PAPA FRANCISCO DIALOGA COM UM ATEU ITALIANO [Imperdível!]
Jesus, fé e razão: o diálogo do pontífice com a ovelha
perdida.
Eugenio Scalfari
A carta que
o Papa Francisco me enviou é "escandalosamente fascinante", mais uma
prova da sua capacidade e desejo de superar as barreiras dialogando com todos
em busca da paz, do amor e do testemunho. Dito isso, resumo aqui as perguntas e
as reflexões que eu fiz e às quais o papa responde, a fim de que os leitores
tenham bem claro o quadro dentro do qual se desenvolve este diálogo.
A opinião é
de Eugenio Scalfari, jornalista e
fundador do jornal italiano La
Repubblica, 11-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Francisco
decidiu responder às perguntas que eu lhe havia endereçado em dois artigos,
respectivamente publicados no nosso jornal no dia 7 de julho e 7 de agosto
passados. Francamente, eu não esperava que ele o fizesse tão difusamente e com
espírito tão afetuosamente fraterno. Talvez porque a ovelha perdida mereça mais
atenção e cuidado? Digo isso porque, nos artigos acima citados, eu especifiquei
ao papa que eu sou um "não crente e não busco a Deus", embora
"estou há muitos anos interessado e fascinado pela pregação de Jesus de
Nazaré, filho de Maria e José, judeu da estirpe de Davi". E, mais adiante,
eu escrevo que "Deus, a meu ver, é uma invenção consolatória da mente dos
homens".
Permito-me
lembrar esta minha posição de interlocutor, até porque ela torna ainda mais
"escandalosamente fascinante" aos nossos olhos a carta que o Papa
Francisco me enviou, mais uma prova da sua capacidade e desejo de superar as
barreiras dialogando com todos em busca da paz, do amor e do testemunho.
Dito isso,
resumo as perguntas e as reflexões que eu fiz e às quais o papa responde, a fim
de que os leitores tenham bem claro o quadro dentro do qual se desenvolve este
diálogo.
1 – A
modernidade iluminista pôs em discussão o tema do "absoluto",
começando pela verdade. Existe uma única verdade ou tantas quantas cada
indivíduo configura?
2 – Os
Evangelhos e a doutrina da Igreja afirmam que o Unigênito de Deus se fez carne,
certamente não vestindo uma roupa e imitando os movimentos dos homens e
permanecendo Deus, mas sim assumindo também as suas dores, suas alegrias e seus
desejos. Isso significa que Jesus teve todas as tentações da carne e as venceu
não como Deus, mas como homem que tinha se colocado o fim de levar o amor aos
outros no mesmo nível de intensidade do amor por si mesmo. Daí a incitação: ama
o teu próximo como a ti mesmo. Até que ponto a pregação de Jesus e da Igreja
fundada pelos seus discípulos realizou esse objetivo?
3 – As
outras religiões monoteístas, a judaica e o Islã, preveem um só Deus; o
mistério da Trindade lhes é totalmente estranho. O cristianismo é, portanto, um
monoteísmo bastante particular. Como ele se explica para uma religião que tem
como raiz o Deus bíblico, que não tem nenhum Filho Unigênito e nem pode ser
nomeado, muito menos mostrado, como Alá?
4 – O Deus
encarnado sempre afirmou que o seu reino não era e nunca seria deste mundo. Daí
o "dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Esse
"limite" teve como consequência lógica que o cristianismo nunca
deveria ter a tentação da teocracia, que, ao invés, domina nas terras
islâmicas. No entanto, o cristianismo, principalmente na sua versão católica,
também sentiu fortemente a tentação do poder terreno; a temporalidade muitas
vezes superou a pastoralidade da Igreja. O Papa Francisco representa finalmente
a prevalência da Igreja pobre e pastoral sobre a institucional e temporalista?
5 – Deus
prometeu a Abraão e ao povo eleito de Israel prosperidade e felicidade, mas
essa promessa nunca foi realizada e culminou, depois de muitos séculos de
perseguições e discriminações, no horror do Holocausto. O Deus de Abraão, que
também é o dos cristãos, portanto, não manteve a sua promessa?
6 – Se uma
pessoa não tem fé, nem a busca, mas comete aquilo que para a Igreja é um
pecado, será perdoada pelo Deus cristão?
7 – O crente
crê na verdade revelada, o não crente crê que não existe nenhum
"absoluto", mas sim uma série de verdades relativas e subjetivas.
