«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Pode-se viver no caos?

“Aprender a viver no caos pode não ser tão nocivo”

Manuel Castells
Sociólogo e referência em teoria da comunicação,
é professor emérito da Universidade da Califórnia em Berkeley

O texto abaixo integra “Ruptura”, novo livro do sociólogo espanhol
que a Zahar lança neste mês. Nele, o autor sustenta que a
antiga ordem político-institucional foi superada e afirma que
aprender a viver no caos talvez não seja tão nocivo

No lo que pudo ser:                                                                                             Não o que pude ser:
es lo que fue.                                                                                                                           é o que fui.
Y lo que fue está muerto.                                                                               E o que fui está morto.
  Octavio Paz, “Lección de Cosas”, 1955
MANUEL CASTELLS
Sociólogo espanhol

Em tempos de incertezas costuma-se citar Gramsci quando não se sabe o que dizer. Em particular, sua célebre assertiva de que a velha ordem já não existe e a nova ainda está para nascer. O que pressupõe a necessidade de uma nova ordem depois da crise.

Mas não se contempla a hipótese do caos. Aposta-se no surgimento dessa nova ordem de uma nova política que substitua a obsoleta democracia liberal que, manifestamente, está caindo aos pedaços em todo o mundo, porque deixa de existir no único lugar em que pode perdurar: a mente dos cidadãos.

A crise dessa velha ordem política está adotando múltiplas formas:
* A subversão das instituições democráticas por caudilhos narcisistas que se apossam das molas do poder a partir da repugnância das pessoas com a podridão institucional e a injustiça social;
* a manipulação midiática das esperanças frustradas por encantadores de serpentes;
* a renovação aparente e transitória da representação política através da cooptação dos projetos de mudança;
* a consolidação de máfias no poder e de teocracias fundamentalistas, aproveitando as estratégias geopolíticas dos poderes mundiais;
* a pura e simples volta à brutalidade irrestrita do Estado em boa parte do mundo, da Rússia à China, da África neocolonial aos neofascismos do Leste Europeu e às marés ditatoriais na América Latina.

E, enfim, o entrincheiramento no cinismo político, disfarçado de possibilismo realista, dos restos da política partidária como forma de representação. Uma lenta agonia daquilo que foi essa ordem política.

De fato, a ruptura da relação institucional entre governantes e governados cria uma situação caótica que é particularmente problemática no contexto da evolução mais ampla de nossa existência como espécie no planeta azul. Isso no momento em que se questiona a habitabilidade deste planeta a partir da própria ação dos humanos e de nossa incapacidade de aplicar as medidas corretoras, de cuja necessidade estamos conscientes.

E no momento em que nosso extraordinário desenvolvimento tecnológico entra em contradição com nosso subdesenvolvimento político e ético, pondo nossas vidas nas mãos de nossas máquinas.
 
E em que as condições ecológicas nas megalópoles, que concentram uma proporção crescente da população mundial, podem provocar, e de fato provocam, pandemias de todo tipo, que se transformam em mercado para as multinacionais farmacêuticas, esse malévolo poder que raptou e deformou a ciência da vida para seu exclusivo benefício.

Um planeta no qual a ameaça de um holocausto nuclear continua vigente pela loucura de endeusados governantes sem controle psiquiátrico. E no qual a capacidade tecnológica das novas formas de guerra, incluída a ciberguerra, prepara conflitos possivelmente mais atrozes do que os vividos no século 20. Sem que as instituições internacionais, dependentes dos Estados, e portanto da pequenez de objetivos, da corrupção e da falta de escrúpulos daqueles que os governam, sejam capazes de pôr em prática estratégias de sobrevivência para o bem comum.

A ruptura da mistificação ideológica de uma pseudorrepresentatividade institucional tem a vantagem da clareza da
consciência a respeito de que mundo vivemos.

Mas nos precipita na escuridão da incapacidade de decidir e atuar porque não temos instrumentos confiáveis para isso, particularmente no âmbito global em que pairam as ameaças sobre a vida.

A experiência histórica mostra que do fundo da opressão e do desespero surgem, sempre, movimentos sociais de diferentes formas que mudam as mentes e, através delas, as instituições. Como aconteceu com o movimento feminista, com a consciência ecológica, com os direitos humanos.

Mas também sabemos que, até agora, as mudanças profundas demandaram uma substituição institucional a partir da transformação das mentes. E é nesse nível, o político-institucional propriamente, que o caos continua imperando. Daí a esperança, abrigada por milhões, de uma nova política.

Contudo, quais são as formas possíveis dessa nova política? Não estaríamos diante do velho esquema da esquerda, de esperar a solução mediante o aparecimento de um novo partido, o autêntico transformador que finalmente seja a alavanca da salvação humana? E se tal partido não existir? E se não pudermos recorrer a uma força externa àquilo que somos e vivemos para além de nossa cotidianidade?

Qual é essa nova ordem que necessariamente deve existir e substituir aquilo que morre? Ou será que estamos numa situação historicamente nova, na qual nós, cada um de nós, devemos assumir a responsabilidade de nossas vidas, das de nossos filhos e de nossa humanidade, sem intermediários, na prática de cada dia, na multidimensionalidade de nossa existência?

Ah, a velha utopia autogestionária. Mas por que não? E, sobretudo, qual é a alternativa? Onde estão essas novas instituições dignas da confiança de nossa representação?

Auscultei muitas sociedades nas duas últimas décadas. E não detecto sinais de nova vida democrática por trás das aparências.

Há projetos embrionários pelos quais tenho respeito e simpatia, sobretudo porque me emocionam a sinceridade e a generosidade de tanta gente. Mas não são instituições estáveis, não são protopartidos ou pré-Estados. São humanos agindo como humanos.

Utilizando a capacidade de autocomunicação, deliberação e codecisão de que agora dispomos na Galáxia Internet. Pondo em prática o enorme caudal de informação e conhecimento de que dispomos para gerir nossos problemas. Resolvendo o que vai surgindo a cada instante. E reconstruindo de baixo para cima o tecido de nossas vidas, no pessoal e no social.

Utópico? Utópico é pensar que o poder destrutivo das atuais instituições pode deixar de se reproduzir em novas instituições criadas a partir da mesma matriz. E, já que a destruição de um Estado para criar outro leva necessariamente ao Terror, como já aprendemos no século 20, poderíamos experimentar e ter a paciência histórica de ver como os embriões de liberdade plantados em nossa mente por nossa prática vão crescendo e se transformando.

Não necessariamente para constituir uma ordem nova. Mas sim, quem sabe, para configurar um caos criativo no qual aprendamos a fluir com a vida, em vez de aprisioná-la em burocracias e programá-la em algoritmos. Dada nossa experiência histórica, aprender a viver no caos talvez não seja tão nocivo quanto conformar-se à disciplina de uma ordem.

L I V R O

Título: RUPTURA
Autor: Manuel Castells
Tradução: Joana Angélica D'Avila Melo
Editora: Zahar
Preço: R$ 39,90 (152 págs.)

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 4 de junho de 2018 – Internet: clique aqui.

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