Risco!!!
Política de segurança do governo é falha', diz historiador
Vinícius Valfré
Entrevista com Adriano de Freixo
Historiador e Professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Univ. Fed. Fluminense (UFF)
Adriano de Freixo aponta que a “bolsonarização” das polícias não se converte em aprimoramento da política pública do setor
A conexão que o presidente Jair Bolsonaro tem com alas da PM é visível. O senhor vislumbra ameaças reais à democracia a partir dessa simbiose?
Adriano de Freixo: Após sua ascensão à presidência, Bolsonaro tem procurado estreitar esses laços procurando atender reivindicações corporativas das forças de segurança – como, por exemplo, a defesa da ampliação do “excludente de ilicitude” para agentes de segurança ou o apoio à proposta de reforma das polícias em discussão no Congresso Nacional -, mas também se tornando presença constante em formaturas de policiais (de diferentes corporações: PM, PF, PRF) nos diversos estados da federação. Neste sentido, há sim a preocupação em relação uma possível instrumentalização política dessas Forças de Segurança pelo presidente da República em uma eventual tentativa de ruptura democrática.
Como avalia a absorção de policiais militares em postos-chave do governo federal? Do entorno do presidente, em cargos de assessoramento especial no Planalto, a órgãos técnicos (como Funasa, ICMbio, Senasp, etc).
Adriano de Freixo: Essa grande participação de integrantes das Forças de Segurança no governo – ao lado da forte e crescente presença de militares das três Forças Armadas – se insere no que eu chamo de processo de “bolsonarização” das polícias, que tem como um de seus aspectos centrais a tentativa do presidente da República de se aproximar – e mesmo cooptar – das forças de segurança, instrumentalizando-as para seu projeto político. Ao mesmo tempo, procura monopolizar para si o discurso e a agenda da segurança pública – um dos calcanhares de Aquiles das esquerdas -, tema de forte impacto junto à opinião pública.
Os acenos que o presidente faz às forças estaduais de segurança ajudam de alguma maneira a política de segurança pública?
Adriano de Freixo: Ajuda o presidente a tentar monopolizar o discurso da segurança pública, colocando em seus adversários políticos – notadamente os do campo progressista - a pecha de “defensores de bandidos” e demonizando a defesa dos Direitos Humanos, elementos recorrentes em sua retórica ao longo de toda sua trajetória política, mas não tem nenhum grande efeito prático. A política de segurança pública do governo federal é extremamente falha - a adoção de medidas que flexibilizam a compra e a posse de armas como uma questão central para a segurança pública é um bom exemplo disto - e a articulação com os governos estaduais é bastante deficiente. No fim das contas, o que parece restar é só uma retórica fortemente punitivista – bem ao gosto da base política do bolsonarismo.
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Bolsonaro não esconde trabalhar, apenas, para quem gosta dele! |
As condições de trabalho de policiais não são exatamente as melhores. Isso impede que governadores exerçam pleno comando sobre as tropas?
Adriano de Freixo: É inegável que várias das reivindicações das corporações policiais são legítimas - em especial as de cunho salarial, visto que em vários estados a remuneração do pessoal da segurança pública está bastante defasada – e que isto é um forte ponto de atrito com os governadores. Mas isso, por si só, não explica alguns sinais preocupantes que observamos em setores das polícias estaduais:
* Eventos como a repressão injustificada da PM de Pernambuco aos manifestantes contrários ao governo em 19 de maio,
* o tratamento diferenciado dado a manifestantes pró e contra Bolsonaro em diversas manifestações desde 2019,
* a presença de integrantes das forças de segurança nas “motociatas” em apoio ao presidente,
* o recente discurso do comandante da PM de Brasília que foi encerrado com o slogan de campanha de Jair Bolsonaro
* e, de forma mais radical, os incidentes ocorridos em recentes paralisações de polícias estaduais, como a que ocorreu no Ceará, no ano passado, contribuem sobremaneira para aumentar o temor em relação à bolsonarização das forças de segurança.
Não se pode ignorar que lideranças da categoria identificadas com o bolsonarismo tiveram papel de destaque e contribuíram bastante para a radicalização – até o limite do confronto – desses movimentos reivindicatórios, conseguindo, em certa medida, instrumentalizá-los politicamente. Assim, a possibilidade de rebeliões pontuais contra ordens de governadores da oposição é algo que começa a ser bastante palpável e isso se constitui em uma séria ameaça à já fragilizada democracia brasileira.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios – Sábado, 26 de junho de 2021 – Pág. B7 – Internet: clique aqui (acesso em: 26/06/2021).
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