9º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Homilia
Evangelho: Marcos 2,23―3,6
Frei
Alberto Maggi *
Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)
A religião somente serve se
liberta o ser humano
Estamos dentro do contexto do início do ministério de Jesus na Galileia (Mc 1,14―4,41), o texto escolhido para este domingo Mc 2,23―3,6 conclui uma sequência de controvérsias de Jesus com os líderes religiosos de seu tempo: sobre sua autoridade para perdoar pecados (Mc 2,1-12), o fato de comer com publicanos e pecadores (Mc 2,15-17) e sobre o jejum (Mc 2,18-22). Agora, a controvérsia é sobre as prescrições do sábado. Enfim, qual é o sentido do Dia do Senhor?
Marcos
2,23:**
«Jesus estava passando por uns campos de trigo, em dia
de sábado. Seus discípulos começaram a arrancar espigas, enquanto caminhavam.»
O sábado
era uma das principais instituições da religião judaica. A observância
do descanso sabático, desconhecido em outras culturas, era a característica
distintiva do judeu em meio ao mundo pagão. A motivação teológica para o
descanso sabático era que o homem, sem distinção de classe, livre ou escravo,
pudesse participar do descanso do Deus criador (cf. Ex 20,8-11; Dt 5,12-14).
Não
era um preceito para subjugar o ser humano, mas um dom, uma bênção. Com
o descanso que interrompe o trabalho, o ser humano torna-se semelhante a Deus,
senhor da criação e desfruta dela; portanto, é uma antecipação e uma promessa
da liberdade à qual ele é chamado.
De
instituição que pretendia enobrecer o homem, o sábado nas mãos dos
sacerdotes e dos escribas transformou-se em um dia de mortificação do ser
humano. A meticulosa interpretação legalista do mandamento fez com que este
dia em que o homem celebrava a sua liberdade se transformasse em um dia de
escravidão.
No
sábado, são proibidos 39 trabalhos principais, que são subdivididos
em 39 secundários, totalizando 1.521 trabalhos proibidos. Com o
farisaísmo, a observância do sábado tornou-se uma verdadeira obsessão que
efetivamente escravizou o homem.
Seus
discípulos começaram a “abrir caminho arrancando espigas”. Em vez do
verbo “caminhar”, o evangelista usa “abrir caminho”. Com a sua ação os
discípulos abrem um caminho que outros deverão seguir. O caminho é um êxodo
para fora da sociedade e da instituição judaica. Os discípulos abrem um
caminho arrancando espigas de trigo, não é um gesto inadvertido, mas uma ação
deliberada apesar de saberem que, no sábado, não se pode caminhar nem
arrancar espigas, trabalho equiparado à colheita, que aparece entre as 39
principais obras proibidas (cf. Mishná Shabbat 2,7).
O evangelista não explica o motivo pelo qual os discípulos colhem espigas. Ele não diz que é por fome, simplesmente porque é isso que eles têm vontade de fazer, por prazer, porque são livres.
Marcos
2,24: «Então os fariseus disseram a Jesus: “Olha! Por que eles
fazem em dia de sábado o que não é permitido?”»
Pontualmente, cada vez que Jesus liberta as pessoas, aparecem os fariseus. O artigo definido “os” fariseus, em vez de “alguns” fariseus, indica que se trata de todos os fariseus, que além disso aparecem repentinamente entre as espigas de trigo. A instituição religiosa com as suas leis, representada pelos fariseus, pesa como uma mortalha ameaçadora sobre a comunidade de Jesus. É o odre velho no qual se é tentado a colocar o vinho novo de Jesus (cf. Lc 6,37). Os fariseus não se dirigem aos discípulos, mas a Jesus. Afinal, eles responsabilizam o mestre pela maneira como seus discípulos agem. Jesus não apenas não monitora a observância da Lei, mas ele mesmo a transgride.
Marcos
2,25-26: «Jesus lhes disse: “Por acaso, nunca lestes o que Davi e
seus companheiros fizeram quando passaram necessidade e tiveram fome? Como ele
entrou na casa de Deus, no tempo em que Abiatar era sumo sacerdote, comeu os
pães oferecidos a Deus, e os deu também aos seus companheiros? No entanto, só
aos sacerdotes é permitido comer esses pães”.»