Esse modo de pensar para a Igreja é um erro ou um pecado?
8 – O papa
disse durante a sua viagem ao Brasil que a nossa espécie também vai acabar,
assim como todas as coisas que têm um início e um fim. Mas quando a nossa
espécie desaparecer, o pensamento também desaparecerá, e ninguém mais pensará
Deus. Então, nesse ponto, Deus estará morto junto com todos os homens?
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quinta-feira, 12 de setembro de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/523620-jesus-fe-e-razao-o-dialogo-do-pontifice-com-a-ovelha-perdida-artigo-de-eugenio-scalfari
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O Papa responde a Eugenio Scalfari
Papa Francisco escreve ao La Repubblica:
''Um diálogo aberto com os não crentes''
O pontífice
responde às perguntas que lhe tinham sido feitas por Eugenio Scalfari, fundador do jornal La Repubblica, sobre fé e laicidade. "Chegou o tempo de fazer
um trecho de estrada juntos". "Deus perdoa quem segue a própria
consciência".
Publicamos
aqui a íntegra da carta enviada pelo Papa Francisco ao jornal e publicada no
dia 11-09-2013. A tradução é de Moisés
Sbardelotto.
Eis o texto.
Ilustríssimo
Doutor Scalfari, é com viva cordialidade que, embora somente em grandes linhas,
gostaria de tentar com esta minha carta responder à sua, que, a partir das
páginas do La Repubblica, o senhor
quis me endereçar no dia 7 de julho com uma série de reflexões pessoais suas,
que depois o senhor enriqueceu nas páginas do mesmo jornal, no dia 7 de agosto.
Agradeço-lhe,
acima de tudo, pela atenção com que quis ler a Encíclica Lumen fidei. Ela, de fato, na intenção do meu amado Antecessor,
Bento XVI, que a concebeu e em grande medida a redigiu, e do qual, com
gratidão, eu a herdei, é dirigida não somente para confirmar na fé em Jesus
Cristo aqueles que nela já se reconhecem, mas também para suscitar um diálogo
sincero e rigoroso com aqueles que, como o senhor, se definem como "um não
crente há muitos anos interessado e fascinado pela pregação de Jesus de
Nazaré".
Parece-me,
portanto, certamente positivo não só para nós, individualmente, mas também para
a sociedade em que vivemos determo-nos para dialogar sobre uma realidade tão
importante como a fé, que se refere à pregação e à figura de Jesus. Eu penso
que há, em particular, duas circunstâncias que tornam hoje necessário e
precioso esse diálogo.
Ele, aliás,
constitui, como se sabe, um dos objetivos principais do Concílio Vaticano II,
desejado por João XXIII, e do ministério dos Papas que, cada um com a sua
sensibilidade e o seu aporte, desde então e até hoje caminharam no sulco
traçado pelo Concílio. A primeira circunstância – como se refere nas páginas
iniciais da Encíclica – deriva do fato que, ao longo dos séculos da
modernidade, assistiu-se a um paradoxo: a fé cristã, cuja novidade e incidência
sobre a vida do ser humano, desde o início, foram expressas precisamente
através do símbolo da luz, foi muitas vezes rotulada como a escuridão da
superstição que se opõe à luz da razão. Assim, entre a Igreja e a cultura de
inspiração cristã, de um lado, e a cultura moderna de marca iluminista, de
outro, chegou-se à incomunicabilidade. Chegou agora o tempo, e o Vaticano II
inaugurou justamente a sua época, de um diálogo aberto e sem preconceitos que
reabra as portas para um sério e fecundo encontro.
A segunda
circunstância, para quem busca ser fiel ao dom de seguir Jesus na luz da fé,
deriva do fato de que esse diálogo não é um acessório secundário da existência
do crente: ao invés, é uma expressão íntima e indispensável dela. Permita-me
citar-lhe, a propósito, uma afirmação a meu ver muito importante da Encíclica:
como a verdade testemunhada pela fé é a do amor – sublinha-se – "resulta
claro que a fé não é intransigente, mas cresce na convivência que respeita o
outro. O crente não é arrogante; ao contrário, a verdade o torna humilde,
sabendo que, mais do que possuirmo-la nós, é ela que nos abraça e nos possui.
Longe de nos enrijecer, a segurança da fé nos põe a caminho e torna possível o
testemunho e o diálogo com todos" (n. 34). É esse o espírito que anima as
palavras que eu lhe escrevo.
