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 Sob Bolsonaro, disciplina e hierarquia são rompidas nas Forças Armadas

 Roberto Romano

Filósofo e Professor de Ética e Filosofia na Unicamp 

A soberba e a subversão da ordem imperam, absolutas, desde que Bolsonaro subiu ao Planalto

MANIFESTAÇÃO PACÍFICA EM RECIFE (PE) É REPRIMIDA COM VIOLÊNCIA PELA POLÍCIA MILITAR. HOMEM PERDA A VISÃO DEVIDO AO USO DE BALA DE BORRACHA

Começo com um pensador ético da modernidade. Diz Spinoza no seu Tratado Político:

“A soberba é natural ao homem. A nomeação para o cargo de um ano basta para tornar os indivíduos orgulhosos. Sendo assim, que pensar dos nobres que desejam receber honras perpétuas?”

Um pequeno emprego faz a pessoa se tornar arbitrária, acima da lei. Imaginemos o cume do poder! No país do “sabe com quem está falando” e do guarda da esquina (bom Pedro Aleixo…) a prática enunciada pelo filósofo é certeza. 

O Estado moderno reúne três monopólios:

a) o da norma jurídica,

b) da taxação,

c) da força pública.

Na democracia vários setores dividem aqueles monopólios. Em terra não democrática os referidos monopólios se concentram em um setor em detrimento de outros. No Brasil, a força pública (Exército, Marinha, Aeronáutica) é partilhada com a polícia judiciária, com a civil e a militar (antigas corporações a serviço dos entes federados). O Poder Executivo em nossa pátria tem o controle majoritário daquelas forças. 

Tenente da PM Marlon Jorge Albuquerque prende, ilegalmente, o professor Aquidones Bites, em Goiás, por trazer uma faixa com os dizeres: "Fora Bolsonaro genocida!"

Sempre houve tensão entre quartéis e com a polícia judiciária, civil ou militar. O uso coordenado das forças exige disciplina e hierarquia dos setores. O domínio mais amplo pertence a Exército, Marinha, Aeronáutica. O mais restrito é o da Polícia Civil e Militar.

Sob Bolsonaro, a disciplina e a hierarquia são rompidas. A cada hora um policial civil ou militar imagina ter a plenitude do monopólio da força. E age com arbítrio.

O indivíduo usurpa a soberania. Julgando-se superior aos cidadãos, ele se põe como carcereiro, promotor e juiz. É o que ocorreu em Goiás, quando um policial apoiador do presidente decretou contra uma pessoa o crime de calúnia contra o mandatário por usar o termo “genocida” e o prendeu. No Recife, duas pessoas perderam a vista porque a Polícia Militar se julga superior aos dirigentes civis do Estado. A soberba e a subversão da ordem imperam, absolutas, desde que Bolsonaro subiu ao Planalto.

Cabe à cidadania lutar contra o arbítrio em todos os níveis, do guarda da esquina ao presidente da República.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política/Análise – Quarta-feira, 2 de junho de 2021 – Pág. A4 – Internet: clique aqui (acesso em: 02/06/2021). 

O antídoto para o golpe

 Rosângela Bittar

Analista de assuntos políticos 

O voto eletrônico é antigolpista. Pretende-se sua eliminação exatamente por isso?

 

Vício do catálogo de tomada do poder no Brasil, o golpe já assumiu tantas e tão diferentes formas que talvez tenha sido a inspiração da célebre comparação da política com as nuvens. A última forma, em avançado estágio de preparação, é um golpe do repertório americano de Donald Trump.

O de preparar, anos antes, a resistência a entregar o cargo em caso de derrota eleitoral no futuro. Temor que ronda e assombra o presidente Jair Bolsonaro.

Para facilitar a rota de execução, faz ameaças públicas de alterar o processo eleitoral com a instituição do voto impresso. Retrocesso que Bolsonaro considera incluso no preço que pagou aos fregueses do orçamento secreto, que hoje controlam a Câmara, já cooptada para este e outros projetos do retrógrado arsenal do presidente.

Uma estratégia tão primária que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não sabe o que fazer com as diretas e indiretas que tem recebido.

Inaceitáveis ataques a um sistema consolidado e admirado no mundo inteiro.

O voto eletrônico é antigolpista. À prova de fraude. Pretende-se sua eliminação exatamente por isso?

Muitos dos defensores do voto impresso são os mesmos treinados em produção de falsas notícias, mas até hoje se dispensaram de apresentar provas de suas suspeitas.

O ministro Gilmar Mendes (STF), numa manobra hábil porque preserva o evoluído sistema de votação sem deixar de dar ouvidos às suspeitas, prometeu ao presidente, em conversa recente, propor à Procuradoria-Geral da República e ao TSE a abertura de um inquérito especial sobre a urna eletrônica. O processo judicial permitiria colher depoimentos e acumular provas.

Tecnicamente as urnas eletrônicas já são auditáveis e auditadas. Antes, durante e depois dos processos eleitorais. Até hoje sempre invictas.

É fato que Bolsonaro, além de criar situação para contestar resultados, está empenhado em desmoralizar as instituições. Todas. Depois de capturar a Câmara, mirou o Exército. Agora tenta fincar suas estacas no Judiciário, ainda uma cidadela de resistência. Vai até o fim na campanha do voto impresso, a exemplo do que tem feito no combate à atuação dos governadores na pandemia. São ensaios do que prepara contra o TSE e o STF. 

A ideia de instauração do inquérito surgiu num encontro em que Bolsonaro enumerou ao ministro Gilmar Mendes alguns de seus argumentos. Tem certeza, por exemplo, de que venceu a disputa de 2018 no primeiro turno, e isto seria provado se houvesse o voto impresso. Outra convicção do presidente é de que Aécio Neves teria vencido a disputa com Dilma Rousseff no segundo turno, mas o sistema não permitiu conferir as supostas fraudes. 

Gilmar explicou-lhe que, no Brasil, a tradição é vencer no segundo turno, não no primeiro. Só Fernando Henrique Cardoso venceu no primeiro turno, duas vezes. Até Lula, no auge de sua popularidade, teve de disputar duas rodadas.

Se tivesse ocorrido a tal fraude em 2018, Bolsonaro poderia não ter sido eleito no segundo turno como não foi no primeiro. Ganhou porque teve mais votos.

Quanto a Aécio, naquela eleição Gilmar presidia o TSE e acompanhou tudo de perto. Disse ao presidente que o hoje deputado mineiro perdeu para Dilma ao perder Minas Gerais, herança eleitoral de família. Descuidou-se do seu principal capital político. 

Com uma equipe investigativa apurando denúncias, haverá maior segurança no debate sobre essas especulações. Outros argumentos, como encenações grotescas que pretendem demonstrar como as fraudes acontecem, poderiam ser contestadas imediatamente. Um inquérito que ouvisse todos os detratores da urna eletrônica, demonstrando tolerância, e que fosse um destino para as provas, falsas ou verdadeiras. 

Como os golpes são alimentados por suspeitas não apuradas, as urnas deixariam de ser argumento. Gilmar, na prática, propõe o antídoto para o golpe. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política / Colunista – Quarta-feira, 2 de junho de 2021 – Pág. A8 – Internet: clique aqui (acesso em: 02/06/2021).

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