Seria um pesadelo, mas...
E se Bolsonaro se reeleger?
Frei Betto
Frade
dominicano, teólogo, escritor e assessor de vários movimentos populares Carlos Alberto Libânio Christo - FREI BETTO
Sei que o título parece um pesadelo, mas há que encarar
a possibilidade com realismo. A direita, incluindo os barões do
mercado financeiro, sabe quão difícil é ter um candidato capaz de chegar ao
segundo turno. O que interessa a ela é engordar os seus cofres. Pouco se
importa com as diatribes de Bolsonaro, as milícias, o genocídio pandêmico, a
explosão do desemprego e da miséria. Interessam apenas os índices da Bolsa e do
câmbio.
O centro – título de mera retórica – pôs as barbas
de molho ao ser surpreendido com Lula elegível. Todo o castelo de cartas
que vinha sendo montado em torno de Moro, Doria, Mandetta e Ciro, agora desaba
diante da inevitável polarização entre Bolsonaro e Lula.
Só os ingênuos acreditam que, no segundo turno, a geleia do
centro haverá de dar o seu voto a Lula. Desconfio que nem Ciro Gomes
o fará. Todos afluirão aos braços de Bolsonaro, ainda que alguns torçam o
nariz.
Visto de hoje, a conjuntura aponta um único candidato capaz
de derrotar Bolsonaro no segundo turno: Lula. Mas não são favas contadas. Muita
água haverá de correr por baixo dessa polarização. Lula pode nem chegar ao
segundo turno se a oposição não articular uma frente ampla e disputar a
eleição presidencial pulverizada em várias candidaturas sem programa
consistente de governo.
Bolsonaro tem a seu favor, além dos 30% de devotados
eleitores, a máquina do Executivo, a maioria do Congresso e do
Judiciário, as Forças Armadas, as forças policiais e as milícias que
aterrorizam o eleitorado. E haverá de reaquecer a narrativa antipetista e a
demonização de todos que defendem pautas identitárias e de costumes.
Pode-se objetar: como ele explicará meio milhão de mortos
pela pandemia? E as acusações de corrupção que pesam sobre seus filhos e amigos
íntimos?
Ora, a primeira questão já encontra resposta. Bolsonaro culpa pela mortandade governadores e prefeitos, a quem a Justiça delegou poder de iniciativas. E sabe que algo assombroso ocorre hoje no Brasil: como ele, a maioria, se acostumou ao genocídio. Naturalizamos a morte precoce por asfixia e falta de leitos. Malgrado os apelos de médicos e cientistas, o alarde diário da grande mídia, as milhares de famílias enlutadas, não há respeito a medidas elementares, como uso de máscara e distanciamento social. Não se evitam aglomerações, e as cores implementadas por estados e municípios (fases laranja, vermelha, roxa, preta) são restrições inócuas.
Todos sabem que somente um lockdown severo,
de 20 ou 30 dias, a exemplo de outros países, poderia reduzir a escalada de
mortes. Mas como decretá-lo se o comércio enfrenta o efeito dominó
das falências e a pressão do poder econômico tanto intimida quem se elegeu à
sua custa?
Se houvesse no Brasil compensação dos cofres públicos às
perdas do setor de serviços, o lockdown seria viável. Mas nem
sequer se evitam aglomerações no transporte coletivo. Em suma, a narrativa
de genocídio dificilmente haverá de sensibilizar os sobreviventes.
E a corrupção? Ora, Bolsonaro cuida de blindar todos que, à
sua sombra, se envolveram em maracutaias. Interfere na Polícia Federal e no
Judiciário, e conta com a gritante cumplicidade do silêncio das Forças
Armadas.
Há que lembrar, ainda, o poder de mobilização das redes
digitais, das fake news e do fundamentalismo religioso.
Na eleição de 2022, a pauta de costumes voltará aos discursos que a oposição
tem tanta dificuldade de tornar palatável às classes populares. Temas como kit
gay, aborto, assassinato de bandidos, ilicitude penal, são prato cheio para as
narrativas dos bolsominions.
Lula chegará ao segundo turno se, no primeiro, a oposição se
dividir entre várias candidaturas? E quem no primeiro turno votou em
candidatos da direita e do centro que se opõem a Bolsonaro, votará em Lula no
segundo?
Lula só será eleito se tiver ao seu lado, além de eleitores,
uma ampla mobilização popular.
O povo brasileiro precisa sair dessa letargia de quem fica à espera
de, amanhã, ocorrer um milagre que faça cessar a pandemia.
Esperar o auxílio emergencial, a gasolina chegar a R$ 10 o
litro, a inflação disparar, o desemprego aumentar, e, como no Equador, os
cadáveres se amontoarem nas ruas por falta de espaço nos cemitérios?
É hora de a oposição debater, não quem será candidato em 2022, e
sim como tirar o povo brasileiro da inércia e qual projeto de Brasil
apresentar a ele.
Fonte: frei betto – Artigos – 15 de março de 2021 – Internet: clique aqui (acesso em: 07/06/2021).
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