A fé, para
mim, nasceu do encontro com Jesus. Um encontro pessoal, que tocou o meu coração
e deu uma direção e um sentido novo à minha existência. Mas, ao mesmo tempo, um
encontro que se tornou possível pela comunidade de fé em que eu vivia e graças
à qual eu encontrei o acesso à inteligência da Sagrada Escritura, à vida nova
que, como água que jorra, brota de Jesus através dos Sacramentos, à
fraternidade com todos e ao serviço dos pobres, imagem verdadeira do Senhor.
Sem a Igreja – acredite-me –, eu não teria podido encontrar Jesus, embora na
consciência de que aquele imenso dom que é a fé é custodiado nos frágeis vasos
de barro da nossa humanidade.
Ora, é
precisamente a partir daí, dessa experiência pessoal de fé vivida na Igreja,
que eu me sinto confortável para ouvir as suas perguntas e para buscar, junto
com o senhor, as estradas ao longo das quais possamos, talvez, começar a fazer
um trecho de caminho juntos.
Perdoe-me se
eu não seguir passo a passo as argumentações propostas pelo senhor no editorial
do dia 7 de julho. Parece-me mais frutífero – ou, ao menos, é mais natural para
mim – ir de certo modo ao coração das suas considerações. Não vou entrar nem na
modalidade expositiva seguida pela Encíclica, em que o senhor entrevê a falta
de uma seção dedicada especificamente à experiência histórica de Jesus de
Nazaré.
Observo
apenas, para começar, que uma análise desse tipo não é secundária. Trata-se, de
fato, seguindo, além disso, a lógica que guia o desdobramento da Encíclica, de
deter a atenção sobre o significado do que Jesus disse e fez, e, assim, em
última instância, sobre o que Jesus foi e é para nós. As Cartas de Paulo e o
Evangelho de João, aos quais se faz referência particular na Encíclica, são
construídos, de fato, sobre o sólido fundamento do ministério messiânico de
Jesus de Nazaré que chegou ao seu auge resolutivo na páscoa de morte e
ressurreição.
Portanto, é
preciso se confrontar com Jesus, eu diria, na concretude e na rudeza da sua
história, como nos é narrada sobretudo pelo mais antigo dos Evangelhos, o de Marcos.
Constata-se então que o "escândalo" que a palavra e a práxis de Jesus
provocam em torno dele deriva da sua extraordinária "autoridade": uma
palavra, esta, atestada desde o Evangelho de Marcos, mas que não é fácil
traduzir bem em italiano. A palavra grega é "exousia", que,
literalmente, refere-se ao que "provém do ser" que se é. Não se trata
de algo exterior ou forçado, portanto, mas de algo que emana de dentro e que se
impõe por si só. Jesus, com efeito, impressiona, surpreende, inova a partir –
ele mesmo o diz – da sua relação com Deus, chamado familiarmente de Abbá, que
lhe confere essa "autoridade" para que ele a gaste em favor dos
homens.
Assim, Jesus
prega "como quem tem autoridade", cura, chama os discípulos a
segui-lo, perdoa... todas coisas que, no Antigo Testamento, são de Deus, e
somente de Deus. A pergunta que mais vezes retorna no Evangelho de Marcos:
"Quem é este que...?", e que diz respeito à identidade de Jesus,
nasce da constatação de uma autoridade diferente da do mundo, uma autoridade
que não tem como fim exercer um poder sobre os outros, mas servi-los, dar-lhes
liberdade e plenitude de vida. E isso até o ponto de pôr em jogo a sua própria
vida, até experimentar a incompreensão, a traição, a rejeição, até ser
condenado à morte, até desabar no estado de abandono sobre a cruz. Mas Jesus
permanece fiel a Deus, até o fim.
E é
precisamente então – como exclama o centurião romano aos pés da cruz, no
Evangelho de Marcos – que Jesus se mostra, paradoxalmente, como o Filho de
Deus! Filho de um Deus que é amor e que quer, com todo o seu próprio ser, que o
ser humano, cada ser humano, se descubra e viva também ele como seu verdadeiro
filho. Isso, para a fé cristã, é certificado pelo fato de que Jesus
ressuscitou: não para trazer novamente o triunfo sobre quem o rejeitou, mas
para atestar que o amor de Deus é mais forte do que a morte, o perdão de Deus é
mais forte do que todo o pecado, e que vale a pena gastar a própria vida, até o
fim, para testemunhar esse imenso dom.
