Antes de dar palpite, reflita!
6 coisas que você deveria saber antes de postar seus
comentários políticos na internet
Rodrigo da
Silva*
Jornalista
E a partir desse clique quase
imperceptível num pedaço de plástico é possível dizer que você é desses(as) que
se importam com o debate político no seu país. Mais do que isso: muito
provavelmente você não anda nada satisfeito(a) com a forma como esse debate é
conduzido por aqui
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RODRIGO DA SILVA |
É,
eu entendo.
Política
é um negócio complicado – essencialmente identidade de grupo. Em geral, é mais
do que a aceitação de uma coleção de ideias ou um convencimento da necessária
aplicação – ou ausência – de ações públicas que melhorem o padrão geral da
humanidade. Identidade política é também
estética, estilo, sensação de pertencimento, target mercadológico.
E é
aqui, nesse ponto abstrato, no meio
dessas nuvens cinzas subjetivas todas, que a razão sai de campo para dar lugar
à emoção. É aqui que tudo embaralha. Tudo isso vira mero futebol, religião,
paixão. Vira novela mexicana.
Quase sem perceber, nós abandonamos a
sensatez criteriosa que exigimos
dos nossos adversários e passamos a
abraçar cegamente
a estupidez dos nossos cúmplices
ideológicos.
Essa
é a principal razão pela qual esse artigo foi escrito. Não como um manual de comportamento – longe de mim dizer como você deve
ou não se comportar. Mas com a pretensão
de estabelecer certos limites racionais para a prática do bom debate,
independentemente do seu lado nessa batalha.
Há
pelo menos seis pontos, descritos no decorrer desse texto, que todo mundo
deveria saber antes de postar seus comentários políticos na internet. E se você
se sente um pouco perdido nesse jogo, no meio de um tiroteio de hashtags e gritos de ordem sem sentido,
acredite – você não está sozinho nessa.
É
hora de esclarecer, não de confundir.
1.
Não existe mídia imparcial
Se você caiu de paraquedas por aqui, sem problema,
eu explico. Essa publicação que você
está lendo adota assumidamente uma linha editorial liberal. Cada análise
produzida aqui parte do pressuposto de que o país construiu, ao longo de sua
história:
* instituições extrativistas que alimentam toneladas
de burocracia,
* uma legislação tributária incompreensível,
* insegurança jurídica,
* pouca receptividade à propriedade privada e uma
participação inexplicável do Estado na economia,
* responsável direto pela criação de uma cultura
predominantemente clientelista e patrimonialista,
* pela construção de uma horda de parasitas
econômicos,
* de oligopólios,
* lobistas e
* metacapitalistas, e
* pela transferência histórica de renda dos mais
pobres para os mais ricos, catalisador da desigualdade.
Esta publicação também acredita que esse arranjo
institucional colaborou ao longo dos anos para criar um ambiente econômico de
pouca competitividade, baixa produtividade e tímido crescimento.
Outras publicações, você certamente deve
reconhecer, adotam posições diferentes, algumas com visões de mundo
completamente antagônicas à nossa. E
esse é o grande ponto: não há nada de errado com isso. Motivações
ideológicas fazem parte da pluralidade de imprensa e conectam diferentes
veículos ao redor do mundo: ora mais à esquerda
(como o The Guardian e o The Huffington Post), ora mais à direita (como o Le Figaro e a Fox News), ora mais liberal
(como a The Economist e a Reason Magazine). É do jogo.
Claro, tudo
isso não apaga o fato de que há uma série de veículos, da grande imprensa aos
ditos independentes, compromissados exclusivamente em defender os interesses de
governos, partidos e grandes empresas, como folhetins corporativos – muitas
vezes de forma criminosa. E essa é outra história. Essas relações não apenas
prostituem a isenção na apuração das suas matérias e artigos de opinião, como
devem ser questionadas pelo público. Independentemente de suas visões
ideológicas.
Mesmo aos isentos, no entanto, aos compromissados
com a boa prática jornalística, não existe neutralidade. Existem veículos transparentes com seus leitores em relação às suas
preferências políticas e os que fingem uma imparcialidade mandrake. E a
análise a respeito de cada um deles deve ser realizada mediante os fatos e os
argumentos apresentados em seus conteúdos.
Toda
vez que você torce o nariz para uma publicação apenas por ela estar alinhada a
uma visão de mundo diferente da sua e deixa de argumentar
contra as razões apresentadas em suas matérias, apontando suas falhas
conceituais, você perde por W.O.**, abre mão do jogo, reforça o outro lado.
Tapar os ouvidos para o que o outro está dizendo
não é exatamente um bom argumento.
