«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Como a ciência explica o ódio eleitoral

Somos mais intolerantes do que admitimos

Rodrigo da Silva
Editor do site Spotniks e autor do livro
“Guia politicamente incorreto da política brasileira” (LeYa, 2018)

Fomos programados para sentir prazer quando alguém
repete nossas crenças. Num mundo dividido em bolhas,
esse é um belo atalho para o obscurantismo

As pesquisas de rejeição deixam claro: Jair Bolsonaro e Fernando Haddad são odiados. Quem vota em um rejeita total e absolutamente o outro. Para entender exatamente por que isso acontece, não tem outro jeito. Precisamos esquecer por alguns instantes os valores e planos de governo de cada um e focar num objeto inquestionavelmente mais complexo: nosso cérebro. E ele traz à tona uma resposta incômoda, a de que somos mais intolerantes do que admitimos.
Publicado no Brasil pela Editora Record,
em setembro de 2018

É o que aponta o neurocientista americano Joshua Greene, de Harvard, em seu livro Tribos Morais – A Tragédia da Moralidade do Senso Comum. Greene defende um pilar da psicologia evolutiva: o de que nosso cérebro não foi projetado para encarar a tarefa de viver em grupos complexos. Nossos instintos não toleram a ideia de conviver com quem pensa de forma distinta – muito menos oposta.

A evolução nos conduziu para a vida tribal. Entenda “tribal” não como algo primitivo, mas como uma família estendida. Fomos programados para conviver em grupos pequenos, com indivíduos que encaram a vida de uma forma parecida com a nossa – que comungam das mesmas crenças, hábitos e valores. Quem não comungasse era um inimigo, um predador humano, alguém pronto para roubar sua comida e matar você ao longo do processo.

Foi dessa forma que organizamos nossa vida coletiva por centenas de milhares de anos. O cérebro criou mecanismos para proteger os laços tribais. Um deles é o “viés de confirmação”:

Somos recompensados com pequenas doses de dopamina, o neurotransmissor do prazer, cada vez que ouvimos alguém repetir crenças e valores iguais aos nossos. Isso indica que o sujeito é um membro em potencial da sua família estendida. Alguém que irá lhe proteger.

Por volta de dez mil anos atrás o mundo começou a ficar melhor, e menor. A agricultura, o comércio e as primeiras cidades nos obrigaram a conviver com outras tribos, outras famílias estendidas, que cultivavam valores distintos.

Era uma vitória do neocórtex, a parte mais complexa do cérebro – que nos difere basicamente de qualquer outro animal. Graças a ele conseguimos manter os instintos na rédea curta e conviver de forma civilizada (não é à toa que a palavra “civilizada” vem de “cidade”).

Mas esses dez mil anos não bastaram para reprogramar a massa cinzenta. Como diz Steven Pinker, colega de Greene em Harvard, nossos cérebros jamais saíram para valer das cavernas. O viés de confirmação segue firme. E os predadores humanos só mudaram de nome. Para quem vota em Haddad, esses predadores foram batizados como “bolsominions” e “fascistas”. Para quem vota em Bolsonaro, eles atendem por “petralhas”, “comunistas”. 

Algumas diferenças, de acordo com Greene, são menos conciliáveis que outras. As “tribos morais” de hoje tendem a discordar com mais veemência justamente nos temas que atiçam nossos instintos primitivos: sexo e morte. A sexualidade alheia gera estresse basicamente por lidar com um impulso primitivo. Logo, o homofóbico espuma ao falar sobre homossexualidade. E o defensor dos direitos LGBTs também irá reagir de forma sanguínea se detectar algum sinal de homofobia no discurso alheio – mesmo que se trate de um alarme falso.

Outro tema que aciona o lado selvagem é o combate ao crime, pois é algo ligado ao conceito de morte. Daí o tom alto de quem defende a pena capital, o fim das políticas de direitos humanos para presidiários, o atirar para matar. Cada expressão dessas é uma torrente dopaminérgica para quem compartilha dessas crenças e valores. As reações são destemperadas do outro lado também. Às vezes, basta não seguir certas cartilhas de pensamento para virar alvo. Exemplo: quem acha que a prisão não serve apenas para recuperar o condenado, mas também para puni-lo, pode acabar tachado de “assassino”. 

Se sexualidade e morte ativam ódios, aborto talvez seja o mais espinhoso de todos os temas, já que envolve sexo e morte. Desnecessário elencar aqui os argumentos pró e antiescolha. O ponto é que se trata de um debate que, não raro, decai para a barbárie – o neocórtex sabe que quem é a favor da legalização do aborto não é “matador de crianças”; sabe que o povo contra não é “nazista”. Mas o sistema límbico, o pedaço primitivo da massa cinzenta, não sabe de nada. E parte para o ataque sujo contra quem vai contra a posição da sua bolha, seja ela qual for.

Para deixar as coisas ainda piores, agora temos uma máquina anticivilizatória. Uma ferramenta criadora de bolhas, que nos faz voltar aos tempos tribais: as redes sociais. Como o algoritmo do seu Facebook, interessado em vê-lo dedicar longas horas conectado a ele, apresenta conteúdo com base naquilo que você se interessou no passado – textos que parou para ler, vídeos que assistiu, imagens que curtiu –, a tendência é que ele reforce ideias preconcebidas, concentrando no seu perfil postagens de páginas e amigos que replicam conteúdo que em geral você concorda.

Ou seja, as redes sociais alimentam um isolacionismo das tribos morais. Nós não estamos apenas ouvindo cada vez menos uns aos outros, interessados em alcançar exclusivamente o nosso próprio grupo social; nós também estamos acirrando os ânimos em relação a quem pensa diferente, reforçando os nossos preconceitos.

Esse comportamento tribal enfraquece a nossa capacidade de usar a razão na hora do voto, colocando superstições no centro das nossas escolhas.
RODRIGO DA SILVA
Autor deste artigo

A cada dia que passa, então, nós aumentamos a possibilidade de sermos engolidos pela histeria, provocados por uma leitura maniqueísta da realidade.

É nesse cenário que chegamos às eleições presidenciais de 2018 – enviesados pelos códigos morais excludentes das nossas tribos; influenciados por apelos estéticos; radicalizados pela crença de que nossos opositores políticos representam um clã selvagem inimigo, perfeitamente capaz de destituir as normas que regem a organização de nossa tribo da noite para o dia.

Bolsonaro e Haddad representam as principais tribos morais em evidência no País. Salvo exceções, a vasta maioria de seus eleitores é formada por pessoas absolutamente normais que frequentam os mesmos postos de trabalho, cruzam as mesmas esquinas e alimentam os mesmos sonhos sociais. Mesmo assim, cada uma delas afirma defender o lado mais virtuoso dessa equação.

Entender as motivações que levam essas pessoas a essas escolhas – sem a condescendência arrogante da superioridade moral – passa necessariamente pelo processo de distanciamento das bolhas que condicionam as nossas tribos.

Ouvir não é o bastante – é preciso colocar-se no lugar do outro.

Caso contrário, corremos o risco de internalizar de forma inconsciente o mantra autoritário eternizado por Millôr Fernandes:

«Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim».

Fonte: Super Interessante – Sexta-feira, 19 de outubro de 2018 – 16h34 (Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui + Super InteressanteEssencial... uma opinião – Edição 395 – Novembro 2018 – Págs. 10-11. Edição impressa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.