos nós uma das mais sagradas virtudes do ser humano: a COMPAIXÃO.

Ela é atestada em todos os povos e culturas: a capacidade de colocar-se no lugar do outro, compartilhar de sua dor e assim aliviá-la. 

LEONARDO BOFF - autor deste artigo

O maior teólogo cristão, Tomás de Aquino, assinala na sua Suma Teológica que a compaixão é a mais elevada de todas as virtudes, pois não somente abre a pessoa para a outra pessoa senão que a abre para a mais fraca e necessitada de ajuda. Neste sentido, concluía, é uma característica essencial de Deus. 

Referimo-nos ao princípio compaixão e não simplesmente à compaixão. O princípio, em sentido mais profundo (filosófico) significa uma disposição originária e essencial, geradora de uma atitude permanente que se traduz em atos, mas nunca se esgota neles. Sempre está aberta a novos atos. Em outras palavras, o princípio tem a ver com algo pertencente à natureza humana. Porque é assim podia dizer o economista e filósofo inglês Adam Smith (1723-1790) em seu livro sobre a Teoria dos Sentimentos Éticos:

“até a pessoa mais brutal e anticomunitária não está imune à força da compaixão”.

A reflexão moderna nos ajudou a resgatar o princípio compaixão. Foi ficando cada vez mais claro para o pensamento crítico que o ser humano não se estrutura somente sobre a razão intelectual-analítica, necessária para darmos conta da complexidade de nosso mundo. Vigora em nós, algo mais profundo e ancestral, surgido há mais de 200 milhões de anos quando irromperam na evolução os mamíferos: a razão sensível e cordial. Ela significa a capacidade de sentir, de afetar e ser afetado, de ter empatia, sensibilidade e amor. 

Somos seres racionais, mas essencialmente sensíveis. Na verdade, construímos o mundo a partir de laços afetivos. Tais laços fazem com que as pessoas e as situações sejam preciosas e portadoras de valor.

Não apenas habitamos o mundo pelo trabalho senão pela empatia, o cuidado e a amorosidade. Este é o lugar da compaixão.

Quem tratou dessa virtude melhor que nós ocidentais foi o budismo. A compaixão (Karuná) se articula em dois movimentos distintos e complementares:

* o desapego total e

* o cuidado.

Desapego significa deixar o outro ser, não enquadrá-lo, respeitar sua vida e destino. Cuidado por ele, implica nunca deixá-lo só em seu sofrimento, envolver-se afetivamente com ele para que possa viver melhor carregando mais levemente sua dor. 

O terrível do sofrimento não é tanto o sofrimento em si, mas a solidão no sofrimento.

A compaixão consiste em não deixar o outro só. É estar junto com ele, sentir seus padecimentos e angústias, dizer-lhe palavras de consolo e dar-lhe um abraço carregado de afeto.

Hoje os que sofrem, choram e se desalentam com o destino trágico da vida, precisam desta compaixão e desta profunda sensibilidade humanitária que nasce da razão sensível e cordial. As palavras ditas que parecem corriqueiras ganham outro sonido, reboam dentro do coração e trazem serenidade e suscitam um pequeno raio de esperança de que tudo vai passar. A partida foi trágica, mas a chegada em Deus é bem-aventurada. 

A tradição judaico-cristã testemunha a grandeza da compaixão. Em hebraico é “rahamim” que significa “ter entranhas”, sentir o outro com profundo sentimento. Mais que sentir é identificar-se com o outro. O Deus de Jesus e Jesus mesmo mostram-se especialmente misericordiosos como se revela nas parábolas do bom samaritano (Lc 10,30-37) e do filho pródigo (Lc 15,11-32). Curiosamente, nesta parábola, a virada se dá não no filho pródigo que volta, mas no pai que se volta para o filho pródigo. 

Mais no que nunca antes, face à devastação feita pela Covid-19 em toda a população, sem exceção, faz-se urgente viver a compaixão com os sofredores como o nosso lado mais humano, sensível e solidário. 

Fonte: A terra é redonda – Quinta-feira, 17 de junho de 2021 – Internet: clique aqui (acesso em: 21/06/2021).

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