Brasil, um país de solteiros
Pollyane Lima e Silva e Cecília Ritto
Pesquisa por Amostra de Domicílios (Pnad) mostra que 48,1% da população se declara solteira. Entre 2009 e 2011, 800 mil pessoas passaram a morar sozinhas
Rodolfo Fiorderize mudou de cidade a trabalho e foi morar sozinho (foto: Marcos Michael) |
O dado indica principalmente um enfraquecimento da formalização de relacionamentos conjugais. Entre os solteiros podem estar, por exemplo, casais que têm relação estável, morando ou não no mesmo domicílio. Pela primeira vez, a Pnad buscou identificar, de forma independente, o estado civil declarado e a existência ou não de união estável. Dos 57,1% (85,5 milhões de pessoas) que vivem em união, 37,2% estão em um casamento civil e/ou religioso, e 19,8% apenas em união consensual. Deste último grupo, 76,6% se declaram solteiros, apesar de viverem com um parceiro.
Disseram não ter vida conjugal em 2011 42,9% da população, ou 64,3 milhões de pessoas a partir dos 15 anos.
A tendência de redução de relações formais é detectada simultaneamente ao crescimento dos lares com apenas um morador – detectada nos últimos anos nos Estados Unidos e na Europa. Do levantamento anterior, realizado em 2009, para o atual, 800.000 pessoas passaram a viver sozinhas em uma residência, totalizando 7,8 milhões de moradores individuais. Entre os domicílios, esse grupo foi o que apresentou o acréscimo mais acentuado. O movimento ajudou a rebaixar a densidade domiciliar total de país, que passou de 3,3 para 3,2 moradores por domicílio, em média. Regionalmente, o Centro-Oeste apresentou o maior porcentual de casas com apenas um morador, 13,8%, liderança que em 2009 pertencia ao Sudeste, com 13,1%.
O aumento de domicílios de apenas um morador aproxima o país de uma tendência global em nações desenvolvidas. A estatísticas oficiais do Reino Unido de 2011 indicam que, entre os britânicos, 7,7 milhões de pessoas que moram sozinhas - o que representa 29% do total de domicílios. Já nos Estados Unidos, um em cada quatro americanos moram sozinhos atualmente - e em Nova York esse é o tamanho de metade dos domicílios.
Alguns fatores convergem para o crescimento do número de brasileiros que optam ou são levados a morar sozinhos. O administrador paulista Rodolfo Fiorderize, de 23 anos, foi motivado pelo desafio do trabalho e a vontade de ter o próprio espaço. Em julho de 2011, ele pisou no Rio de Janeiro pela primeira vez, para permanecer por tempo indeterminado. Foi transferido de cidade para participar da fundação da equipe de governança corporativa de uma grande construtora. A mudança antecipou a vontade de morar sozinho que alimentava desde os 15 anos.
Os altos preços da zona sul carioca o empurraram para um apartamento de cerca de 30 metros quadrados, quarto e sala, no bairro do Flamengo, perto de onde trabalha. No espaço exíguo, a geladeira fica ao lado da máquina de lavar na sala, que é separada do quarto só por um biombo. “Precisei de muita criatividade”, conta ele, sobre a divisão do espaço. “A gente passa a controlar a higiene da casa, a exposição das coisas, a decidir se terá produto de limpeza e comida. É um benefício maior do que a liberdade. As pessoas tendem a falar de liberdade. Mas acho que a vantagem é mudar a visão de vida”, destaca Rodolfo.
O arquiteto carioca Antônio Gomes, de 27 anos, foi atrás de mais privacidade ao deixar a casa onde morava com os pais, o irmão, a avó e o cachorro para viver em um quarto e sala no bairro de Botafogo. “Tenho um horário diferente das pessoas ‘normais’. Gosto de ficar acordado trabalhando nos meus projetos de madrugada e de dormir na parte da manhã. É difícil conciliar isso quando se tem cinco pessoas morando em um mesmo apartamento”, diz. “E eu gosto que as coisas estejam arrumadas do meu jeito, que a geladeira tenha as coisas que eu escolhi, e de poder convidar quem eu quiser, a qualquer hora, sem medo de incomodar ninguém”.
Antônio Gomes: "Gosto que as coisas estejam arrumadas do meu jeito" |
O produto acaba mudando quando a pessoa decide morar sozinha. Ela privilegia prédios que ofereçam facilidades, como:
- uma academia de ginástica,
- um espaço gourmet no térreo para receber pessoas,
- uma lavanderia para suprir a falta de espaço no apartamento.
- Também procuram empreendimentos com centrais de serviços como o das camareiras e das faxineiras.
No Rio, o panorama é diferente por causa de uma lei municipal, de 1981, que proíbe a construção de apartamentos menores do que 50 metros quadrados. “Não há lançamento de quarto e sala, loft, kitnet há muitos anos. A área mínima estipulada na cidade já é grande para apenas um quarto”, afirma o vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio (Ademi-RJ), Paulo Fabbriani. Portanto, enquanto em São Paulo o crescimento do número de solteiros morando sozinhos é bem atendido por novos empreendimentos, no Rio, para se manter na zona sul, o luxo tem de se deixado de lado. “São poucas unidades de um quarto em uma região altamente valorizada. Se lançar um quarto e sala hoje, no Rio ou em qualquer lugar, vai vender tudo em dois minutos.”
Eletrodomésticos – As configurações de conforto e decoração também se adaptam para um país com mais residências individuais. Entre as Pnads de 2009 e 2011, os bens duráveis que apresentaram percentual mais elevado de crescimento foram o microcomputador com acesso à internet (39,6%), seguido de microcomputador (29,5%) e celular (26,7%). Outro item com elevação expressiva – 20,3% no período – foi a máquina de lavar roupa, eletrodoméstico indispensável para um solteiro que vive sozinho e não quer perder tempo (nem tem jeito) lavando suas peças à mão.
A Whirlpool Latin America, dona das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid, procura se antecipar a esses movimentos demográficos. Pessoas que moram sozinhas, em apartamentos cada vez menores, muitas vezes com a cozinha integrada à sala, adicionam uma nova exigência aos produtos: design. “Os espaços pequenos antes eram mais fragmentados. A tendência agora é ficar cada vez mais aberto, no estilo loft. O design desse aparelho pode compor a decoração”, explica Mario Fioretti, gerente-geral de Design e Inovação da empresa.
“O padrão do ‘single’ é aquele que saiu de casa, extremamente urbano. Muitos deixaram o interior e foram para a capital paulista, têm boa renda, considerando o estágio da vida em que estão, e exigem conforto e praticidade”, descreve Fioretti. A linha Brastemp retrô, por exemplo, foi pensada para os apartamentos nos quais os eletrodomésticos fazem parte da decoração. Outro ponto importante para atender essa demanda é pensar que, apesar de morarem em locais pequenos, essas pessoas têm o costume de receber amigos. “São sozinhos só na nomenclatura. É um pessoal que se reúne constantemente, para fazer festa, assistir a jogos. O refrigerador, por exemplo, tem de atender o hábito de vida, não só a pessoa”, esclarece, ressaltando que o solteiro não é, necessariamente, solitário.
Fonte: VEJA.COM - 21/09/2012 - 10h33 - Internet: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/pnad-2011-brasil-um-pais-de-solteiros
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