«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

PAPA FRANCISCO DIALOGA COM UM ATEU ITALIANO [Imperdível!]

Jesus, fé e razão: o diálogo do pontífice com a ovelha perdida.

Eugenio Scalfari
 
Eugenio Scalfari - jornalista e fundador do jornal italiano "La Repubblica"
A carta que o Papa Francisco me enviou é "escandalosamente fascinante", mais uma prova da sua capacidade e desejo de superar as barreiras dialogando com todos em busca da paz, do amor e do testemunho. Dito isso, resumo aqui as perguntas e as reflexões que eu fiz e às quais o papa responde, a fim de que os leitores tenham bem claro o quadro dentro do qual se desenvolve este diálogo.

A opinião é de Eugenio Scalfari, jornalista e fundador do jornal italiano La Repubblica, 11-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Francisco decidiu responder às perguntas que eu lhe havia endereçado em dois artigos, respectivamente publicados no nosso jornal no dia 7 de julho e 7 de agosto passados. Francamente, eu não esperava que ele o fizesse tão difusamente e com espírito tão afetuosamente fraterno. Talvez porque a ovelha perdida mereça mais atenção e cuidado? Digo isso porque, nos artigos acima citados, eu especifiquei ao papa que eu sou um "não crente e não busco a Deus", embora "estou há muitos anos interessado e fascinado pela pregação de Jesus de Nazaré, filho de Maria e José, judeu da estirpe de Davi". E, mais adiante, eu escrevo que "Deus, a meu ver, é uma invenção consolatória da mente dos homens".

Permito-me lembrar esta minha posição de interlocutor, até porque ela torna ainda mais "escandalosamente fascinante" aos nossos olhos a carta que o Papa Francisco me enviou, mais uma prova da sua capacidade e desejo de superar as barreiras dialogando com todos em busca da paz, do amor e do testemunho.

Dito isso, resumo as perguntas e as reflexões que eu fiz e às quais o papa responde, a fim de que os leitores tenham bem claro o quadro dentro do qual se desenvolve este diálogo.

1 – A modernidade iluminista pôs em discussão o tema do "absoluto", começando pela verdade. Existe uma única verdade ou tantas quantas cada indivíduo configura?

2 – Os Evangelhos e a doutrina da Igreja afirmam que o Unigênito de Deus se fez carne, certamente não vestindo uma roupa e imitando os movimentos dos homens e permanecendo Deus, mas sim assumindo também as suas dores, suas alegrias e seus desejos. Isso significa que Jesus teve todas as tentações da carne e as venceu não como Deus, mas como homem que tinha se colocado o fim de levar o amor aos outros no mesmo nível de intensidade do amor por si mesmo. Daí a incitação: ama o teu próximo como a ti mesmo. Até que ponto a pregação de Jesus e da Igreja fundada pelos seus discípulos realizou esse objetivo?

3 – As outras religiões monoteístas, a judaica e o Islã, preveem um só Deus; o mistério da Trindade lhes é totalmente estranho. O cristianismo é, portanto, um monoteísmo bastante particular. Como ele se explica para uma religião que tem como raiz o Deus bíblico, que não tem nenhum Filho Unigênito e nem pode ser nomeado, muito menos mostrado, como Alá?

4 – O Deus encarnado sempre afirmou que o seu reino não era e nunca seria deste mundo. Daí o "dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Esse "limite" teve como consequência lógica que o cristianismo nunca deveria ter a tentação da teocracia, que, ao invés, domina nas terras islâmicas. No entanto, o cristianismo, principalmente na sua versão católica, também sentiu fortemente a tentação do poder terreno; a temporalidade muitas vezes superou a pastoralidade da Igreja. O Papa Francisco representa finalmente a prevalência da Igreja pobre e pastoral sobre a institucional e temporalista?

5 – Deus prometeu a Abraão e ao povo eleito de Israel prosperidade e felicidade, mas essa promessa nunca foi realizada e culminou, depois de muitos séculos de perseguições e discriminações, no horror do Holocausto. O Deus de Abraão, que também é o dos cristãos, portanto, não manteve a sua promessa?

6 – Se uma pessoa não tem fé, nem a busca, mas comete aquilo que para a Igreja é um pecado, será perdoada pelo Deus cristão?

7 – O crente crê na verdade revelada, o não crente crê que não existe nenhum "absoluto", mas sim uma série de verdades relativas e subjetivas. Esse modo de pensar para a Igreja é um erro ou um pecado?

