“Como reduzir o sofrimento humano?”

Entrevista com Adolfo Nicolás
Superior geral da Companhia de Jesus (Jesuítas)

Serviço de Imprensa da Companhia de Jesus

"Todos sabemos que a grande preocupação dos sábios e fundadores religiosos de todas as tradições e culturas era “como reduzir o sofrimento humano?. É muito preocupante que, em nome da justiça, panejemos um ataque que vai aumentar o sofrimento das vítimas"

Pe. Adolfo Nicolás - Superior dos Jesuítas
Eis a entrevista.

O Santo Padre quebrou protocolo normal para falar em prol da Paz na Síria. Que o senhor pensa a respeito?

Nicolás: Não tenho costume de comentar sobre situações internacionais ou de caráter político. Mas, neste caso, estamos diante de uma situação humanitária que supera os limites normais que apoiariam o silêncio. E preciso confessar que não entendo quem autorizou aos Estados Unidos ou à França a agir contra um país desta forma. Isso, sem dúvida, aumentará o sofrimento de uma população já tão sofrida. A violência, ou ações violentas, como a que se apresenta, apenas são justificáveis como último recurso e de tal forma que somente os culpáveis sofram as consequências. No caso de um país, entretanto, isso se torna totalmente impossível e, portanto, parece-me totalmente inaceitável. Nós, Jesuítas, apoiamos, totalmente, a ação do Santo Padre, e desejamos, do fundo do nosso coração, que a mencionada ação punitiva não aconteça.

Mas, o mundo não tem a responsabilidade de fazer algo contra os que abusam do poder contra seu próprio povo, como no caso de um Governo que usa armas químicas em um conflito?

 Nicolás: Há três pontos nesta pergunta que convêm que distingamos claramente. O primeiro tem a ver com o fato de que todo abuso de poder tem de ser condenado e rejeitado. E, com todo respeito ao povo norte-americano, acho que este concreto uso de poder que se está preparando constitui, em si mesmo, um abuso de poder. Os Estados Unidos de América têm que deixar de agir e reagir como o “garoto grande” do bairro do mundo. Isso leva, inevitavelmente, ao abuso, ao atropelo e ao “mata mata” sobre os membros mais frágeis da Comunidade.

O segundo é: se houve uso de armas químicas, ainda temos a obrigação de mostrar ao mundo, de uma forma clara, que um lado do conflito, e não o outro, as usou. Não basta que algum membro do governo do país que quer atacar diga que está convencido. Há que demonstrar ao mundo que isso é assim, sem dúvida nenhuma, para que o mundo possa confiar neste país. Essa confiança não se tem atualmente, e já começaram as especulações sobre os ulteriores motivos que possam ter os Estados Unidos na sua projetada intervenção.

E o terceiro é que os meios considerados adequados para punir o abuso não prejudiquem as mesmas vítimas do primeiro abuso, uma vez que se demonstrou que isso foi o que aconteceu. A experiência do passado nos diz que isso é impossível (embora se denomine as vítimas com o eufemismo de “dano colateral”), e os resultados são o aumento do sofrimento dos cidadãos comuns, inocentes e alheios ao conflito. Todos sabemos que a grande preocupação dos sábios e fundadores religiosos de todas as tradições e culturas era “como reduzir o sofrimento humano?”. É muito preocupante que, em nome da justiça, planejemos um ataque que vai aumentar o sofrimento das vítimas.

O senhor não está sendo muito duro com os Estados Unidos?

 Nicolás: Acho que não. Nunca tive preconceitos contra esse País e agora mesmo trabalho com alguns Jesuítas de lá, cuja opinião e cujos serviços valorizo muito. Nunca tive sentimentos negativos sobre os EUA, um país que admiro enormemente por muitas razões, incluindo sua dedicação, espiritualidade e pensamento. O que mais me preocupa é que precisamente este país, que eu admiro sinceramente, está à beira de cometer um grande erro. E poderia dizer algo semelhante sobre a França: um país que tem sido um verdadeiro líder em espírito, inteligência, e que contribuiu de grande forma para a civilização e a cultura, está agora tentada a conduzir a humanidade para trás, para a barbárie, em aberta contradição com tudo o que simbolizou ao longo de muitas gerações. Que estes dois países se unam agora em uma medida tão horrenda é parte da ira de tantos países no mundo. Não temos medo do ataque; aterroriza-nos a barbárie a que somos conduzidos.

E por que falar assim agora?

 Nicolás: Porque o problema é agora. Porque o Santo Padre está tomando medidas extraordinárias para fazer-nos conscientes da urgência do momento. O fato de ter declarado o dia 7 de setembro com dia de jejum pela paz na Síria é uma medida extraordinária, e queremos nos unir a ela. Podemos lembrar o momento que, no Evangelho, os discípulos não puderam libertar um jovem do mal espírito e Jesus lhes disse: “Este tipo de espírito só pode ser expulso com oração e jejum”. Para mim, é muito difícil aceitar que um país que se considera (ao menos nominalmente) cristão não possa conceber mais que a ação militar em uma situação de conflito e com isso possa levar o mundo, novamente, para a lei da selva.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sábado, 07 de setembro de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/523472-contra-a-guerra-padre-nicolas

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A necessidade de dessacerdotalizar a Igreja Católica

Vocações na Igreja hoje

Eleva-se uma voz profética