26º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 16,19-31
Alberto
Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Somente aqueles que são generosos
na vida poderão experimentar o Cristo ressuscitado
Jesus já havia declarado de forma clara e radical: “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus” [Mt 19,24], isto é, no Reino de Deus. Por que isso? No Reino de Deus há lugar para os senhores, mas não para os ricos. Qual é a diferença? O rico é aquele que tem e guarda para si, o senhor é aquele que dá e reparte generosamente com os outros. Portanto, Jesus exclui absolutamente os ricos. Os ricos, no Evangelho de Lucas, são considerados doentes terminais com egoísmo para quem não há esperança.
Então vamos ouvir essa parábola no capítulo 16 de Lucas, do versículo 19 ao 31, a parábola de Lázaro e do rico que Jesus dirige aos fariseus. Aqueles fariseus que quando Jesus disse “não se pode servir a Deus e às riquezas” zombavam dele, zombavam às suas costas.
Lucas 16,19:** «Havia um homem
rico, que se vestia de púrpura e linho fino, e dava festas esplêndidas todos os
dias.»
É a terceira vez que um homem rico aparece neste evangelho e
a imagem é sempre negativa. E aqui está a pincelada fantástica com que o
evangelista descreve o rico. Hoje ele teria dito “vestia roupas de grife da
cabeça aos pés”. Frequentava os melhores restaurantes. Neste único
versículo, há uma descrição psicológica do rico de extraordinária
importância. Ele é pobre interiormente, então ele precisa mostrar
riqueza por fora, por isso veste-se finamente da cabeça aos pés. E
quanta fome ele tem! Todos os dias ele se entrega a banquetes pródigos, ele
tem uma fome interior insaciável, que ele acha que acalma engolindo comida. Ele
não entende que, em vez disso, essa fome interior é satisfeita dando aos
outros.
Daí uma pobreza interior que corresponde a um luxo exterior.
Lucas 16,20: «Junto à sua porta, ficava sentado no chão, um pobre chamado
Lázaro, cheio de feridas,»
Depois, há um homem pobre, “chamado Lázaro”. Ele é o único personagem nas parábolas que recebe um nome. Lázaro significa “Deus ajuda”. O fato de estar coberto de feridas, segundo a mentalidade da época, significa que ele foi castigado por Deus, portanto é um pecador que foi castigado, aquele que foi em busca de sua desgraça.
Lucas 16,21: «querendo matar a fome com o que caía da mesa do rico. E até
os cães vinham lamber suas feridas.»
Os cães eram considerados animais impuros. Os animais impuros
são os únicos que se aproximam de um ser considerado impuro. Nesta descrição
não se fala de maldade por parte do rico em relação a Lázaro, eles vivem em
dois mundos diferentes, dois mundos separados.
O rico, como veremos, é repreendido e condenado não porque se
comportou mal com o pobre Lázaro, mas simplesmente porque ele o ignorou.
Eles estavam fisicamente próximos (ele estava sentado à sua porta), mas eram dois mundos diferentes, havia um abismo entre eles.
Lucas 16,22a: «Quando o pobre morreu, os anjos o levaram ao seio de
Abraão.»
Jesus não dirige este ensinamento aos seus discípulos, mas
aos fariseus, e usa categorias teológicas próprias dos fariseus. No
mundo farisaico estava em voga um livro apócrifo, chamado Livro de Enoque,
no qual a vida após a morte é representada como uma imensa caverna, chamada
justamente “o seio de Abraão”, onde, na parte mais profunda, portanto
mais escura, estavam as pessoas que se comportaram mal, na parte mais alta,
portanto mais perto da luz, as pessoas que se comportaram bem. Pois bem, o
pobre morre e é trazido ao lado de Abraão, ou seja, na parte mais brilhante.
Aquele que era considerado um castigado é apresentado como um bem-aventurado.
Lucas 16,22b-23: «Morreu também o rico e foi enterrado. No Hades, no meio dos
tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe Abraão, e Lázaro ao lado
dele.»