8 – O papa disse durante a sua viagem ao Brasil que a nossa espécie também vai acabar, assim como todas as coisas que têm um início e um fim. Mas quando a nossa espécie desaparecer, o pensamento também desaparecerá, e ninguém mais pensará Deus. Então, nesse ponto, Deus estará morto junto com todos os homens?

Os leitores encontrarão abaixo as respostas do papa contidas na sua carta, pela qual, ainda com grande afeto e respeito, eu lhe agradeço. No nosso jornal dessa quinta-feira, eu formularei algumas reflexões para aprofundar os temas e levar adiante um diálogo que, eu também penso, assim como o papa, é útil e até mesmo precioso para os leitores, crentes em Jesus Cristo, ou em outras religiões, ou em nenhuma, mas animados pelo desejo de conhecimento e pela boa vontade de colaborar com o bem comum.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quinta-feira, 12 de setembro de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/523620-jesus-fe-e-razao-o-dialogo-do-pontifice-com-a-ovelha-perdida-artigo-de-eugenio-scalfari
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O Papa responde a Eugenio Scalfari

Papa Francisco escreve ao La Repubblica:
''Um diálogo aberto com os não crentes''

O pontífice responde às perguntas que lhe tinham sido feitas por Eugenio Scalfari, fundador do jornal La Repubblica, sobre fé e laicidade. "Chegou o tempo de fazer um trecho de estrada juntos". "Deus perdoa quem segue a própria consciência".

Publicamos aqui a íntegra da carta enviada pelo Papa Francisco ao jornal e publicada no dia 11-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
 
Papa Francisco
Eis o texto.

Ilustríssimo Doutor Scalfari, é com viva cordialidade que, embora somente em grandes linhas, gostaria de tentar com esta minha carta responder à sua, que, a partir das páginas do La Repubblica, o senhor quis me endereçar no dia 7 de julho com uma série de reflexões pessoais suas, que depois o senhor enriqueceu nas páginas do mesmo jornal, no dia 7 de agosto.

Agradeço-lhe, acima de tudo, pela atenção com que quis ler a Encíclica Lumen fidei. Ela, de fato, na intenção do meu amado Antecessor, Bento XVI, que a concebeu e em grande medida a redigiu, e do qual, com gratidão, eu a herdei, é dirigida não somente para confirmar na fé em Jesus Cristo aqueles que nela já se reconhecem, mas também para suscitar um diálogo sincero e rigoroso com aqueles que, como o senhor, se definem como "um não crente há muitos anos interessado e fascinado pela pregação de Jesus de Nazaré".

Parece-me, portanto, certamente positivo não só para nós, individualmente, mas também para a sociedade em que vivemos determo-nos para dialogar sobre uma realidade tão importante como a fé, que se refere à pregação e à figura de Jesus. Eu penso que há, em particular, duas circunstâncias que tornam hoje necessário e precioso esse diálogo.

Ele, aliás, constitui, como se sabe, um dos objetivos principais do Concílio Vaticano II, desejado por João XXIII, e do ministério dos Papas que, cada um com a sua sensibilidade e o seu aporte, desde então e até hoje caminharam no sulco traçado pelo Concílio. A primeira circunstância – como se refere nas páginas iniciais da Encíclica – deriva do fato que, ao longo dos séculos da modernidade, assistiu-se a um paradoxo: a fé cristã, cuja novidade e incidência sobre a vida do ser humano, desde o início, foram expressas precisamente através do símbolo da luz, foi muitas vezes rotulada como a escuridão da superstição que se opõe à luz da razão. Assim, entre a Igreja e a cultura de inspiração cristã, de um lado, e a cultura moderna de marca iluminista, de outro, chegou-se à incomunicabilidade. Chegou agora o tempo, e o Vaticano II inaugurou justamente a sua época, de um diálogo aberto e sem preconceitos que reabra as portas para um sério e fecundo encontro.