Com
muita ironia, Jesus remete os fariseus às Escrituras, perguntando se eles já
leram um episódio muito famoso contido no Primeiro Livro de Samuel
(21,1-7). Dirigida às pessoas que passam o dia estudando a Bíblia, a pergunta
assume um aspecto de reprovação! Cegos pelo seu fanatismo religioso, os
fariseus leem, mas não compreendem. Para compreender o significado da
Palavra de Deus é necessária uma atitude benevolente para com os seres humanos,
caso contrário, o texto permanece obscuro.
Neste episódio, Davi pediu ao sumo sacerdote que lhe
desse algo de comer para ele e seus companheiros e este lhe deu os doze pães
oferecidos a Deus todas as semanas, pães que eram reservados aos sacerdotes
(cf. Lv 24,5-9). Mas a diferença entre os dois episódios se destaca. Davi agiu
por fome, os discípulos não. O ponto comum entre os dois episódios é que
tanto Davi como Jesus estendem as suas faculdades aos seus seguidores.
Jesus perguntou aos fariseus se alguma vez tinham lido este episódio porque deveriam ter compreendido o significado: a necessidade do ser humano vem antes da honra dada a Deus.
Marcos
2,27: «E acrescentou: “O sábado foi feito para o homem, e não o
homem para o sábado.»
A língua grega distingue entre a fórmula plural “ta sábbata”, o dia de sábado, e “to sábbaton”, uma transliteração do hebraico shabbaton que significa o preceito de descanso tanto no dia de sábado como em outro dia festivo. Aqui, se trata do preceito do descanso, seja no sábado ou não. Jesus estabelece o papel do preceito do descanso na antiga aliança: era em função do ser humano, a fim de torná-lo mais livre, por isso ele foi estabelecido. O homem, imagem de Deus, não poderia ser um mero súdito sem liberdade, mas deveria, de alguma forma, expressar o seu senhorio. A afirmação da superioridade do homem sobre o preceito destrói a interpretação rigorista da Lei imposta pelos fariseus.
Marcos
2,28: «Portanto, o Filho do Homem é senhor também do sábado”.»
De
primordial importância é a oposição que este dito estabelece entre a expressão Homem
(literalmente: Filho do Homem) e o homem do dito anterior (vers.
27). O Homem por excelência é Jesus, portador do Espírito, Filho de Deus e
presença de Deus na terra. Mas a expressão inclui todos aqueles que participam
do seu Espírito. Em Jesus é revelada a plenitude à qual todo ser humano é
chamado.
No versículo anterior, Jesus fez uma declaração sobre o papel do sábado em relação ao homem-Adão. Deus não o criou para estar sujeito a uma Lei, mas para que, através dela, fosse imitador do próprio Deus. O preceito tinha a função de lembrar ao homem a sua vocação à liberdade. A Lei já não é mediadora entre Deus e o ser humano nem expressa a vontade de Deus para ele. Pois, através do Espírito que recebe, o relacionamento do homem com Deus agora é direto. Os seguidores de Jesus são emancipados da Lei.
Marcos
3,1: «Jesus entrou de novo na sinagoga. Havia ali um homem com a
mão seca.»
Desta
vez, Jesus não entra na sinagoga para ensinar (cf. Mc 1,21) nem para proclamar
a Boa Nova (cf. Mc 1,39), mas para curar aqueles que são vítimas da opressão
da instituição religiosa, mostrando-lhe os efeitos nocivos da sua doutrina.
Os
únicos personagens que aparecem na sinagoga são um homem, um personagem
anônimo, que não pronuncia uma palavra, e os fariseus que permanecem em
silêncio.
O
homem é caracterizado apenas pela sua deficiência, pelo seu braço atrofiado.
O termo grego kheir indica tanto a mão quanto o antebraço (cf. 1Rs 13,4
- grego). Este braço está atrofiado (grego: exêrammenê). O uso do tempo
perfeito indica o estado resultante de uma ação ou evento anterior, revelando
que a deficiência do indivíduo não é de nascença. Isto é, então, confirmado
pelo uso do verbo restabelecer (vers. 5). O termo “ressecado” é
idêntico (no vers. 3) ao usado pelo profeta Ezequiel no vale dos ossos ressecados:
“Filho do homem, estes ossos são toda a casa de Israel. Eles dizem: ‘Nossos
ossos estão secos, nossa esperança acabou, estamos exterminados!’” (Ez 37,11).