A fé cristã
crê nisto: que Jesus é o Filho de Deus que veio para dar a sua vida para abrir
a todos o caminho do amor. Por isso, o senhor tem razão, ilustre Dr. Scalfari,
quando vê na encarnação do Filho de Deus o eixo da fé cristã. Tertuliano já
escrevia: "Caro cardo salutis", a carne (de Cristo) é o eixo da
salvação. Porque a encarnação, isto é, o fato de que o Filho de Deus veio na
nossa carne e compartilhou alegrias e dores, vitórias e derrotas da nossa
existência, até o grito da cruz, vivendo todas as coisas no amor e na fidelidade
ao Abbá, testemunha o incrível amor que Deus tem por cada ser humano, o valor
inestimável que lhe reconhece. Cada um de nós, por isso, é chamado a fazer seu
o olhar e a escolha de amor de Jesus, a entrar no seu modo de ser, de pensar e
de agir. Essa é a fé, com todas as expressões que são descritas pontualmente na
Encíclica.
Ainda no
editorial do dia 7 de julho, o senhor me pergunta, além disso, como entender a
originalidade da fé cristã, uma vez que ela se articula justamente na
encarnação do Filho de Deus com relação a outras fés que gravitam, ao invés, em
torno da transcendência absoluta de Deus.
A
originalidade, eu diria, está precisamente no fato de que a fé nos faz
participar, em Jesus, da relação que Ele tem com Deus que é Abbá e, nessa luz,
da relação que Ele tem com todos os outros homens, incluindo os inimigos, no
sinal do amor. Em outros termos, a filiação de Jesus, como ela é apresentada
pela fé cristã, não é revelada para marcar uma separação intransponível entre
Jesus e todos os outros: mas para nos dizer que, n'Ele, todos somos chamados a
ser filhos do único Pai e irmãos entre nós. A singularidade de Jesus é pela
comunicação, não pela exclusão.
Certamente,
segue-se também disso – e não é uma coisa pequena – aquela distinção entre a
esfera religiosa e a esfera política que é sancionada no "dar a Deus o que
é de Deus e a César o que é de César", afirmada com clareza por Jesus e
sobre a qual, laboriosamente, se construiu a história do Ocidente. A Igreja, de
fato, é chamada a semear o fermento e o sal do Evangelho, isto é, o amor e a
misericórdia de Deus que alcançam todos os homens, apontando para a meta
ultraterrena e definitiva do nosso destino, enquanto à sociedade civil e
política cabe a tarefa árdua de articular e encarnar na justiça e na
solidariedade, no direito e na paz, uma vida cada vez mais humana. Para quem
vive a fé cristã, isso não significa fuga do mundo ou busca de qualquer
hegemonia, mas sim serviço ao homem, a todo o homem e a todos os homens, a
partir das periferias da história e mantendo desperto o senso da esperança que
impulsiona a fazer o bem apesar de tudo e olhando sempre além.
O senhor me
pergunta também, na conclusão do seu primeiro artigo, o que dizer aos irmãos
judeus acerca da promessa feita a eles por Deus: ela foi totalmente esvaziada?
Esta é – acredite-me – uma interrogação que nos interpela radicalmente, como
cristãos, porque, com a ajuda de Deus, sobretudo a partir do Concílio Vaticano
II, redescobrimos que o povo judeu ainda é, para nós, a raiz santa a partir da
qual germinou Jesus. Eu também, na amizade que cultivei ao longo de todos esses
anos com os irmãos judeus na Argentina, muitas vezes na oração interroguei a
Deus, de modo particular quando a mente ia ao encontro das recordações da
terrível experiência do Holocausto. Aquilo que eu posso lhe dizer, com o
apóstolo Paulo, é que nunca falhou a fidelidade de Deus à aliança feita com
Israel e que, através das terríveis provações desses séculos, os judeus
conservaram a sua fé em Deus. E por isso, a eles, nós nunca seremos
suficientemente gratos, como Igreja, mas também como humanidade. Eles, além
disso, justamente perseverando na fé no Deus da aliança, lembram a todos,
também a nós, cristãos, o fato de que estamos sempre à espera, como peregrinos,
do retorno do Senhor e que, portanto, sempre devemos estar abertos a Ele e
nunca nos encastelarmos naquilo que já alcançamos.
Chego,
assim, às três perguntas que o senhor me faz no artigo do dia 7 de agosto.