Não se trata do inferno, mas de “infernos” [= Hades, a morada dos mortos], ou seja, da parte inferior da terra. Agora, finalmente, em tempos de necessidade, o homem rico percebe o que ignorou durante toda a sua vida, Lázaro.
Lucas 16,24: «Então gritou: “Pai Abraão, tem pena de mim! Manda Lázaro
molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque estou atormentado
nestas chamas”.»
Os ricos são sempre os mesmos, tudo é para eles. Eles
nunca pensam em dar, mas exigem. E aqui ele usa o imperativo “manda!” Ordena!
Agora que ele notou Lázaro, é apenas para usá-lo para seus próprios
propósitos. Agora, ele finalmente notou Lázaro, mas ele o vê apenas para
sua necessidade.
Ele não implora, ele exige. Ele não pede, ele manda, atitude típica dos ricos.
Lucas 16,25-26: «Abraão, porém, respondeu: “Filho, lembra-te de que, durante
a vida, recebeste teus bens, assim como Lázaro recebeu seus males. Agora,
porém, ele encontra aqui consolo, e tu és atormentado. Além disso, há um grande
abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para
junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós”.»
Ou seja, você não compartilhou seus bens com Lázaro. Significa que o mesmo mundo diferente, o mesmo abismo que existia na terra entre os ricos, que viviam em um nível em que não notavam os pobres, existe agora depois da morte.
Lucas 16,27-28: «O rico insistiu: “Pai, eu te suplico, manda então Lázaro à
casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos. Que ele os avise, para que não
venham, também eles, para este lugar de tormentos”.»
Observemos: os ricos são doentes terminais de egoísmo! Agora que ele está em necessidade, ele não pensa na população, nas pessoas, mas apenas em si mesmo e eventualmente em seu clã familiar. Ele só se preocupa com a sua família, não diz “manda-o para toda a cidade”.
Lucas 16,29: «Abraão, porém, respondeu: “Eles têm Moisés e os Profetas!
Que os ouçam!”»
Moisés e os profetas escreveram a favor dos pobres. Em Moisés [Pentateuco], lemos que a vontade de Deus é que ninguém em seu povo seja necessitado. E os profetas esbravejaram contra os ricos, que se alimentam dos bens dos pobres.
Lucas 16,30-31: «O rico insistiu: “Não, pai Abraão. Se alguém dentre os
mortos for até eles, certamente se arrependerão”. Abraão, porém, lhe disse: “Se
não escutam a Moisés, nem aos Profetas, mesmo se alguém ressuscitar dentre os
mortos, não se deixarão convencer”.»
E aqui está a sentença final de Jesus aos fariseus.
Precisamente os fariseus que sempre se referem a Moisés e aos profetas,
Jesus denuncia que, na realidade, eles não os escutam!
Por que Jesus diz isso, que mesmo na ressurreição dos mortos
eles não serão persuadidos? Porque quem é incapaz de repartir o pão com o
faminto nunca poderá crer no ressuscitado, no Cristo ressuscitado, o qual é
reconhecido, como neste evangelho de Lucas, no episódio de Emaús, apenas no
partir do pão [cf. Lc 24,30-32].
Somente aqueles que são generosos na vida poderão, então,
experimentar o Cristo ressuscitado em sua existência.
* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“O maior
pecado contra nossos semelhantes não é odiá-los, mas ser indiferente a eles:
esta é a essência da desumanidade.”
(George Bernard Shaw: 1856-1950 – foi um
dramaturgo e romancista irlandês. Prêmio Nobel de Literatura em 1925)
O Evangelho deste domingo deixa claro que a INDIFERENÇA diante da dor, do sofrimento, da miséria e do abandono em que vive grande parte de nossos irmãos e irmãs, neste mundo, é a grande tarefa de todo o cristão! Não é possível que alguém que se diga cristão, seguidor e obediente a Jesus Cristo e mantenha a sua consciência tranquila e sossegada diante de uma sociedade como a nossa! Jamais se viu, na história humana, um abismo tão grande entre a opulência insultante dos ricos e a miséria extrema de tantos!
