De quem é a culpa?

 No Rio Grande do Sul, é hora de apontar o dedo

 Thiago Amparo

Advogado, é professor de Direito Internacional e Direitos Humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste) 

Expor responsabilidades não é crueldade, mas honrar as vítimas

É hora de apontar o dedo para a Prefeitura de Porto Alegre, sob a gestão de Sebastião Melo (MDB), que destinou zero real em 2023 para a prevenção contra enchentes e recusou a contratação de 443 funcionários para o DMAE (Departamento Municipal de Águas e Esgotos) — o qual, desde 2013, foi cortado pela metade. Não é surpreendente, portanto, que o sistema de contenção de cheias, datado da década de 1970, não tenha dado conta.

Prof. Thiago Amparo (FGV-SP)

É hora de apontar o dedo para o governo do Rio Grande do Sul, sob a gestão de Eduardo Leite (PSDB), pelo atraso de três dias na comunicação sobre a tragédia iminente, entre o primeiro boletim meteorológico (26/4) e a primeira postagem do governador (29/4, à noite), sem orientações claras à população. É hora de apontar o dedo a Leite por praticar “greenwashing[1]:

* em 2020, desconfigurou lei ambiental;

* em 2021, criou autolicenciamento ambiental privado; e,

* em 2024, permitiu barragens em áreas de preservação.

A Agência Lupa revelou que 90,17% das cidades gaúchas agora afetadas já passaram por emergências de chuvas nos últimos 11 anos.

É hora de apontar o dedo para o governo federal, sob a Presidência de Lula (PT), por ainda não ter liberado o Sistema de Alerta de Desastres, pronto há seis meses. Apenas 11,2% dos gaúchos estão cadastrados no sistema estadual de alertas. É hora de apontar o dedo a Lula por ter demorado para incluir adaptação climática ao PAC e por não defender a redução da exploração de combustíveis fósseis. É hora de apontar o dedo para o governo Dilma que, em 2015, enterrou o relatório Brasil 2040 que já antecipava calamidades climáticas como a do Sul.

É hora de apontar o dedo para a bancada bolsonarista que, em sua suma incompetência, prefere espalhar fake news a ajudar sua população; e ao Congresso Nacional que, no meio da crise, avança em pautas antiambientais. Numa democracia, apontar o dedo não é crueldade: é honrar as vítimas para que ninguém mais tenha sua casa e familiares arrastados por calamidades que poderiam ter sido evitadas e não o foram.


Nota

[1] – O anglicismo greenwashing ou banho verde indica a injustificada apropriação de virtudes ambientalistas por parte de organizações ou pessoas, mediante o uso de técnicas de marketing e relações públicas. Ou seja, é uma atitude hipócrita de quem não faz nada pelo meio ambiente e pelas pessoas sujeitas às crises que a sua degradação pode gerar!

 

Para saber, em detalhes, o que se passa no Rio Grande do Sul, leia o artigo:

Tragédia histórica expõe o quanto governo Leite ignora alertas e atropela política ambiental, clicando aqui.

Autoria de Luciano Velleda

 

Fonte: Folha de S. Paulo – Opinião/colunas e blogs – Quinta-feira, 9 de maio de 2024 – Pág. A2 – Internet: clique aqui (Acesso em: 09/05/2024).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A necessidade de dessacerdotalizar a Igreja Católica

Vocações na Igreja hoje

Eleva-se uma voz profética