2. A maioria esmagadora
das pessoas acredita estar defendendo o lado certo da história. Inclusive quem
discorda de você
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Tradução do cartaz diante da jovem: "Eu sou uma boa pessoa" |
Parece difícil acreditar nisso, mas salvo uma minoria de autoritários com
identidades políticas torpes bem definidas – capazes de manipular a opinião
pública, inventar factoides e criar um exército militante lobotomizado – a vasta maioria das pessoas com opiniões
políticas acredita estar defendendo o lado certo da história. Mais do que
isso: tomam suas posições a partir de
pressupostos morais que julgam ser os melhores possíveis.
E
isso, evidentemente, não significa que elas estejam necessariamente certas.
É perfeitamente compreensível que grupos ideológicos distintos travem batalhas
em torno de seus ideais e que, a partir disso, rejeitem pressupostos políticos
e econômicos equivocados com argumentos racionais. A defesa das boas ideias, afinal, nasce também no combate a ideias
equivocadas.
Ao longo de décadas, no entanto, a discussão
política ao redor do mundo vem sendo travada considerando uma batalha épica
entre o bem e mal, como se a força motriz por trás de todas as diferenças
fossem desvios irreconciliáveis de caráter onde nenhum indivíduo é capaz de
abraçar uma visão de mundo distinta da nossa sem ser tratado como um pulha [pilantra] irreparável.
E nada disso acontece sem razão. Como o economista Friedrich Hayek – vencedor do Nobel –
apontou em sua magnum opus, O Caminho da
Servidão:
«Quase
por uma lei da natureza humana, parece
ser mais fácil aos homens concordarem sobre um programa negativo – o ódio a
um inimigo ou a inveja aos que estão em melhor situação – do que sobre qualquer plano positivo. A antítese “nós” e “eles”, a
luta comum contra os que se acham fora do grupo, parece um ingrediente
essencial a qualquer ideologia capaz de unir solidamente um grupo visando à
ação comum. Por essa razão, é sempre utilizada por aqueles que procuram não só
o apoio a um programa político mas também a fidelidade irrestrita de grandes
massas.»
[Leia mais sobre isso, clicando aqui]
Apontar:
*
falhas de raciocínio,
*
falácias,
*
lacunas na construção de pensamentos lógicos,
*
falta de rigor nas análises socioeconômicas e
* rachaduras
na compreensão do mundo...
... é o que torna qualquer embate de ideias
possível. E tudo isso é saudável.
Toda
vez, no entanto, em que pessoalizamos o debate, condenando figuras à sarjeta
apenas por pensarem diferente da gente, como se não houvesse discussão longe
dos pontos de vista das nossas janelas, colaboramos apenas para construir uma caça às bruxas moralista
injustificável.
Há certamente grupos que precisam de tais
artifícios para maquiar a falta de sustância de suas ideias. Mas, de uma vez
por todas, você não precisa fazer parte deles.
3. Questione sempre todo
mundo. Especialmente as pessoas que concordam com você
Na tentativa de transformar tudo numa luta do bem
contra o mal, é comum acabarmos adotando um comportamento de torcida organizada
na hora de lançarmos nossa opinião política. E o ódio pode facilmente se
transformar em amor cego.
Nenhuma
visão política se estabelece com maturidade sem uma boa dose de ceticismo.
Por
isso, questione sempre. Não importa o lado. Não importa quem.
Lula, Bolsonaro ou João Doria. Globo,
Fox News ou BBC. Spotniks, Veja ou Carta Capital. Olavo de Carvalho, Jean Wyllys ou o cara por trás
desse texto. Ninguém é dono da verdade.
Ninguém acerta o tempo todo. Ninguém
erra o tempo todo.
E nada disso é estar em cima do muro. Você pode perfeitamente ter predileção por
uma ideologia, um veículo de informação ou um partido político. Não há nada de
errado com isso. Você pode morrer crente que abraçou o melhor conjunto de
ideias que foi permitido à raça humana.
Não seja escravo das circunstâncias.
Entenda que o
seu grau de responsabilidade pelas ideias que você defende termina onde começa
o campo de ação dos demais defensores dela. Abrace a independência. Se é
possível nos enganarmos a respeito daquilo que defendemos – e muitas vezes
passarmos a abraçar ideologias completamente opostas, em alguma fase da vida – como raios podemos botar a mão no fogo pela
ação de terceiros, como os agentes políticos?
Você está em 2017 [ano em que este artigo foi escrito]. Ligue a televisão. Abra o
jornal. Digite Lava Jato no Google. A
chance de você estar sendo enganado por uma figura interessada apenas em seu
voto – e na sua carteira – é consideravelmente real.
4. Na dúvida, fique em
silêncio
Foi o grande Abraham
Lincoln quem disse:
“É melhor calar-se e deixar que as
pessoas pensem que você é um idiota
do que falar e acabar com a dúvida.”
E
se há algum lugar em que essa frase faz sentido é na internet.