A segunda circunstância, para quem busca ser fiel ao dom de seguir Jesus na luz da fé, deriva do fato de que esse diálogo não é um acessório secundário da existência do crente: ao invés, é uma expressão íntima e indispensável dela. Permita-me citar-lhe, a propósito, uma afirmação a meu ver muito importante da Encíclica: como a verdade testemunhada pela fé é a do amor – sublinha-se – "resulta claro que a fé não é intransigente, mas cresce na convivência que respeita o outro. O crente não é arrogante; ao contrário, a verdade o torna humilde, sabendo que, mais do que possuirmo-la nós, é ela que nos abraça e nos possui. Longe de nos enrijecer, a segurança da fé nos põe a caminho e torna possível o testemunho e o diálogo com todos" (n. 34). É esse o espírito que anima as palavras que eu lhe escrevo.

A fé, para mim, nasceu do encontro com Jesus. Um encontro pessoal, que tocou o meu coração e deu uma direção e um sentido novo à minha existência. Mas, ao mesmo tempo, um encontro que se tornou possível pela comunidade de fé em que eu vivia e graças à qual eu encontrei o acesso à inteligência da Sagrada Escritura, à vida nova que, como água que jorra, brota de Jesus através dos Sacramentos, à fraternidade com todos e ao serviço dos pobres, imagem verdadeira do Senhor. Sem a Igreja – acredite-me –, eu não teria podido encontrar Jesus, embora na consciência de que aquele imenso dom que é a fé é custodiado nos frágeis vasos de barro da nossa humanidade.

Ora, é precisamente a partir daí, dessa experiência pessoal de fé vivida na Igreja, que eu me sinto confortável para ouvir as suas perguntas e para buscar, junto com o senhor, as estradas ao longo das quais possamos, talvez, começar a fazer um trecho de caminho juntos.

Perdoe-me se eu não seguir passo a passo as argumentações propostas pelo senhor no editorial do dia 7 de julho. Parece-me mais frutífero – ou, ao menos, é mais natural para mim – ir de certo modo ao coração das suas considerações. Não vou entrar nem na modalidade expositiva seguida pela Encíclica, em que o senhor entrevê a falta de uma seção dedicada especificamente à experiência histórica de Jesus de Nazaré.

Observo apenas, para começar, que uma análise desse tipo não é secundária. Trata-se, de fato, seguindo, além disso, a lógica que guia o desdobramento da Encíclica, de deter a atenção sobre o significado do que Jesus disse e fez, e, assim, em última instância, sobre o que Jesus foi e é para nós. As Cartas de Paulo e o Evangelho de João, aos quais se faz referência particular na Encíclica, são construídos, de fato, sobre o sólido fundamento do ministério messiânico de Jesus de Nazaré que chegou ao seu auge resolutivo na páscoa de morte e ressurreição.

Portanto, é preciso se confrontar com Jesus, eu diria, na concretude e na rudeza da sua história, como nos é narrada sobretudo pelo mais antigo dos Evangelhos, o de Marcos. Constata-se então que o "escândalo" que a palavra e a práxis de Jesus provocam em torno dele deriva da sua extraordinária "autoridade": uma palavra, esta, atestada desde o Evangelho de Marcos, mas que não é fácil traduzir bem em italiano. A palavra grega é "exousia", que, literalmente, refere-se ao que "provém do ser" que se é. Não se trata de algo exterior ou forçado, portanto, mas de algo que emana de dentro e que se impõe por si só. Jesus, com efeito, impressiona, surpreende, inova a partir – ele mesmo o diz – da sua relação com Deus, chamado familiarmente de Abbá, que lhe confere essa "autoridade" para que ele a gaste em favor dos homens.

Assim, Jesus prega "como quem tem autoridade", cura, chama os discípulos a segui-lo, perdoa... todas coisas que, no Antigo Testamento, são de Deus, e somente de Deus. A pergunta que mais vezes retorna no Evangelho de Marcos: "Quem é este que...?", e que diz respeito à identidade de Jesus, nasce da constatação de uma autoridade diferente da do mundo, uma autoridade que não tem como fim exercer um poder sobre os outros, mas servi-los, dar-lhes liberdade e plenitude de vida. E isso até o ponto de pôr em jogo a sua própria vida, até experimentar a incompreensão, a traição, a rejeição, até ser condenado à morte, até desabar no estado de abandono sobre a cruz. Mas Jesus permanece fiel a Deus, até o fim.

