23º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 14,25-33
Alberto
Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Somente é discípulo e discípula
de Jesus quem é livre
Depois de ter denunciado os laços de interesse, a famosa panelinha dos fariseus, formada por amigos, irmãos, parentes e vizinhos ricos, agora Jesus dissolve esses interesses. Lemos o Evangelho de Lucas, capítulo 14, do versículo 25 até o 33.
Lucas 14,25:** «Grandes
multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse:»
Jesus começou a viagem para Jerusalém e é seguido por
multidões numerosas. Por quê? Elas estão convencidas de que Jesus é o
messias conquistador que vai tomar o poder em Jerusalém. Então elas o
seguem para compartilhar os despojos, se ficarem perto dele, compartilharão seu
poder e também todas as riquezas da conquista.
Então Jesus, vendo essa incompreensão dessas multidões que o acompanham, para e estabelece três condições importantes que são válidas para sempre, porque são as condições para ser seu seguidor. Vamos vê-las.
Lucas 14,26: «“Se alguém vem a mim, mas não se desprende do pai, da mãe,
da mulher e filhos, de irmãos e irmãs, e até de sua própria vida, não pode ser
meu discípulo.»
A primeira condição é esta: “Se alguém vem a mim e não
odeia [literalmente está assim, é um hebraísmo com sentido de desapego
completo e imediato, conferir: Lc 9,57-62] seu pai, mãe, esposa, filhos,
irmãos, irmãs e até sua própria vida (isto é, sua própria existência), ele não
pode ser meu discípulo”. Então Jesus pede uma adesão que vá além dos laços
familiares. Se houver um desses componentes: do pai à esposa, filhos, irmã,
ou mesmo o próprio bem-estar ou a própria existência, que possa ser um
impedimento para seguir Jesus, ele pede para renunciar a ele.
As três condições que estamos examinando, agora, são escolhas de liberdade e escolhas para a liberdade, porque só se pode seguir Jesus se a pessoa for totalmente livre.
Lucas 14,27: «Quem não carrega sua cruz e não vem após mim, não pode ser
meu discípulo.»
A segunda condição é “carregar a sua cruz”,
literalmente o evangelista diz levantar, depois veremos o porquê. O
evangelista não está falando em carregar a cruz para sempre, mas está apontando
para um momento preciso, pontual, em que o condenado era punido com essa
terrível tortura. Nesse momento, o condenado tinha que levantar o eixo
horizontal da cruz, pois o eixo vertical sempre ficava preso no local da
execução, e tinha que dirigir-se para esse local.
Era um momento terrível, porque era um dever religioso, por
parte da multidão e, mesmo, por parte dos familiares, amigos e conhecidos, das
pessoas que poderiam ter sido beneficiadas pelo condenado, insultar e espancar aquele
que seria crucificado.
Desse modo, essa imagem de levantar a cruz significa
aceitar o desprezo da sociedade, mas não é uma escolha negativa, mas de
liberdade.
Porque quando não nos importamos mais com nossa reputação, quando
não estamos mais condicionados pelo que os outros podem pensar ou dizer sobre
nós, nós finalmente estamos livres.
Portanto, essas três escolhas que Jesus nos pede para fazer são escolhas de liberdade e para a liberdade.
Lucas 14,28-32: «Com efeito, quem de vós, se quer construir uma torre, não
se senta primeiro para calcular os gastos e ver se tem o suficiente para
terminar? Caso contrário, porá o alicerce e não será capaz de acabar; e todos os
que virem isso, começarão a zombar: ‘Esse homem começou a construir e não foi
capaz de acabar!’ Ou qual o rei que, saindo à guerra contra outro, primeiro não
se senta para calcular se com dez mil homens poderá enfrentar o que marcha
contra ele com vinte mil? Se vê que não pode, envia uma delegação, enquanto o
outro ainda está longe, para negociar as condições de paz.»
Eis dois exemplos em que faltam meios para empreender. Esperaríamos que Jesus nos pedisse para aumentar esses meios, esses recursos, mas aqui está a escolha final, aquela que fará com que grande parte da multidão o abandone, eis a terceira e última condição, que deve ser levada a sério.
Lucas 14,33: «Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós que não
renuncia a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!”»
As palavras de Jesus não podem ser selecionadas, as que nos
convém, as que gostamos e as que não.
Todas as palavras de Jesus são palavras que comunicam vida.
A última condição é esta: a renúncia de tudo o que se
tem. Jesus sabe o que está no coração dos homens e nós sabemos que as pessoas
estão dispostas a aceitar a primeira condição, a de preferi-la aos laços
familiares ou à própria vida. Jesus sabe até que as pessoas são capazes de
levantar a cruz, aceitar o desprezo. Mas atenção para não tocar o interesse das
pessoas! Não vá e toque em sua conveniência!
Assim, a quem esperava, quem sabe, um conselho espiritual
para segui-lo, Jesus pede muito prosaicamente, e é muito claro, que renuncie
a todas as suas posses. “Ele não pode ser meu discípulo.”
Por que isso? Porque Jesus - e Lucas é o evangelista que o
desenvolve mais do que os outros - sabe que os bens são bons, úteis, servem
para se sentir bem e para criar bem-estar, mas chega-se a um certo limiar
desses bens, quando a pessoa, antes que possuir estes bens, é possuída
pelos mesmos!