No Facebook você pode acordar
especialista em execução orçamentária, almoçar discutindo engenharia
aeroespacial, jantar debatendo bioética e ir dormir crítico de cinema.
Mas
cá entre nós: ninguém domina tantos assuntos assim, não é mesmo?
Com a política não é diferente.
A livre expressão é um direito constitucional. Seu,
meu, de quem pensa igual, de quem pensa diferente. Mas você não é obrigado a ter opinião sobre tudo.
Não é obrigado a entender sobre todos os
assuntos. Não é obrigado sequer a responder perguntas que você desconhece.
E
é exatamente por isso que fica tão feio quando você aborda um assunto sem
entender patavinas do que está falando. Todo mundo percebe. É
só uma tentativa de impressionar. E nem sempre isso é possível da forma como
você esperava.
Na
dúvida, fique em silêncio. Estude. Aprenda. Tenha humildade
para reconhecer os seus limites.
5. Bolhas ideológicas
estão condenadas ao fracasso
As opções estão à mesa.
Você pode excluir todos os seus amigos que pensam
diferente de você. Pode menosprezar todas as publicações que levantam pontos de
vista distantes do seu. Pode fugir do diálogo como se o que dividisse você dos
demais que abraçam bandeiras contrárias à sua estivesse necessariamente preso a
um julgamento moral. Pode até criar zonas de espaço seguro em universidades,
protestando contra palestrantes e cerceando a liberdade de expressão alheia. Você só não pode esperar ser ouvido por
outras pessoas enquanto se tranca dentro de uma bolha ideológica.
Se há algo a dizer a respeito das últimas eleições
ao redor do mundo é que bolhas ideológicas estão condenadas ao fracasso. Não
adianta lutar contra. Quanto mais você
se isola, mantendo o seu diálogo restrito entre aqueles que pensam iguais você,
menos você convence aquela parte da humanidade que não concorda com você. E
acredite: essa parte não apenas sequer reconhece que tipo de ideias você defende,
como pode perfeitamente construir uma visão a respeito delas completamente
diferente da sua.
E nesse ponto do texto você pode até fingir que não
tem qualquer relação com isso, pedante
a ponto de acreditar que conseguirá passar imune à ausência do debate de
ideias, como se as suas ideias
pertencessem à classe das verdades inquestionáveis – e todo resto estivesse
relegado:
* aos comunistas comedores de criancinhas,
* aos neoliberalóides inimigos da classe
trabalhadora ou
* aos fascistas destruidores de minorias...
... mas, lamento dizer, você é o principal culpado pelo fracasso na aceitação das suas ideias.
6. Não perca tempo
discutindo com quem não está disposto a ouvi-lo
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Tradução: "A quantidade de energia necessária para refutar uma bobagem é uma ordem de magnitude maior que para produzi-la." |
Por fim, você pode estar do outro lado dessa
história. Progressista, liberal, conservador, tanto faz. Disposto a ouvir, disposto a apresentar seus argumentos, disposto a
seguir o caminho da razão. E ainda assim, encontrar pela frente gente
interessada em qualquer coisa, menos em levar a sério o que você tem a dizer.
Não
se iluda. Eles questionarão sua inteligência, seu bom senso, suas fontes, suas
intenções, seu senso de justiça, seu discernimento entre o certo e o errado.
Questionarão a tua capacidade de se importar com o próximo. Te associarão aos
piores sentimentos do mundo. E não há nada que você possa fazer a respeito.
Nessa hora, tenha a humildade de cair fora, de
abrir mão. Contente-se com o fato de que tudo que você tem a receber pela
frente é bobagem. E a respeito desse assunto, nunca é demais lembrar da primeira regra do debate político:
A quantidade de energia necessária para
refutar uma bobagem é uma
ordem de magnitude maior que para
produzi-la.
Tenha isso sempre em mente. Você já sabe tudo que
precisa para publicar as suas opiniões políticas.
NOTAS
* Rodrigo
da Silva é autor de um excelente livro sobre o Brasil
de hoje e a política, que necessita ser lido por todos que desejam conhecer
melhor o país em que vive, trata-se da obra: Guia politicamente incorreto da política brasileira. São Paulo:
LeYa, 2018, 336 páginas. Preço de capa: R$ 44,90.
** O W.O.
ou Walkover (em inglês) é a
atribuição de uma vitória a uma equipe ou competidor quando a equipe adversária
está impossibilitada de competir. Isto pode acontecer devido a não existência
de um número mínimo de esportistas necessários para uma partida,
desqualificação, não-apresentação de uma equipe na data e hora estabelecidos,
entre outros. O termo é aplicável ao futebol e a outros esportes, mas pode
também ser utilizado em eleições e eventos relacionados, como por exemplo, um
debate pré-eleitoral (Fonte: Wikipédia).
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