Marcos interpreta o texto do profeta atribuindo a falta de vida do povo ao seu estado de submissão ao legalismo farisaico. O inválido representa todas as pessoas que frequentam a sinagoga. Ao fazê-lo, Marcos indica que a paralisia da atividade, a incapacidade de iniciativa e de criatividade são o efeito geral da influência do ensino farisaico sobre o povo.
Marcos
3,2: «Alguns o observavam para ver se haveria de curar em dia de
sábado, para poderem acusá-lo.»
Quem está à espreita são os fariseus, mencionados posteriormente (vers. 6), os mesmos que questionaram Jesus sobre a conduta dos discípulos (cf. Mc 2,24). Diante das críticas que Jesus lhes dirige, eles não reagem revendo sua atitude e continuam apegados às suas posições e dispostos a tudo, por isso estão agora à espreita. Eles usam a própria Lei como instrumento, procuram uma razão legal para denunciar Jesus. A Lei, nas mãos dos fariseus, ou se torna um instrumento para paralisar o povo ou um instrumento de acusação contra aqueles que ousam contradizê-los.
Marcos
3,3: «Jesus disse ao homem da mão seca: “Levanta-te e fica aqui
no meio!”»
Jesus faz o homem realizar duas ações muito importantes. A primeira é levantar-se, assumir a posição do homem livre, manifestar-se em toda a sua estatura, libertando-se da submissão a uma religião que quer o ser humano prostrado. O segundo comando é colocar-se no centro. O centro de interesse da instituição religiosa era a Lei. Jesus coloca o ser humano e as suas necessidades no centro. A instituição religiosa deve funcionar para o bem do ser humano! Este é o único critério para julgar a sua validade.
Marcos
3,4: «E perguntou-lhes: “É permitido no sábado fazer o bem ou
fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?” Mas eles nada disseram.»
Jesus
tenta fazer compreender aos fariseus a contradição que implica a sua
interpretação da Lei e a observância que exigem do povo. Os fariseus
instrumentalizaram Deus tornando-o cúmplice da opressão e da morte que
infligem. Para Jesus, o bem do ser humano consiste na atividade livre que o
desenvolve. Para os fariseus é submissão ao código da Lei.
O silêncio dos fariseus é eloquente. Não só não toleram fazer o bem ao homem, restituindo-lhe a capacidade de liberdade e de ação que Deus lhe deu, mas ameaçam matar quem quiser libertá-lo. Para os fariseus, a fidelidade a Deus nada tem a ver com o interesse pelo bem do ser humano. A única coisa importante é que seja preservada a obediência ao que propõem como Lei de Deus, que nada mais é do que a sua própria ideologia absolutizada.
Marcos
3,5: «Jesus, então, olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque
eram duros de coração; e disse ao homem: “Estende a mão”. Ele a estendeu e a
mão ficou curada.»
O
silêncio dos fariseus, que mostra a sua obstinação nos seus propósitos,
provoca a indignação de Jesus. Ele olha para todos eles com ira. Marcos mostra
o antagonismo de Jesus contra aqueles que usam o nome de Deus para impedir o
plano divino, a liberdade do ser humano, tornando-o vítima de uma lei
religiosa. Porém, combinado com a raiva, Jesus sente tristeza. A ira
corresponde ao mal que os fariseus fazem ao subjugar o povo e impedir o seu
desenvolvimento humano. A tristeza se deve à cegueira incurável desses
homens que ao mal chamam bem e ao bem, mal (cf. Is 5,20). Eles também são
dignos de compaixão: são outro exemplo da obra perdida de Deus. Ambas as
reações surgem do amor: a ira, do amor pelas pessoas; tristeza por amor aos
próprios fariseus.
A reação de Jesus não é violenta, mas um desafio corajoso. A oposição dos líderes espirituais não impede a sua ação. Estender o braço significa exercitar sua capacidade de agir. Jesus devolve-a ao homem, permitindo-lhe a sua livre iniciativa. O inválido cumpre a ordem de Jesus e seu braço volta ao normal, como estava antes de ser seco pela submissão à sinagoga. A ordem que dá ao enfermo significa que Jesus exorta e convida os homens, de todas as maneiras, a optarem pela liberdade e pela vida. Quem responde recupera a sua humanidade.
Marcos
3,6: «Ao saírem, os fariseus com os partidários de Herodes, imediatamente
tramaram, contra Jesus, a maneira como haveriam de matá-lo.»