Há dois tipos de sociedade que convivem, lado a lado, na atualidade: a “sociedade do bem-estar”, privilégio de pouquíssimos (super-ricos e classe média alta); e a “sociedade do mal-estar”, onde se encontra, ao menos, oitenta porcento da população mundial! A abundância de bens e dinheiro, o consumismo desenfreado e a ganância de ter sempre mais provocam a insensibilidade diante do sofrimento, da miséria e do abandono humano! Por isso, esse é o MAIOR PECADO que existe: a indiferença diante do irmão(ã) que passa necessidades!!! Pois, a miséria econômica e social acaba trazendo, atrás de si, outros tipos de miséria: moral, cultural, emocional, psicológica! Quando reduzido a pensar, apenas e tão somente, na busca de alimento e de sobrevivência, o ser humano é tornado pior que um mero animal!
E a sentença final de Jesus, na parábola do rico e de Lázaro, o indigente, é um alerta gravíssimo: “Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, mesmo se alguém ressuscitar dentre os mortos, não se deixarão convencer” (Lc 16,31). Quantas pessoas que se dizem católicas e cristãs não criticam, não xingam, não se afastam de lideranças comunitárias, de padres, de bispos e, até mesmo, do papa quando esses denunciam o tipo de organização social que impera na sociedade atual! Quando eles anunciam o Reino de Deus como reino de justiça, amor, misericórdia e bondade! Quando eles se colocam contra empresas, grupos econômicos, políticos e pessoas egoístas que, somente, pensam na riqueza, em si mesmos e exploram e destroem a natureza, os recursos naturais, as pessoas e o ecossistema em nome do “progresso”!
Aqui, cabem muito bem as
palavras do biblista e teólogo espanhol José Antonio
Pagola:
«O Evangelho pode nos ajudar a viver vigilantes, sem nos tornarmos cada vez mais insensíveis aos sofrimentos dos abandonados, sem perder o sentido da responsabilidade fraterna e sem permanecer passivos quando podemos agir.»
Oração após a meditação do Santo Evangelho
«Senhor
Jesus, tu não pareces ser um pouco impertinente conosco e então tu queres que
nós o ouçamos e o sigamos? Sabemos bem que tu estás certo. Tu fazes bem em
levar para o céu aqueles como tu que sofreram por causa da maldade e injustiça
dos homens. Tu, Jesus, estás presente em Lázaro, o mendigo sentado à porta do
grande palácio, no rapaz albanês que se dispõe a tudo para ter um trabalho
honesto e não o encontra, em Ângelo, o ancião ao lado, abandonado pelos
parentes... Infinitos seriam os nomes a acrescentar à lista: são os dos milhões
e milhões de seres humanos em busca de alimento, paz e abrigo. Das milhões de
crianças que esperam carinho e cuidados, dos inúmeros pobres de corpo e
espírito que povoam nossa terra. Mas nós, Jesus, somos ricos, fazemos parte da
outra face dos homens e tu nos fazes de tolos como se fôssemos todos como
aquele homem cujo nome tu nem te lembras! [...] E, Senhor, nunca somos felizes!
Os pobres, por outro lado, estão satisfeitos com pouco. Eles estão simplesmente
procurando o pão de cada dia. E então, Jesus, se ainda não podemos fazer muito
por eles, faze algo por nós: impede que o nosso coração se feche como o do rico
do Evangelho! Vem, Jesus, em nosso auxílio. Amém!»
(Fonte: Marino
Gobbin. Orazione finale. 26ª Domenica del Tempo Ordinario. In: CILIA,
Anthony O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico C.
Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 579-580)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – XXVI Domenica del Tempo Ordinario – Anno C – 29 settembre 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 13/09/2022).
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