“Deus, Pátria, Família!”

 Esse slogan é uma blasfêmia

 Enzo Bianchi

Monge italiano, fundador da Comunidade de Bose, teólogo e biblista – Publicado pelo Jornal «La Repubblica», Roma, 05-09-2022 

ADOLF HITLER, à esquerda, e BENITO MUSSOLINI, no centro - defensores desse funesto slogan

O ídolo é sempre um falso antropológico, fonte de alienação

Estamos em uma hora em que falha o pensar, o refletir e até a linguagem se ressente disso. Não só se empobrece como se torna grosseira, bárbara e recorre a slogans. Por outro lado, todos nós sabemos: quando falta o pensamento, sobem os tons e as palavras ressoam para provocar emoções, e isso vale para todo lugar, até os comícios de rua. Sendo idoso não esqueço as palavras desbotadas nos muros que ficaram da época fascista:

* “Acreditar, Obedecer, Lutar!”,

* “Autoridade, Ordem, Justiça!”,

* “Deus, Pátria, Família!” [Slogan adotado pelo bolsonarismo, aqui no Brasil, também].

JAIR BOLSONARO gosta de utilizar o mesmo slogan fascista, o que não surpreende!

Parece-me significativo que tenham voltado a ressoar hoje: “Deus, Pátria, Família” é um slogan que me perturba. Porque essas três palavras colocadas uma após a outra, feitas bandeira e estandarte entre pessoas que se julgam fortes, para mim ressoam não apenas sinistras, mas até blasfemas. Palavras de um tempo e de uma cultura que eu não gostaria de viver. 

O slogan: palavra DEUS 

Como cristão, estou convencido de que a palavra “Deus” é um termo eminente, mas insuficiente, por trás do qual se escondem emoções que são projeções humanas. A maior parte das imagens que forjamos de Deus são perversas. Como cristão, estou convencido de que só Jesus falou e mostrou quem é Deus.

O Deus de Jesus não gosta de ser proclamado, nem invocado contra alguém, mas gosta de ser pensado como “Deus conosco”.

Não precisa de nós para defendê-lo ou impô-lo à sociedade em que vivemos. É ofendido se for instrumentalizado como elemento identitário, se for arrastado para a arena política. 

O slogan: palavra PÁTRIA 

Quanto à Pátria, felizmente a minha geração não mais serviu à ideologia nacionalista, um ídolo em nome do qual, nas guerras, tantas vidas humanas eram sacrificadas. 

Amamos a nossa terra, mas também aquelas dos outros, convencidos de que “cada terra para o cristão é estrangeira e toda terra estrangeira para o cristão é pátria”, como lemos na Epístola a Diogneto, texto de um cristão do século II, quando os cristãos podiam viver como minorias em diálogo e em paz na maré pagã do Império Romano. Não, para nós hoje não é mais nobre morrer pela pátria

O slogan: palavra FAMÍLIA 

Quanto à “Família”, aquela que podia ser invocada não existe mais, foi estilhaçada com o paternalismo, a submissão das mulheres, a impossibilidade de os jovens tomarem a palavra. Nascemos numa família e somos acolhidos por ela, e isso é uma grande graça. Mas quando temos que construir uma vida buscamos o amor fora da família. Significa que também a família é insuficiente: não devemos torná-la um mito ou um ídolo. 

É preciso ser vigilante contra o familismo que forja uma ideologia não a serviço do amor humano, mas dos controladores da ordem moral.

Ficamos escandalizados se esses slogans são gritados hoje na Rússia pelo poder religioso e por aquele político, mas depois permitimos que sejam propostos como um programa na nossa cansada e velha, mas ainda válida, democracia. O ídolo é sempre um falso antropológico, fonte de alienação. “Deus, Pátria, Família!”: três palavras que se gritadas são uma blasfêmia e deveriam representar para todos o espectro de uma prisão. 

Traduzido do italiano por Luisa Rabolini. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 6 de setembro de 2022 – Internet: clique aqui (Acesso em: 10/09/2022 – às 10h30).

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