PREVISÕES PARA O FUTURO
Um professor de Oxford lança um olhar
para o governo de Bolsonaro
Entrevista
com Timothy J. Power
Professor
de Ciência Política na Universidade de Oxford, especializado em Brasil
Diretor da Oxford School of Global and Area Studies
Nathalia
Passarinho
Jornalista
Duas
reações em uma eleição:
rejeição
a tudo aquilo que representava a política petista e
rejeição
a avanços em questões de costumes e direitos sociais![]() |
TIMOTHY J. POWER |
A
ascensão e eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República retirou
"das salas de jantar" e trouxe ao plano público um pensamento
conservador que vinha fermentando no Brasil e encontrou no candidato do PSL
seu porta-voz. A avaliação é do professor de ciência política da Universidade
de Oxford Timothy J. Power, especialista em Brasil e diretor da Oxford
School of Global and Area Studies.
Segundo
Power, as mudanças em questões de costumes e direitos sociais nos últimos anos,
como o casamento homoafetivo e a introdução de cotas raciais em universidades,
tiveram um "efeito colateral": a reação de setores de direita que
antes não manifestavam abertamente os seus pensamentos.
"Muitas
pessoas se opunham a essas mudanças progressistas, mas não tinham uma voz para
dizer isso. Bolsonaro articulava politicamente o que essas pessoas pensavam
silenciosamente", disse o pesquisador em entrevista à BBC News Brasil. "Essa
rejeição a esses avanços se dava nas salas de jantar, mas Bolsonaro abriu
caminho para expressar isso abertamente."
Power
estuda o Brasil há mais de 30 anos e é autor de dezenas de livros e artigos
sobre o sistema político brasileiro, entre os quais Democratic Brazil
Divided (Brasil democrático e dividido) e The Political Right in
Postauthoritarian Brazil (A Direita Política no Período Pós-autoritário
Brasileiro).
Ainda
em 2016, o professor de Oxford já dizia considerar Bolsonaro competitivo e com
chances de vitória em contraste com boa parte dos analistas políticos que, até mesmo a poucos
meses do pleito, previam uma "desidratação" da candidatura.
Ele
sustentava essa visão com o que via como crescimento de uma onda de direita
e uma revolta contra a "política tradicional" no Brasil,
impulsionada pelos escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava
Jato.
Power
afirma que o PT contribuiu para a eleição do capitão reformado do
Exército e declara que o partido terá de se reformular se quiser ter relevância
nacional.
Eis
a entrevista.
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SÉRGIO MORO E PAULO PROENÇA O juiz federal, ao lado do futuro ministro da Economia ao sair de encontro na casa de Jair Bolsonaro Quinta-feira, 1 de novembro de 2018 |
Bolsonaro
convidou Sérgio Moro para ser ministro da Justiça e ele aceitou. Que
consequências isso traz para a Lava Jato?
Timothy J. Power: Acredito que, depois de quatro anos de manchetes e
avanços na investigação Lava Jato, ao aceitar esse cargo no Ministério da
Justiça, o juiz coloca em risco alguns pontos de legitimidade dessas
investigações. Então, me surpreende que ele tenha aceitado tão rapidamente
esse convite. O PT vive dizendo, desde 2010, que a Justiça é parcial, que as
investigações da Lava Jato tinham por objetivo de acabar com as chances
eleitorais do partido em 2018.
Havia
um obstáculo grande à eleição de Bolsonaro que era a figura do ex-presidente
Lula. Ele foi preso e foi um obstáculo removido por ação direta do juiz Moro.
E Bolsonaro venceu. Se Haddad perdeu a eleição por 10 pontos, com Lula teria
sido mais competitivo. Agora, poucos dias após as eleições, Moro aceita o
convite para ser superministro da Justiça. Isso reforça a narrativa do PT de
vitimização pela Lava Jato. Então, coloca em risco a legitimidade das
investigações e prejudica os juízes e promotores que vão continuar com as
apurações.
E
que mensagem Bolsonaro quer passar com a escolha de Moro?
Timothy J. Power: Bolsonaro é um político. Ele diz que não é, mas
qualquer político quer chamar para o gabinete os nomes mais aprovados pela
população. Poucas personalidades gozam de muita popularidade e é inegável que
Moro é um dos nomes mais conhecidos do Judiciário. É natural que seja feita
essa sondagem. Então, o que me surpreende não é o convite, é a decisão de Moro
de aceitar.
Bolsonaro ganhou a eleição porque existiam
duas clivagens no eleitorado: Primeiro, uma rejeição a 'tudo o que está
aí', do establishment, da classe política em geral. Ele se
apresentava como outsider. Mas a segunda clivagem é o antipetismo,
a rejeição ao partido e à figura do ex-presidente Lula. Para muitos
antipetistas o Moro era um santo, um herói dessa luta contra o PT. Então, Bolsonaro
está, de certa forma, consolidando esse laço antipetista.
A
nomeação de Moro não pode significar um fortalecimento da Polícia Federal e do
Ministério Público em investigações de corrupção?