A prova é que ele é incapaz de se livrar deles. Incapaz de ser
generoso.
Então, para seguir Jesus, é preciso ser totalmente generoso. Para
Jesus, só se possui o que se dá. O que é retido não é possuído, mas nos possui.
Assim, para Jesus, a posse de bens é um impedimento. O resumo de tudo isso é que aqueles que confiam em suas próprias forças não podem contar e acolher o poder do Espírito Santo.
*
Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Quem
não é capaz de ser pobre, não é capaz de ser livre.”
(Victor Hugo: 1802-1885 – um dos
maiores escritores românticos da França no século XIX)
É interessantíssimo como Jesus lida com as multidões que o acompanham (verbo grego: symporéuomai), sem, necessariamente, o estarem seguindo (verbo grego: akoluthéô), de fato! Acompanhar é estar junto, seguir, no sentido evangélico do termo, é fazer-se discípulo(a), aluno(a), atento(a), obediente à palavra do Mestre que é Jesus. É andar em seus passos!
Por isso, Jesus sente a necessidade de deixar claro, de uma vez por todas, as condições necessárias para ser discípulo(a) dele. Afinal, ser discípulo de Jesus não é, simplesmente, aceitar umas tantas doutrinas e ideias, mas moldar toda a vida que temos segundo aquilo que ele nos propõe! Pois, crer em Jesus Cristo, não é crer em uma filosofia de vida, mas em uma PESSOA. É deixar-se seduzir por essa pessoa e o modo como encarou a vida e a viveu!
No entanto, a primeira exigência parece-nos absurda: “odiar pai, mãe, mulher e filhos, irmãos e irmãs, e até a sua própria vida”. Ora, aquilo que de mais humano existe entre nós é, justamente, a relação que temos com nossos pais, irmãos(ãs), esposa(o) e conosco mesmos! Até parece que Jesus está nos dizendo: “Para me amar, vocês têm que odiar, desprezar (verbo grego: miseô – Lc 14,26) aquilo que é o mais humano!” Assim, Deus e o humano parecem ser incompatíveis, irreconciliáveis!
Mas não é desse modo que
devemos compreender as palavras de Jesus! Aqui, eu me sirvo da sábia
argumentação do teólogo espanhol José María Castillo:
«Não nos resta outra solução do que aceitar
estas duas convicções: 1) Deus, em Jesus, se encarnou no humano, isto é,
humanizou-se plenamente. 2) Nós somos humanos. Porém, também levamos inscrita
em nossa humanidade a desumanização. Por isso, nossas relações com os outros,
incluídas as relações de parentesco, são muitas vezes tão inumanas. Assim, o
dilema, levantado por Jesus, não consiste em escolher entre o amor a Deus ou o
ódio ao humano, mas em escolher entre nossa “humanidade desumanizada” ou a
“humanidade plena”, que sempre encontramos em Jesus.»
A conclusão é óbvia, segundo Castillo: “Somente pode ser seguidor de Jesus quem é plenamente humano e, por isso supera e vence toda possível desumanização”.
Disso decorrem as outras duas exigências para ser seguidor(a) de Jesus Cristo: “levantar a cruz” e “renunciar a todas as nossas posses”. Se alguém pensa, somente, em si mesmo, em seu bem-estar, em seu prazer individual, em seus interesses, não deve se enganar! Tal pessoa não possui a liberdade interior, a coerência e responsabilidade para seguir Jesus e tomá-lo a sério! Por isso, uma pessoa, assim, não consegue “levantar a cruz”, isto é, sujeitar-se à humilhação, desprezo, má fama, abandono, por causa do Reino de Deus!
Do mesmo modo, quem é, por demais, apegado, dependente e escravo de seus bens, daquilo que possui, não tem a liberdade necessária para ser um verdadeiro seguidor de Jesus e colaborador do Reino de Deus! Pois o Reino que Jesus quer implantar, nesta terra, “não é deste mundo” (João 18,36), ou seja, não é organizado e fundamentado nos valores, nos princípios deste mundo: egoísmo, ganância, competição, riqueza, fama, poder, ódio, vingança etc.
Portanto, que ninguém se
engane!
Para seguir Jesus, de verdade, não
podemos ser pessoas que evitam problemas, conflitos, riscos, punições e
sofrimentos.
Anunciar, implantar e fazer prosperar o Reino de Deus, nesta terra, tem um preço! Você, eu, nós estamos dispostos a pagá-lo?
«O
Senhor é meu pastor, nada me falta: em pastagens verdejantes faz-me deitar,
para águas repousantes me conduz e reconforta a minha alma. Por veredas de
justiça me guia, por amor do seu nome. Mesmo se eu tiver de andar por um vale
de sombra mortal, não temerei os males, porque estás comigo. O teu bordão e o
teu cajado, são eles que me confortam. Diante de mim preparas a mesa em frente
dos que me afligem; com óleo me unges a cabeça e meu cálice transborda. Pois a
bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei
na casa do SENHOR por dias sem fim.»
(Salmo 23 [22])
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – XXIII Domenica del Tempo Ordinario – Anno C – 8 settembre 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 31/08/2022).
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