Como nascem os extremos do clima
Crise climática produz cenários extremos, alterando probabilidade e frequência de grandes desastres
Reinaldo José Lopes
Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de “1499: O Brasil Antes de Cabral”
Mudanças criam um
mundo mais arriscado e imprevisível para nós e para o resto da biosfera
Afinal de
contas, até onde é possível afirmar que uma catástrofe como a que está
assolando o Rio Grande do Sul está ligada à crise climática antropogênica
(ou seja, causada pela nossa espécie)? Será que outros desastres, acontecidos
recentemente ou que ainda estão por vir, podem ser atribuídos a essa causa?
As respostas
não são simples, mas espero que esta coluna sirva como um guia para os
perplexos, esclarecendo os pontos mais importantes da lógica que liga eventos
climáticos extremos à crise global que a humanidade provocou.
A primeira
grande falácia que a gente precisa enfrentar ao falar sobre esse tema é o
uso de frases como “Ah, o clima sempre mudou!” ou “Mas e aquela enchente de
1941 em Porto Alegre, hein? Foi culpa do aquecimento global também?” – exemplos
clássicos de contar mentiras empregando verdades.
Sim, eventos
extremos sempre aconteceram e sempre acontecerão. Mas é preciso levar em conta
que o clima, como sistema complexo, funciona de maneira probabilística.
Isso significa que a crise climática antropogênica está alterando a
PROBABILIDADE de que desastres de grande monta aconteçam, simplesmente
porque eles ficam mais frequentes. A proverbial chuva que despencaria apenas
uma vez a cada século passa a acontecer a cada 50 anos ou 25 anos, digamos; a
que cairia uma vez por década passa a inundar a periferia todo ano.
Também é comum
as pessoas ficarem perplexas com a variedade de situações extremas – secas,
chuvas e até, de maneira contraintuitiva, nevascas – com a crise do clima.
Afinal, não é só a temperatura média do planeta que está aumentando?
Bem, acontece
que o aumento de temperatura é uma variável-chave do sistema climático, capaz
de influenciar uma série de outras coisas ao mesmo tempo. Talvez a mais
importante delas seja o fato de que uma atmosfera mais quente pode ser
comparada a uma esponja dentro da qual simplesmente “cabe” mais vapor d’água.
Dependendo do contexto sazonal, continental e local (perdão pelas rimas), isso pode significar uma capacidade muito maior de formação de nuvens de chuva, as quais podem devolver toda essa água com mais violência – o calor é uma espécie de “pé no acelerador” desse processo.
Aliás, o
mesmo pode valer para nevascas (nos lugares onde ainda neva, é claro).
Tenha em mente que, embora mexa com muitas coisas, o aquecimento
antropogênico não é capaz de mudar a inclinação do eixo de rotação da Terra,
que é o responsável pela existência de invernos e verões mundo afora. O
inverno dos países temperados pode ser mais fraco, mas ainda vem, e o vapor
d’água que foi se concentrando na atmosfera, em vez de despencar como
temporais, passa a despencar como nevascas (aliás, quem conhece essas
condições sabe que, em temperaturas muito baixas, nevar é menos provável).
Outro paradoxo
é que, de novo, dependendo de certas condições, o aumento da temperatura
pode ressecar de forma mais rápida e duradoura um ambiente, ou dificultar a
passagem de massas de ar com umidade. Resultado: secas mais inclementes.
Repito: a
chave são as mudanças nas probabilidades e frequências, que se juntam para
criar um mundo mais arriscado e imprevisível para nós e para o resto da
biosfera. “Ah, ninguém imaginava que isso podia acontecer”: imaginava, sim
senhor. Chega de enterrar a cabeça na areia feito avestruz.
PS – Se você quer entender, passo a passo,
os conceitos básicos sobre a crise do clima, recomendo fortemente ouvir os
breves e didáticos episódios do podcast Tortinha
de Climão, clicando aqui.
Fonte: Folha de S. Paulo – Ambiente/colunas e blogs – Domingo,12 de maio de 2024 – Pág. B6 – Internet: clique aqui (Acesso em: 13/05/2024).
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