Timothy J. Power: É uma hipótese. A Polícia Federal vinha ganhando
muita autonomia nos últimos anos. Não precisa de mais um impulso externo. O que
Bolsonaro está fazendo ou promete fazer via medida provisória é juntar vários
órgãos do governo federal, inclusive o COAF, para o superministério da Justiça.
O
Moro é especializado na investigação de lavagem de dinheiro. Mas acho que a
Polícia Federal já está bem sem essa necessidade (de reforço de autonomia). A
indicação do Moro tem um valor maior simbólico do que operacional.
Que
tipo de influência a presença de Moro pode ter na relação de Bolsonaro com os
outros Poderes, em especial com o Judiciário e o Supremo?
Timothy J. Power: Estou tentando ver um lado positivo. Acho que a
presença do Moro no governo poderia evitar duas coisas. a) Primeiro, pode vir a evitar ataques diretos à
independência do Judiciário e ao Supremo, porque caberia à figura do Moro
defender o Judiciário. b) E talvez possa mudar
um pouco o tom do Bolsonaro em relação à polícia e à violência urbana no
Brasil.
Bolsonaro
propõe um tipo de lei de Talião para o país inteiro. O Moro vem de outra
tradição. Pode ser que ele tenha um efeito positivo ao sentar à mesa com
outros ministros do governo que adotam uma visão mais linha-dura com
relação à atuação policial.
Em
2016, o senhor já dizia que a candidatura de Bolsonaro era competitiva, numa
época em que os outros especialistas não acreditavam que ele iria tão longe.
Por quê?
Timothy J. Power: Os astros teriam que estar bem alinhados para
Bolsonaro se eleger, mas eu acreditava e ainda acredito que o Brasil passa
por uma tempestade perfeita:
*
crise econômica muito prolongada,
*
uma crise política que se tornou mais aguda com o impeachment, a
crise da corrupção e a crise da segurança pública.
Então,
todos esses fatores levaram o Brasil a uma crise multidimensional.
Esse
tipo de crise favorece o surgimento de uma pessoa que se apresente como outsider. Ele não é um outsider
propriamente dito, é um deputado federal desde 1990. Mas, em termos de política
nacional, do Executivo, ele é um outsider. Se você era um eleitor
brasileiro que queria mandar um basta para a classe política, não havia melhor
opção que Bolsonaro.
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JAIR BOLSONARO Em caminhada pelas ruas de Juiz de Fora (MG), minutos antes do atentado contra sua vida Quinta-feira, 6 de setembro de 2018 |
Mas
uma parcela do eleitorado se identifica com as ideias de Bolsonaro.
Timothy J. Power: Sim, outro fator é a rejeição ao politicamente
correto, à autocensura das pessoas, aos avanços em políticas sociais e de
direitos humanos dos últimos governos. Muitas pessoas se opunham a essas
mudanças progressistas, mas não tinham uma voz para dizer isso. O Bolsonaro
falava abertamente. Então, muitos eleitores afirmavam que Bolsonaro articulava
politicamente o que eles pensavam silenciosamente. É a mesma coisa que os
eleitores americanos diziam do Trump. Quando comecei a ouvir esses comentários
no Brasil também, percebi que ele teria uma chance de tocar nesse ponto de
insatisfação.
O
Brasil tinha o que os especialistas chamavam de direita envergonhada, uma
direita que não se apresentava como tal publicamente, talvez por causa da
memória recente da ditadura militar. Hoje, parece que temos uma direita
orgulhosa. Como essa direita surgiu?
Timothy J. Power: Primeiro, a) surgiu
como uma reação à crise de segurança pública. É a versão brasileira da mano
dura que a gente observa na América Central, nas Filipinas e em outros
países. Isso torna mais legítimo o discurso anticrime. A nova direita
acredita que são dois os grupos que prejudicam o Brasil: os criminosos e os
defensores dos direitos humanos. Eles consideram os defensores dos direitos
humanos como defensores de bandidos. Esse é um discurso do Bolsonaro há muitos
anos.
De
certa forma, o Bolsonaro inovou esse discurso no Brasil e esses 50 deputados
que o seguiram para a Câmara ecoaram esse discurso. Tornou-se mais legítimo
dizer isso. Segundo, b) é o backlash
(reação negativa) a avanços em direitos raciais, de minorias de gênero e
direitos humanos em geral. Essa rejeição a esses avanços se dava nas salas
de jantar, mas Bolsonaro abriu caminho para expressar isso abertamente.
A
nova direita, que tem voz no PSL e no Partido Novo,
vai sentir liberdade de expressar uma nova identidade. E o ponto de
referência serão os 13 anos de governo do PT. Esses partidos vão se
apresentar como a melhor manifestação de hostilidade a esse período.
Bolsonaro
mandou mensagens distintas nas suas primeiras manifestações após a eleição. Ele
manteve a crítica forte ao PT e o ataque a parte da imprensa. Por outro lado,
disse que vai defender a democracia e as liberdades. O que essas primeiras
falas mostram sobre como será o futuro governo?
