«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

A Igreja rumo à implosão?

 Uma análise, um alerta para nós, no Brasil, também!

 Piero Pisarra

Revista «JESUS» - Setembro de 2022 

Entrevista com Danièle Hervieu-Léger

Socióloga francesa especializada em religião e catolicismo – Ex-presidente da École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris 

DANIÈLE HERVIEU-LÉGER

Entre escândalos, divisões, visões diferentes do que deve ser a Igreja e a sua missão

Há mais de quarenta anos, para quem quiser entender como está mudando o mundo católico e quais são as correntes que o atravessam, Danièle Hervieu-Léger é o ponto de referência obrigatório. Socióloga, ex-presidente da École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, em Paris, traduziu os resultados de suas análises aprofundadas em imagens de grande eficácia (o peregrino e o convertido, religião em migalhas, fé à la carte...). Como também faz no último livro chamado Vers l’implosion? Entretiens sur le présent et avenir du catholicisme (Rumo à implosão? Conversas sobre o presente e o futuro do catolicismo, em tradução livre, Seuil, 2022), no qual aborda, em diálogo com Jean-Louis Schlegel, a crise e as emoções da novidade do catolicismo francês abalado pelos escândalos. 

No momento, há, somente, edição em francês

Eis a entrevista. 

O relatório da Comissão Sauvé (Ciase) sobre os abusos sexuais teve o efeito de um terremoto para a Igreja na França. E parece ter acelerado a implosão do catolicismo, já em curso há várias décadas. Quais são os principais motivos da crise?

Danièle Hervieu-Léger: O relatório da Ciase mostrou claramente o fracasso da instituição diante dos abusos sexuais e dos crimes cometidos por padres. Sua publicação, por si só explosiva, ocorre em um momento crucial da história da Igreja na França: a Igreja deve, de fato, tomar ciência de seu status, agora, minoritário em uma sociedade plural do ponto de vista religioso, onde o número de pessoas que se declaram “sem religião” supera aquele dos crentes.

Para uma instituição que por séculos ocupou uma posição hegemônica no cenário religioso, social e cultural, mesmo após sua expulsão do cenário político, trata-se de um trauma notável, que acentua dramaticamente as divisões entre os próprios católicos:

* entre aqueles que pedem uma nova atitude da Igreja em relação ao mundo e aqueles que defendem o papel da Igreja como “contracultura” diante das evoluções da sociedade;

* entre aqueles que não conseguem imaginar um futuro para a Igreja senão através do fortalecimento do sistema de poder vertical, clerical e patriarcal que constitui sua espinha dorsal, e

* aqueles que pedem uma Igreja “horizontal”, inclusiva e comunitária, que dê amplo espaço à iniciativa autônoma dos leigos...

Essa divergência é mais complexa do que a clássica oposição política entre “progressistas” e “conservadores”:

o que se opõem são visões do cristianismo que já não se comunicam mais entre si.

De fato, a Igreja da França está aos pedaços

Você refuta a tese do historiador Guillaume Cuchet, que em um livro recente (Le catholicisme a-t-il encore de l’avenir en France?, Seuil, 2021 – tradução livre: O catolicismo ainda tem futuro na França?) atribui a culpa pelo colapso ao Concílio Vaticano II: uma tese que, no entanto, encontra amplo eco não só nos círculos tradicionalistas, mas também nas chamadas franjas “moderadas”. Por que essa leitura lhe parece enganosa?

Hervieu-Léger: Parece-me principalmente incompleta. O livro de Guillaume Cuchet destaca um fato estabelecido, ou seja, o colapso da prática religiosa e o colapso da autoridade social e moral da Igreja na virada dos anos 1960 e 1970, no imediato período pós-conciliar. Não tenho nada a contestar. Mas ao focar no Concílio como gatilho, Cuchet subestima, na minha opinião, dois aspectos.

1º) o declínio da prática no longo prazo: uma tendência que já podia ser observada no final da Segunda Guerra Mundial (e antes mesmo). O mesmo vale para a demografia clerical: na França, desde 1959, menos padres vêm sendo ordenados do que aqueles que morrem! O encolhimento do clero não está ligado ao próprio Concílio, embora muitos padres tenham questionado seu sacerdócio após o Vaticano II.

2º) A segunda dimensão que falta no livro de Cuchet é o contexto cultural específico dos anos 1960 e 1970: aquele de uma revolução do indivíduo que afirma sua própria autonomia pessoal, uma revolução que diz respeito à transmissão do depósito de cultura e de experiências em todas as instituições (não só na Igreja) e que coloca a instituição católica num contraste cultural estridente com o ambiente ao seu redor. As reformas conciliares puderam acelerar o processo, em particular tornando os fiéis mais cientes, graças ao uso das línguas nacionais na liturgia, da incongruência de uma linguagem religiosa antiquada em relação à cultura contemporânea. Mas essas reformas – aguardadas por muitos, é preciso lembrar – não causaram em si a hemorragia dos fiéis

Não há edição em português, somente em francês

Em um livro de 2003 (Catholicisme, la fin d'un monde, Bayard – tradução livre: Catolicismo, o final de um mundo) você cunhou e contribuiu para a difusão do neologismo “exculturação”, o oposto, pode-se dizer, de “inculturação”. Quase vinte anos depois, em que ponto estamos?

Hervieu-Léger: Com esse neologismo quis indicar o processo de deslocamento da matriz católica da cultura francesa, que por muito tempo permitiu que a Igreja se dirigisse a todos, para além da secularização das instituições e das mentalidades. Desde a década de 1970, a Igreja perdeu o apoio daquele tecido cultural comum que lhe permitia manter uma posição dominante no cenário religioso e social, apesar da diminuição do número de fiéis.

Cinquenta anos depois, essa “exculturação” é completa e definitiva. A Igreja só pode falar aos seus próprios fiéis, e nem sequer é certo que estes a escutem, especialmente sobre as questões de moral sexual, que consideram pertencer apenas à esfera da consciência pessoal. 

Neste contexto, quais são as condições para uma verdadeira reforma da Igreja universal? Quais são as armadilhas a evitar de forma prioritária?

Hervieu-Léger: Como socióloga, evito traçar uma perspectiva para a Igreja do futuro! Mas minha hipótese é que a doença do catolicismo é a do sistema romano, estruturado entre o Concílio de Trento e o século XIX para enfrentar a investida da Reforma e depois da modernidade política.

Qualquer reforma hoje exige a “desconstrução” desse sistema, que se baseia inteiramente na autoridade sagrada do sacerdote.

Resta saber até que ponto tal “desconstrução” possa ser realizada sem comprometer a estabilidade de todo o edifício. 

Traduzido do italiano por Luisa Rabolini. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 6 de setembro de 2022 – Internet: clique aqui (Acesso em: 10/09/2022 – às 10h30).

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