A
reação dos fariseus é imediata. O problema para eles é da maior gravidade.
Agora, já não pensam em denunciar Jesus, como tinham em mente, mas, sem esperar
a decisão do tribunal, pensam diretamente em como eliminá-lo. Mas não querendo
ser os executores materiais do assassinato, para salvar a face diante do
povo, procuram a aliança com o poder político, representado pelo seu
inimigo histórico: Herodes Antipas, o tetrarca da Galileia, o assassino
de João, o Batista (cf. Mc 6,16).
Afinal, Jesus é um perigo não só para o poder religioso, mas também para o poder político. Ambos os poderes apoiam-se mutuamente. Embora se odeiem, eles têm uma necessidade vital um do outro. Um casamento de interesse. O poder religioso precisa de poder político para transformar os preceitos religiosos em leis civis. O poder civil necessita do apoio da religião para impor as suas leis e manter o povo submisso. A submissão religiosa garante a submissão civil; um deus despótico legitima o despotismo.
* Traduzido e editado do italiano por Pe.
Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
«Com efeito, a letra mata, mas o Espírito faz viver.»
(2 Coríntios 3,6b)
O Evangelho deste domingo constitui um sério alerta sobre o perigo que pode representar uma prática religiosa legalista, rigorista, meramente exterior! Se a religião não promove o bem do ser humano ela não vem de Deus nem leva-nos até ele! Afinal, o Deus que Jesus veio nos revelar é um Deus que se importa, se compromete, se sensibiliza por tudo aquilo que se passa na vida do ser humano.
Aliás, isso não é uma exclusividade da revelação cristã. No Antigo Testamento, o judaísmo já nos apresenta um Deus empático com a dor do ser humano: “Eu vi a humilhação de meu povo no Egito e ouvi seu clamor por causa da dureza dos feitores. Sim, eu conheço seu sofrimento. Desci para livrá-los das mãos dos egípcios...” (Ex 3,7-8a). Os grifos destacam três verbos importantes: ver, ouvir e conhecer. Pois bem, Deus é o sujeito dos três verbos, demonstrando a sua iniciativa, a sua atenção e interesse pelo seu povo.
O maior perigo de todas as religiões, inclusive a nossa, a cristã, é deixar-se dominar pela realidade exterior: ir ao culto/eucaristia, receber os sacramentos e cumprir com os preceitos básicos. Isso, sem a experiência íntima, profunda e autêntica com o Cristo, de nada vale! No cristianismo, o fundamental é o encontro com a Palavra de Deus, que é seu Filho (cf. Jo 1). Para aqueles que desejam seguir, verdadeiramente, Jesus Cristo, de nada serve um conhecimento intelectual, racional e memorizado das Sagradas Escrituras, sem que o Cristo habite, de fato, no coração daqueles afirmam conhecê-lo (cf. Jo 1,12-13)!
Por isso, uma religião e uma fé que não levem as pessoas a se envolverem, a se preocuparem e se ocuparem umas das outras, não são provenientes de Deus nem conduzem a Deus! O exemplo que Jesus dá na segunda cena do Evangelho deste domingo é claríssimo! Ele, ao entrar na sinagoga de Cafarnaum, não consegue tomar parte do culto sem antes e principalmente, realizar o bem: curar o homem com a mão/braço ressequidos, paralisados. O bem, a felicidade e a dignidade do ser humano são postos antes do culto a Deus! Diante disso, não há necessidade de se dizer mais nada! Quem, mesmo assim, não estiver totalmente convencido, basta ler uma das mais importantes parábolas, aquela do juízo universal, em Mateus 25,31-46!
«Nós te louvamos, Senhor Jesus, neste
dia tu convidas muitos a encontrar-se na unidade de “um só coração e uma só
alma” e fazes que na amabilidade do acolhimento, na intensidade da oração, na
generosidade da caridade, na variedade dos ministérios, manifeste-se
visivelmente a verdadeira face da tua Igreja. Verdadeiramente este é o dia da
Igreja, do povo dos redimidos a caminho da unidade perfeita. Amém.»
(Fonte: GOBBIN, Marino, O.Carm. Orazione finale.
In: CILIA, Anthony, O.Carm [a cura di]. Lectio Divina sui vangeli festivi:
per l’anno liturgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 393)
Fonte: Comentário inédito, fornecido pelo autor – 22 maggio 2024.
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