Timothy J. Power: De todas as candidaturas modernas à Presidência do
Brasil, nunca houve uma pessoa menos controlada por marqueteiros do que Jair
Bolsonaro. Ele não terceirizou a campanha dele como Lula fez em 2002.
Para entrar no mainstream da política brasileira, ele mudou o tom e os
símbolos do PT com muito sucesso. Isso foi uma terceirização do petismo para
marqueteiros. O Bolsonaro não passou por essa fase.
Os
filhos dele são os únicos assessores dele. É uma política familiar.
Então, o Bolsonaro não tinha muita orientação e instrução por marqueteiros. Ele
agia com base na forma como ele percebia o clima da campanha. Em momentos,
ele recuava e elogiava as instituições e a Constituição. Em outros momentos,
usava um tom mais agressivo quando se dirigia ao público. É o mesmo tom
esquizofrênico do Donald Trump. O que ele fala no comício, retira no dia
seguinte. Acho que teremos de nos acostumar com esse comportamento daqui
para frente.
Pelo
que se viu até agora, há algum indício de que Bolsonaro vá moderar seu tom? Ou
vai manter o discurso inflamado?
Timothy J. Power: Acho que a população gosta de políticos mais
autênticos, então, quem erra bastante e é intuitivo não é necessariamente
uma pessoa que não vai ter aprovação popular. Ele ganhou com folga a
eleição e ele vai ser, ao meu ver, um presidente popular e bem
avaliado nos primeiros anos.
O
que as pessoas admiram no Bolsonaro é o estilo, a comunicação direta, a
falta de autocensura. Bolsonaro hoje não deve nada a nenhum cacique partidário.
Quem é o presidente do PSL? Quem é o presidente da Câmara que vai condenar o
que Bolsonaro disser? Acho que ele vai manter o estilo intuitivo. Vai
errar pelo caminho, mas também tende a crescer em popularidade com essa
autenticidade.
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RONALD REAGAN & JAIR BOLSONARO |
E
o que se pode esperar da relação entre Bolsonaro e Congresso?
Timothy J. Power: Acho que Bolsonaro vai terceirizar a relação com
o Congresso para alguns políticos profissionais que ele já está convidando
para compor o gabinete. Ele deve se limitar a falar diretamente com a
população. A gente já viu esse estilo com outros presidentes. Ronald Reagan
era assim. Ele era bom comunicador, falava com a população e focava em
princípios bem básicos: família, segurança, soberania nacional. Mas no
dia-a-dia de política pública nua e crua, Bolsonaro não deve mexer.
Acho
que vai ter uma bifurcação na aprovação do governo e do presidente. As pessoas vão começar a
distinguir uma de outra. Uma coisa é o presidente, sua pessoa e sua fala
com a nação. Outra coisa é o desempenho do governo e a relação com o
Congresso. No primeiro mandato, Lula tinha aprovação 10 a 15 pontos
percentuais maior que a aprovação do governo. Com o Reagan era a mesma
coisa. Vejo um caminho parecido com Bolsonaro.
Para
aprovar reformas impopulares, ele vai ter de lançar mão dos mecanismos
tradicionais de negociação, do toma lá, dá cá?
Timothy J. Power: Eu não vejo alternativa. A classe política pode
tolerar essa esquizofrenia durante alguns meses ou um ano. A lua de mel
funciona durante um tempo, mas pode ser que (sem estímulos) os líderes do
Congresso se recusem a aprovar reformas radicais, como a reforma da
Previdência.
Qual
vai ser o papel do PT agora, como oposição?
Timothy J. Power: Existem dois caminhos. a) Um deles é o voltado para o passado: focar
no impeachment, a que eles chamam de golpe, e na prisão do Lula. A ida
de Moro para o Ministério da Justiça confirma para eles a visão de que a
Justiça era parcial e eles podem se atrair pela teoria conspiratória.
Seria um caminho ruim para o partido. É muito difícil se recuperar de um
discurso voltado para o passado.
b) O
outro caminho é olhar para o futuro. PT tem de passar por um período
de autocrítica e reflexão para lidar com o antipetismo no eleitorado. Fora
do Nordeste, o PT quase não existe como força eleitoral. Ele tem que se
perguntar: 'vamos voltar a ser um partido nacional ou vamos ser um partido
regional baseado no Nordeste?'.
Cid
Gomes e Ciro Gomes dizem que o PT elegeu Bolsonaro. Faz sentido essa afirmação?
Timothy J. Power: O Bolsonaro, durante todo o ano de 2018, estava
rezando para ter um segundo turno com o PT. Conseguiu e venceu. Se ele tivesse qualquer
outro adversário no segundo turno seria uma eleição muito mais competitiva.
Haddad
conseguiu 45% de votos, fruto da rejeição a Bolsonaro e da presença do PT no
Nordeste. Mas qualquer outro candidato, especialmente um candidato nordestino,
como Ciro Gomes, teria chances maiores no segundo turno.
Assista
a entrevista COMPLETA, clicando abaixo:
Fonte: BBC News Brasil em Londres – Sexta-feira, 2 de novembro de 2018 –
Internet: clique aqui.
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