JUVENTUDE: Em situação de carência generalizada
PAULO HEBMÜLLER
Prevenção e atendimento primário da população devem ser as prioridades no cuidado com o adolescente – e não a redução da maioridade penal –, afirmam especialistas em encontro no Instituto de Psicologia
Marcha contra a exploração sexual de adolescentes: ação de órgãos públicos tem reduzido violência contra o menor |
Fabiana participou de um debate sobre o histórico e a organização da rede de atendimento às crianças e adolescentes em situação de violência em São Paulo, promovido no Instituto de Psicologia (IP) da USP no dia 29 de abril por um núcleo em formação na unidade (leia o texto ao lado). Ao seu lado, Marcelo Moreira Neumann, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e ativista com muitos anos de experiência no trabalho com crianças e adolescentes, concordou com a avaliação da colega. "A proposta encaminhada ao Congresso pelo governador Geraldo Alckmin me parece absurda", diz.
Neumann apontou alguns marcos na história do atendimento aos jovens a partir da década de 1980, quando a preocupação com a situação das crianças de rua levou à criação do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR). Em 1990, o governo brasileiro promulgou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que regulamentou o artigo 227 da Constituição de 1988. "O ECA é a resposta do Brasil aos organismos internacionais e também se integra ao momento de redemocratização do País, porque os antigos Código Penal e de Menores eram muito atrasados", diz.
Na esteira do estatuto, foram criados organismos e instituições, como os Conselhos Tutelares, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e seus congêneres estaduais e municipais. Para o professor, um dos principais ganhos desses órgãos é romper a ideia de que as políticas públicas devam ser feitas apenas em Brasília, levando a responsabilidade para os níveis locais.
Segregação
A psicóloga Fabiana Pereira detalhou os serviços oferecidos pela rede em São Paulo. Ela ressaltou que o universo da exploração sexual é muito mais amplo do que as modalidades de prostituição que podem ser vistas na rua. Os casos vêm aumentando muito, explica, por conta da carência generalizada em que vivem muitas crianças e adolescentes: essa situação as empurra para o uso de drogas e, para obtê-las, os jovens caem facilmente na exploração.
Ações integradas de vários órgãos têm levado a praticamente zerar o número de casos em regiões onde eles eram numerosos, como a Ceagesp, na zona oeste paulistana. Entretanto, aponta Fabiana, o consumo de drogas no entorno tem crescido, por conta da migração dos usuários "expulsos" da Cracolândia, no Centro. Atividades como o "Bloco na rua", em que baterias mirins de escolas de samba marcham nos dias de carnaval, procuram chamar a atenção da sociedade para a violência da exploração sexual. No último Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1 houve iniciativa semelhante, e a intenção é organizar ações do gênero na Copa do Mundo do ano que vem.
Um dos desafios que a Prefeitura enfrenta é no serviço de acolhimento dos casos de alta complexidade, em que os jovens são abrigados em unidades para no máximo 20 pessoas. Esses abrigos recebem desde usuários de drogas até crianças e adolescentes portadores de deficiências e também aqueles que estão em conflito com a lei e deixam a Fundação Casa. As dificuldades para oferecer pessoal e infraestrutura suficientes para lidar com esses diferentes perfis levam a que algumas vozes defendam a separação dos jovens em conflito com a lei em unidades exclusivas. "É mais fácil segregar. Mas vamos voltar a fazer como o Juqueri?", pergunta a psicóloga, referindo-se ao antigo hospital psiquiátrico de Franco da Rocha.
Para Fabiana, as políticas públicas avançam num ritmo muito mais lento do que as demandas, e o número de casos que chegam à rede é prova disso. Os indicadores não mostram necessariamente que a violência contra os jovens esteja aumentando, mas sim que mais denúncias estão sendo feitas por diferentes canais: Conselhos Tutelares, postos de saúde, serviços telefônicos especiais etc.
Apesar dos avanços, a rede de assistência, avalia Marcelo Neumann, ainda está cheia de "furos". É preciso que as instâncias conversem mais para que não haja sobreposição no atendimento de alguns casos, enquanto outros ficam desassistidos. Para o psicólogo e professor do Mackenzie, o melhor caminho é trabalhar em microssedes, nas quais o contato com as comunidades atendidas é mais direto.
Caso da menina Araceli Cabrera Sanches Crespo que comoveu o país (Vitória [ES] 18 de maio de 1973) |
O Instituto de Psicologia (IP) da USP já possui iniciativas de atendimento e trabalho com crianças e adolescentes vítimas de violência. Alunos da unidade têm oportunidade de se envolver nesse campo em seus estágios, e algumas disciplinas abordam o tema. Entretanto, não há uma articulação central dessas atividades, e é exatamente a sua organização de forma mais consistente o objetivo do Núcleo de Acompanhamento às Crianças e Adolescentes em Situação de Violência do IP.
"Estamos trabalhando na elaboração de uma proposta que deve resultar num serviço", define o professor Pedro Fernando da Silva, um dos membros do grupo. O núcleo está fazendo um levantamento da bibliografia referente ao tema e também convidando representantes de órgãos públicos e outras organizações para falar de sua experiência e fornecer subsídios ao futuro serviço. Participam do grupo funcionários, alunos e docentes, especialmente ligados ao Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade (PSA) do instituto.
Alunos do curso de Psicologia do Mackenzie já têm atuado em Conselhos Tutelares e organizações não governamentais de São Paulo, trabalhando com vários tipos de atendimento. "Temos articulação com diversos fóruns municipais", diz o professor Marcelo Neumann. As atividades são organizadas pelo Centro de Referência de Atenção e Prevenção da Violência (Crevi) da instituição, que também produz material teórico, completando o tripé ensino, pesquisa e extensão que caracteriza a missão da universidade, diz Neumann.
Desde o ano 2000, 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data lembra o assassinato da menina Araceli, em 1973. Neste ano, o dia vai marcar o lançamento do novo Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil, cuja primeira versão completa 13 anos. Os planos estaduais e municipais também terão que passar por reformulação, lembra Fabiana Pereira. "As universidades poderiam se unir às entidades e conselhos nesse processo", sugere a representante da Prefeitura.
Fonte: Jornal da USP - Ano XXVIII - nº 997 - De 6 a 12 de maio de 2013 - Pg. 3 - Internet: http://espaber.uspnet.usp.br/jorusp/?p=29435 (7 de maio de 2013).
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