E é precisamente então – como exclama o centurião romano aos pés da cruz, no Evangelho de Marcos – que Jesus se mostra, paradoxalmente, como o Filho de Deus! Filho de um Deus que é amor e que quer, com todo o seu próprio ser, que o ser humano, cada ser humano, se descubra e viva também ele como seu verdadeiro filho. Isso, para a fé cristã, é certificado pelo fato de que Jesus ressuscitou: não para trazer novamente o triunfo sobre quem o rejeitou, mas para atestar que o amor de Deus é mais forte do que a morte, o perdão de Deus é mais forte do que todo o pecado, e que vale a pena gastar a própria vida, até o fim, para testemunhar esse imenso dom.

A fé cristã crê nisto: que Jesus é o Filho de Deus que veio para dar a sua vida para abrir a todos o caminho do amor. Por isso, o senhor tem razão, ilustre Dr. Scalfari, quando vê na encarnação do Filho de Deus o eixo da fé cristã. Tertuliano já escrevia: "Caro cardo salutis", a carne (de Cristo) é o eixo da salvação. Porque a encarnação, isto é, o fato de que o Filho de Deus veio na nossa carne e compartilhou alegrias e dores, vitórias e derrotas da nossa existência, até o grito da cruz, vivendo todas as coisas no amor e na fidelidade ao Abbá, testemunha o incrível amor que Deus tem por cada ser humano, o valor inestimável que lhe reconhece. Cada um de nós, por isso, é chamado a fazer seu o olhar e a escolha de amor de Jesus, a entrar no seu modo de ser, de pensar e de agir. Essa é a fé, com todas as expressões que são descritas pontualmente na Encíclica.

Ainda no editorial do dia 7 de julho, o senhor me pergunta, além disso, como entender a originalidade da fé cristã, uma vez que ela se articula justamente na encarnação do Filho de Deus com relação a outras fés que gravitam, ao invés, em torno da transcendência absoluta de Deus.

A originalidade, eu diria, está precisamente no fato de que a fé nos faz participar, em Jesus, da relação que Ele tem com Deus que é Abbá e, nessa luz, da relação que Ele tem com todos os outros homens, incluindo os inimigos, no sinal do amor. Em outros termos, a filiação de Jesus, como ela é apresentada pela fé cristã, não é revelada para marcar uma separação intransponível entre Jesus e todos os outros: mas para nos dizer que, n'Ele, todos somos chamados a ser filhos do único Pai e irmãos entre nós. A singularidade de Jesus é pela comunicação, não pela exclusão.

Certamente, segue-se também disso – e não é uma coisa pequena – aquela distinção entre a esfera religiosa e a esfera política que é sancionada no "dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César", afirmada com clareza por Jesus e sobre a qual, laboriosamente, se construiu a história do Ocidente. A Igreja, de fato, é chamada a semear o fermento e o sal do Evangelho, isto é, o amor e a misericórdia de Deus que alcançam todos os homens, apontando para a meta ultraterrena e definitiva do nosso destino, enquanto à sociedade civil e política cabe a tarefa árdua de articular e encarnar na justiça e na solidariedade, no direito e na paz, uma vida cada vez mais humana. Para quem vive a fé cristã, isso não significa fuga do mundo ou busca de qualquer hegemonia, mas sim serviço ao homem, a todo o homem e a todos os homens, a partir das periferias da história e mantendo desperto o senso da esperança que impulsiona a fazer o bem apesar de tudo e olhando sempre além.

O senhor me pergunta também, na conclusão do seu primeiro artigo, o que dizer aos irmãos judeus acerca da promessa feita a eles por Deus: ela foi totalmente esvaziada? Esta é – acredite-me – uma interrogação que nos interpela radicalmente, como cristãos, porque, com a ajuda de Deus, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, redescobrimos que o povo judeu ainda é, para nós, a raiz santa a partir da qual germinou Jesus. Eu também, na amizade que cultivei ao longo de todos esses anos com os irmãos judeus na Argentina, muitas vezes na oração interroguei a Deus, de modo particular quando a mente ia ao encontro das recordações da terrível experiência do Holocausto. Aquilo que eu posso lhe dizer, com o apóstolo Paulo, é que nunca falhou a fidelidade de Deus à aliança feita com Israel e que, através das terríveis provações desses séculos, os judeus conservaram a sua fé em Deus. E por isso, a eles, nós nunca seremos suficientemente gratos, como Igreja, mas também como humanidade. Eles, além disso, justamente perseverando na fé no Deus da aliança, lembram a todos, também a nós, cristãos, o fato de que estamos sempre à espera, como peregrinos, do retorno do Senhor e que, portanto, sempre devemos estar abertos a Ele e nunca nos encastelarmos naquilo que já alcançamos.

