«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

É bom ser vira-lata!

Economista subverte Nelson Rodrigues e defende
o estigma de vira-lata

Antonio Gonçalves Filho

Em “O Elogio do Vira-Lata”, Eduardo Giannetti reúne ensaios que
vão de Mozart à política brasileira
EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
Economista e escritor mineiro

Vira-lata, sim, para seu governo. É um refrão alternativo do samba Cachorro Vira-Lata, que Carmen Miranda tornou popular em 1937 (“Eu gosto muito de cachorro vagabundo que anda sozinho no mundo sem coleira e sem patrão”), mas bem poderia ser um manifesto. No lugar do “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda, o vira-lata define melhor o que é ser brasileiro, mestiço, sem pedigree. Também por isso o economista e pensador mineiro Eduardo Giannetti resolveu abrir seu novo livro, O Elogio do Vira-Lata e Outros Ensaios, justamente com esse “manifesto” em louvor do tipo, acabando definitivamente com o “complexo de vira-lata” denunciado há exatamente 60 anos pelo dramaturgo Nelson Rodrigues. Subvertendo Rodrigues, Giannetti diz, ao contrário, que bom mesmo é ser vira-lata. E explica as razões.

Em entrevista concedida ao Aliás, o economista reforça a conclusão do ensaio inaugural de seu livro: o vira-lata celebra a amizade, o convívio e está sempre pronto para a fruição do momento, rejeitando o culto da pureza racial. Nossa condição de vira-lata, defende Giannetti, “é uma realidade genética atestada”. Somos, justifica o economista, afro-euro-ameríndio descendentes, uma mistura total. O vira-lata do “complexo” batizado por Nelson Rodrigues, porém, sente que isso o transforma em ser inferior.

Há inúmeros exemplos históricos e literários disso, como a negra Angélica do conto Miss Edith e Seu Tio, de Lima Barreto, que Giannetti usa para comentar um perturbador caso de vocação subalterna. Angélica, a faz-tudo de uma pensão carioca do Flamengo, fica radiante com a perspectiva de servir a um casal de estrangeiros caucasianos, até descobrir que “eles (os ingleses) são como nós”. Ou pior. O sentimento de inferioridade do brasileiro em relação ao resto do mundo – especialmente as nações ricas – “é uma realidade incontornável da vida brasileira”.

O vira-lata, conclui Giannetti, “se vê como ele é visto ou imagina ser visto: mal-ajambrado e pé rapado”. E, acima de tudo, não se define pela profissão, como nos países de formação calvinista. Ao suor bíblico, observa o economista, o vira-lata prefere o suor dionisíaco, sem esquecer os milhões de desempregados que vagam pelo país e são jogados involuntariamente para o mercado informal. “Ainda vivemos no Antigo Regime, em que os governantes imaginam que o povo exista apenas para servi-los”. A operação Lava Jato, justifica Giannetti, tornou explícito o patronato político que usa o poder para se perpetuar nele, apertando o pescoço do contribuinte com uma carga tributária insuportável (hoje em torno de 34% do PIB, 10% a mais que a registrada há 30 anos). Esse, aliás, é o tema do terceiro ensaio do livro, que fala da desigualdade social no Brasil.

Mais adiante, na última parte, o leitor vai descobrir a origem de seu interesse pela filosofia social do economista inglês Alfred Marshall (1842-1924), que desistiu de ser ministro anglicano para formular uma política microeconômica cujo enfoque é justamente o capital humano. “O Estado é corporativista, anacrônico, ninguém representa os brasileiros que estão em situação irregular”, analisa Giannetti, defendendo a crença marshalliana no capital humano – a iniciativa, a invenção – como um fator de produção de riqueza.

“As pessoas não aceitam mais a legitimidade da tributação governamental quando nossos indicadores de educação e saúde são desprezíveis e metade da população não tem coleta de esgoto”, diz, citando o slogan que deflagrou a Revolução Americana no século 18: “Nenhuma taxação sem representação”. Evoque-se que esse slogan nasceu do sermão de um pastor em 1750, não da boca de um político.

Giannetti, que usa a palavra transcendental inúmeras vezes nos 25 textos de seu livro (publicados entre 1989 e este ano), fala sobre suas outras crenças, especialmente na segunda das três partes do livro:
1ª parte do livro: dedicada a problemas brasileiros,
2ª parte: sendo uma coletânea de dispersos literomusicais e a
3ª parte: terceira, um painel da filosofia econômica do professor, conselheiro da candidata à presidência Marina Silva.

No campo musical, sua preferência converge para o período barroco, mais particularmente para compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750). “A vida oprime, o som liberta”, escreve, revelando que ouvir a Partita II de Bach, constitui para ele, “a experiência religiosa por excelência”. Giannetti tinha 16 anos quando a ouviu pela primeira vez, graças a um amigo de escola. Sem conhecer teoria ou ler uma partitura, o economista desenvolveu um gosto musical bem acima da média, falando com desembaraço sobre os concertos para piano de Mozart e as obras litúrgicas de Bach. “Mozart não tem a elevação espiritual de Bach, mas gosto muito do classicismo austríaco do século 18 (ele é um profundo estudioso do Iluminismo), sentindo na obra de Mozart a crença numa ordem cósmica que nos transcende.”
AGOSTINHO DA SILVA (1906-1994)
Poeta e ensaísta português

Ainda na segunda parte de O Elogio do Vira-Lata, Giannetti trata de um tema cultural de suma importância: a filosofia do poeta e ensaísta português Agostinho da Silva (1906-1994), autor de uma biografia de referência sobre Pasteur e dois livros sobre Fernando Pessoa. Giannetti escreveu uma introdução à edição brasileira das obras do filósofo lusitano, reproduzida em seu livro. Nele, o economista destaca o ativismo de Agostinho da Silva, incapaz de contemplar o mundo sem ter a vontade de interferir nele. Tanto é verdade que, durante os anos que morou no Brasil (de 1947 a 1969), ele ajudou a fundar a Universidade Federal de Santa Catarina, além de participar da criação da Universidade de Brasília.

Agostinho era um grande crítico do laicismo da sociedade contemporânea. Mas o “tom por vezes messiânico” de sua mensagem, alerta Giannetti, não obscurece a “justeza de seu argumento”. A transformação proposta pelo filósofo português não passa por uma revolução política, mas espiritual. Em épocas de crise como a atual, a leitura de Agostinho é recomendada com entusiasmo pelo autor brasileiro, que ficou estarrecido com as faixas pedindo intervenção militar durante a recente greve dos caminhoneiros. Comparando a paralisação de 2018 às manifestações de 2013, ele diz que o governo “agiu de forma atabalhoada em ambos os casos”, lembrando que, cinco anos atrás, o secretário de Dilma Roussef, Gilberto Carvalho, chegou a declarar que “o povo estava sendo ingrato” com o governo, como se a população devesse assumir o papel de vassalo do Estado. Não é esse, definitivamente, o Brasil que Giannetti quer.

L I V R O

Título: O ELOGIO DO VIRA-LATA E OUTROS ENSAIOS
Autor: Eduardo Giannetti
Editora: Companhia das Letras (São Paulo)
Preço: R$ 64,90
Páginas: 348

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS/Cultura – Domingo, 10 de junho de 2018 – Pág. E3 – Internet: clique aqui.

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