Putrefação moral
Governo está podre!
Editorial
Jornal «O Estado de S. Paulo»
A
luz do sol acelera a putrefação do governo. É preciso desenterrar o que a
truculência bolsonarista quer esconder
Os irmãos LUÍS RICARDO MIRANDA & LUÍS CLÁUDIO MIRANDA depondo na CPI da Pandemia, aquele da esquerda, é servidor do Ministério da Saúde, o da direita é deputado federal (DEM-DF) |
Na quarta-feira, mesmo dia em que o escândalo da estranha negociação para a compra da vacina indiana Covaxin ganhou componentes explosivos, anunciou-se a saída do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cujo passivo judicial é quase tão vistoso quanto os prejuízos ambientais e de imagem que ele causou ao País.
Espíritos céticos dirão que não se trata de simples coincidência. Sempre que irrompe um novo escândalo com potencial para danificar a fantasia de campeão anticorrupção que Bolsonaro vestiu desde a campanha eleitoral, o presidente se livra de algum dos seus ministros ditos “ideológicos” – isto é, ventríloquos do bolsonarismo mais estridentes – para tentar desviar a atenção.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o notório Abraham Weintraub, colocado por Bolsonaro no Ministério da Educação para destruir o sistema de ensino do País. Estava sendo muito bem-sucedido em sua missão até a manhã do dia 18 de junho do ano passado, quando foi preso Fabrício Queiroz, o faz-tudo da família Bolsonaro, pivô do escândalo das rachadinhas. À tarde, Weintraub – que havia defendido a prisão dos “vagabundos” do Supremo Tribunal Federal – foi demitido.
No caso de Salles, o ministro perdeu o emprego não por liderar o maior processo de desmonte da proteção ambiental de que se tem notícia no País, pois o fazia a mando de Bolsonaro, e sim porque o cerco judicial em torno do chefe do Executivo poderia piorar ainda mais a crise política do governo.
O problema é que o descarte de ministros aloprados não tem
sido mais suficiente para compensar o volume de denúncias contra o governo, em
particular como resultado de sua conduta criminosa na pandemia de covid-19.
O caso da vacina Covaxin é especialmente grave. Os irmãos Luís Cláudio e Luís Ricardo Miranda – o primeiro, deputado federal; o segundo, servidor do Ministério da Saúde – informaram pessoalmente ao presidente Bolsonaro em março passado sobre as supostas irregularidades no contrato para a aquisição do imunizante. Segundo ambos, Bolsonaro disse que acionaria a Polícia Federal para investigar a denúncia.
Não há notícia de qualquer investigação sobre o assunto, e o
contrato, eivado de suspeitas, foi mantido. Nele, o governo Bolsonaro topou
comprar 20 milhões de doses da Covaxin, a um custo unitário de US$ 15 [quinze
dólares norte-americanos], num processo marcado pela celeridade:
* a negociação com os indianos durou
apenas 3 meses, um espantoso contraste com
* o processo para a compra da
vacina da Pfizer, que levou 11 meses.
O servidor Luís Ricardo Miranda, responsável pela área de importação no Ministério da Saúde, relatou ter sofrido “pressões anormais” para liberar o contrato.
Ademais, a vacina da Covaxin foi adquirida mesmo sem ter sido liberada pela Anvisa, contrariando a condição imposta por Bolsonaro para a compra de qualquer imunizante, e por um preço superior ao praticado pela Pfizer – que, para o governo, era muito alto, conforme se queixou o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Por fim, o negócio com a Covaxin envolvia:
* um intermediário com várias
pendências judiciais [a Precisa Medicamentos] e
* o pagamento para uma empresa em Cingapura – que tem tudo para ser de fachada, como desconfia a CPI da Pandemia.
A comissão parlamentar agora vai se debruçar sobre esse caso,
que provavelmente se tornará o centro das investigações dos senadores. Diante
disso, o governo Bolsonaro fez o que faz de melhor:
... em vez de demonstrar interesse em apurar o escândalo, partiu
para a intimidação de quem fez a denúncia.
ONYX LORENZONI tentando dar versões diferentes sobre o contrato firmado com a Precisa Medicamentos para a aquisição da vacina Covaxin
Aos brados, em nome do presidente, o secretário-geral da
Presidência, Onyx Lorenzoni, anunciou que
Bolsonaro mandou a Polícia Federal investigar os irmãos Miranda,
especialmente o deputado Luís Cláudio, um conhecido bolsonarista. “Deus está
vendo”, disse Lorenzoni, e acrescentou, menos sutil que Don Corleone: “Mas o
senhor não vai só se entender com Deus, vai se entender com a gente também”.
Como acontece com os cadáveres, a luz do sol acelera a putrefação moral do governo. Mais do que nunca, é preciso desenterrar o que a truculência bolsonarista quer esconder.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas e Informações – Sexta-feira, 25 de junho de 2021 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (acesso em: 25/06/2021).
Comentários
Postar um comentário