Parece-me que, nas duas primeiras, o que está no seu coração é entender a
atitude da Igreja para com aqueles que não compartilham a fé em Jesus. Acima de
tudo, o senhor me pergunta se o Deus dos cristãos perdoa quem não crê e não
busca a fé. Posto que – e é a coisa fundamental – a misericórdia de Deus não
tem limites se nos dirigimos a Ele com coração sincero e contrito, a questão
para quem não crê em Deus está em obedecer à própria consciência. O pecado,
mesmo para quem não tem fé, existe quando se vai contra a consciência. Ouvir e
obedecer a ela significa, de fato, decidir-se diante do que é percebido como
bem ou como mal. E nessa decisão está em jogo a bondade ou a maldade do nosso
agir.
Em segundo
lugar, o senhor me pergunta se o pensamento segundo o qual não existe nenhum
absoluto e, portanto, nem mesmo uma verdade absoluta, mas apenas uma série de
verdades relativas e subjetivas, é um erro ou um pecado. Para começar, eu não
falaria, nem mesmo para quem crê, em verdade "absoluta", no sentido
de que absoluto é aquilo que é desvinculado, aquilo que é privado de toda
relação. Ora, a verdade, segundo a fé cristã, é o amor de Deus por nós em Jesus
Cristo. Portanto, a verdade é uma relação! Tanto é verdade que cada um de nós a
capta, a verdade, e a expressa a partir de si mesmo: da sua história e cultura,
da situação em que vive etc. Isso não significa que a verdade seja variável e
subjetiva, longe disso. Mas significa que ela se dá a nós sempre e somente como
um caminho e uma vida. Talvez não foi o próprio Jesus que disse: "Eu sou o
caminho, a verdade e a vida"? Em outras palavras, a verdade, sendo
definitivamente uma só com o amor, exige a humildade e a abertura a ser
buscada, acolhida e expressada. Portanto, é preciso entendermo-nos bem sobre os
termos, e, talvez, para sair dos impasses de uma contraposição... absoluta,
refazer profundamente a questão. Penso que isso seja absolutamente necessário
hoje para entabular aquele diálogo sereno e construtivo que eu esperava no
início deste meu dizer.
Na última
pergunta, o senhor me questiona se, com o desaparecimento do ser humano sobre a
terra, também desaparecerá o pensamento capaz de pensar Deus. Certamente, a
grandeza do ser humano está em poder pensar Deus. Isto é, em poder viver uma
relação consciente e responsável com Ele. Mas a relação entre duas realidades.
Deus – este é o meu pensamento e esta é a minha experiência, mas quantos, ontem
e hoje, os compartilham! – não é uma ideia, embora altíssima, fruto do
pensamento do ser humano. Deus é Realidade, com "R" maiúsculo. Jesus
no-lo revela – e vive a relação com Ele – como um Pai de bondade e misericórdia
infinitas. Deus não depende, portanto, do nosso pensamento. Além disso, mesmo
quando viesse a acabar a vida do ser humano sobre a terra – e para a fé cristã,
em todo caso, este mundo como nós o conhecemos está destinado a desaparecer –,
o ser humano não deixará de existir e, de um modo que não sabemos, assim também
o universo criado com ele. A Escritura fala de "novos céus e nova
terra" e afirma que, no fim, no onde e no quando que está além de nós, mas
para o qual, na fé, tendemos com desejo e expectativa, Deus será "tudo em
todos".
Ilustre Dr.
Scalfari, concluo assim estas minhas reflexões, suscitadas por aquilo que o
senhor quis me comunicar e me perguntar. Acolha-as como a resposta tentativa e
provisória, mas sincera e confiante, ao convite que nelas entrevi de fazer um
trecho de estrada juntos. A Igreja, acredite-me, apesar de todas as lentidões,
as infidelidades, os erros e os pecados que pode ter cometido e ainda pode
cometer naqueles que a compõem, não tem outro sentido e fim senão o de viver e
testemunhar Jesus: Ele que foi enviado pelo Abbá "para levar aos pobres o
alegre anúncio, para proclamar aos presos a libertação e aos cegos a
recuperação da vista, para libertar os oprimidos, para proclamar o ano de graça
do Senhor" (Lc 4,18-19).
Com
proximidade fraterna,
Francisco
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 12 de setembro de 2013.
Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/523614-papa-francisco-escreve-ao-la-repubblica-um-dialogo-aberto-com-os-nao-crentes
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