Chego, assim, às três perguntas que o senhor me faz no artigo do dia 7 de agosto. Parece-me que, nas duas primeiras, o que está no seu coração é entender a atitude da Igreja para com aqueles que não compartilham a fé em Jesus. Acima de tudo, o senhor me pergunta se o Deus dos cristãos perdoa quem não crê e não busca a fé. Posto que – e é a coisa fundamental – a misericórdia de Deus não tem limites se nos dirigimos a Ele com coração sincero e contrito, a questão para quem não crê em Deus está em obedecer à própria consciência. O pecado, mesmo para quem não tem fé, existe quando se vai contra a consciência. Ouvir e obedecer a ela significa, de fato, decidir-se diante do que é percebido como bem ou como mal. E nessa decisão está em jogo a bondade ou a maldade do nosso agir.

Em segundo lugar, o senhor me pergunta se o pensamento segundo o qual não existe nenhum absoluto e, portanto, nem mesmo uma verdade absoluta, mas apenas uma série de verdades relativas e subjetivas, é um erro ou um pecado. Para começar, eu não falaria, nem mesmo para quem crê, em verdade "absoluta", no sentido de que absoluto é aquilo que é desvinculado, aquilo que é privado de toda relação. Ora, a verdade, segundo a fé cristã, é o amor de Deus por nós em Jesus Cristo. Portanto, a verdade é uma relação! Tanto é verdade que cada um de nós a capta, a verdade, e a expressa a partir de si mesmo: da sua história e cultura, da situação em que vive etc. Isso não significa que a verdade seja variável e subjetiva, longe disso. Mas significa que ela se dá a nós sempre e somente como um caminho e uma vida. Talvez não foi o próprio Jesus que disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida"? Em outras palavras, a verdade, sendo definitivamente uma só com o amor, exige a humildade e a abertura a ser buscada, acolhida e expressada. Portanto, é preciso entendermo-nos bem sobre os termos, e, talvez, para sair dos impasses de uma contraposição... absoluta, refazer profundamente a questão. Penso que isso seja absolutamente necessário hoje para entabular aquele diálogo sereno e construtivo que eu esperava no início deste meu dizer.

Na última pergunta, o senhor me questiona se, com o desaparecimento do ser humano sobre a terra, também desaparecerá o pensamento capaz de pensar Deus. Certamente, a grandeza do ser humano está em poder pensar Deus. Isto é, em poder viver uma relação consciente e responsável com Ele. Mas a relação entre duas realidades. Deus – este é o meu pensamento e esta é a minha experiência, mas quantos, ontem e hoje, os compartilham! – não é uma ideia, embora altíssima, fruto do pensamento do ser humano. Deus é Realidade, com "R" maiúsculo. Jesus no-lo revela – e vive a relação com Ele – como um Pai de bondade e misericórdia infinitas. Deus não depende, portanto, do nosso pensamento. Além disso, mesmo quando viesse a acabar a vida do ser humano sobre a terra – e para a fé cristã, em todo caso, este mundo como nós o conhecemos está destinado a desaparecer –, o ser humano não deixará de existir e, de um modo que não sabemos, assim também o universo criado com ele. A Escritura fala de "novos céus e nova terra" e afirma que, no fim, no onde e no quando que está além de nós, mas para o qual, na fé, tendemos com desejo e expectativa, Deus será "tudo em todos".

Ilustre Dr. Scalfari, concluo assim estas minhas reflexões, suscitadas por aquilo que o senhor quis me comunicar e me perguntar. Acolha-as como a resposta tentativa e provisória, mas sincera e confiante, ao convite que nelas entrevi de fazer um trecho de estrada juntos. A Igreja, acredite-me, apesar de todas as lentidões, as infidelidades, os erros e os pecados que pode ter cometido e ainda pode cometer naqueles que a compõem, não tem outro sentido e fim senão o de viver e testemunhar Jesus: Ele que foi enviado pelo Abbá "para levar aos pobres o alegre anúncio, para proclamar aos presos a libertação e aos cegos a recuperação da vista, para libertar os oprimidos, para proclamar o ano de graça do Senhor" (Lc 4,18-19).

Com proximidade fraterna,


Francisco

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 12 de setembro de 2013. Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/523614-papa-francisco-escreve-ao-la-repubblica-um-dialogo-aberto-com-os-nao-crentes

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