A crise ambiental existe, não é teoria
Desastres como o do RS têm potencial para furar bolha do negacionismo
Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em Sociologia pela Universidade
de Oxford (Inglaterra) e autor do livro: “PT, uma História” Tanque do Exército é utilizado em trabalhos de resgate em área alagada em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul - Diego Vara - 10.mai.24/Reuters
Bolsonarismo lança
campanha de desinformação que não se via desde a pandemia de Covid-19
Quem mente que
não há aquecimento global tem tudo para ser popular. Afinal, está dizendo para o público
que ninguém precisa fazer nada, que o problema não existe. A preguiça muitas
vezes faz ideias ruins que não dão trabalho parecerem boas.
Além disso, é
fácil mentir que o Brasil será mais rico se for possível plantar mais perto dos
rios, se for possível fazer pastos ou minas onde hoje há florestas. O
sujeito que desmata tem um benefício tangível para si, mais soja, mais minério,
e ainda pode apresentar isso como "riqueza para o Brasil".
É mais difícil
explicar que o dano ambiental pode reduzir nosso potencial de crescimento
permanentemente. Mesmo sendo óbvio que o Brasil não é pobre porque tem poucas
plantações ou minas, mas sim porque a produtividade de nossa economia é baixa.
Quem não
desmata reduz o risco de enchentes e secas para todo mundo: com uma ou duas tragédias como a
gaúcha evitadas, já economizaríamos mais patrimônio (para não falar em vidas)
do que com uma nova mina.
Mesmo assim, um
quilo de minério é mais fácil de visualizar do que uma queda de 20% no risco de
seu filho ser tragado pela enchente. Especialmente se a turma que desmata
puder contar com políticos e influencers que vão te fazer desconfiar de quem
sabe fazer essa conta.
Desastres como
as enchentes do Rio Grande do Sul têm potencial para furar a bolha do
negacionismo. Um quilo de minério é mais palpável que uma queda no risco de
desastre. Mas Porto Alegre inundada é ainda mais palpável que toneladas de
minério.
Por isso os
negacionistas estão tentando desesperadamente fazer com que a conversa sobre a
tragédia no Sul seja sobre qualquer outra coisa que não o que importa.Centro de Porto Alegre (RS) inundado pelas águas do rio Guaíba - maio/2024
Enquanto as
autoridades responsáveis organizam o resgate e planejam a reconstrução, o
bolsonarismo lançou uma campanha de desinformação que não se via desde a
pandemia de Covid-19. O prefeito bolsonarista de Farroupilha,
Fabiano Feltrin, fez um vídeo
fake para suas redes sociais antes de protocolar o pedido de dinheiro federal
para sua cidade.
Eles não
querem que você pense sobre aquecimento global enquanto vê, com seus próprios
olhos, o desastre causado pela depredação ambiental. Querem que você pense sobre o Lula,
sobre a Janja, sobre o Eduardo Leite, sobre a Madonna, e que só voltem a pensar
sobre meio ambiente quando o senso de urgência tiver ido embora e a preguiça
estiver de novo no comando.
Também sabem
que o bolsonarismo sempre sai perdendo quando a população vê governo
trabalhando. O que o governo Lula está fazendo é o básico, mas Bolsonaro
não fez o básico durante a pandemia. Comparem, por exemplo, a atitude de
Lula diante de Leite durante as enchentes com a sabotagem de Bolsonaro à
vacinação promovida por João Doria no Governo de São Paulo.
Finalmente, os
extremistas não podem deixar que os brasileiros se unam para salvar os gaúchos.
Se a temperatura da disputa política baixar, se voltarmos a falar como
adultos, nenhum deles terá o que acrescentar à conversa.
E, mesmo assim, talvez eles vençam. A agenda ambiental em discussão no
Congresso parece muito mais com a dos influencers com suas fake news do que com
a dos cientistas que previram a tragédia gaúcha. Aquecer o planeta dá
dinheiro e talvez também dê voto.
Fonte: Folha de S. Paulo – Política – Domingo, 12 de maio de 2024 – Pág. A10 – Internet: clique aqui (Acesso em: 13/05/2024).
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