«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

"A Igreja retrocedeu 200 anos. Por que temos medo?''

Última entrevista do Cardeal Carlo Maria Martini

Georg Sporschill e Federica Radice Fossati Confalonieri
Corriere della Sera (Milão - Itália)
01-09-2012

Card. Carlo Maria Martini - recém falecido
O padre Georg Sporschill, o coirmão jesuíta que entrevistou o cardeal em Diálogos noturnos em Jerusalém, e Federica Radice se encontraram com Martini no dia 8 de agosto: "Uma espécie de testamento espiritual. O cardeal Martini leu e aprovou o texto".

Eis a entrevista.

Como o senhor vê a situação da Igreja?

Card. Martini: A Igreja está cansada na Europa do bem-estar e na América. A nossa cultura envelheceu, as nossas igrejas são grandes, as nossas casas religiosas estão vazias, e o aparato burocrático da Igreja aumenta, os nossos ritos e os nossos hábitos são pomposos. Essas coisas expressam o que nós somos hoje? (...)

O bem-estar pesa. Nós nos encontramos como o jovem rico que, triste, foi embora quando Jesus o chamou para fazer com que ele se tornasse seu discípulo. Eu sei que não podemos deixar tudo com facilidade. Menos ainda, porém, poderemos buscar pessoas que sejam livres e mais próximas do próximo, como foram o bispo Romero e os mártires jesuítas de El Salvador. Onde estão entre nós os nossos heróis para nos inspirar? Por nenhuma razão devemos limitá-los com os vínculos da instituição.

Quem pode ajudar a Igreja hoje?

Card. Martini: O padre Karl Rahner usava de bom grado a imagem das brasas que se escondem sob as cinzas. Eu vejo na Igreja de hoje tantas cinzas sobre as brasas que muitas vezes me assola uma sensação de impotência. Como se pode livrar as brasas das cinzas de modo a revigorar a chama do amor? Em primeiro lugar, devemos procurar essas brasas. Onde estão as pessoas individuais cheias de generosidade como o bom samaritano? Que têm fé como o centurião romano? Que são entusiastas como João Batista? Que ousam o novo como Paulo? Que são fiéis como Maria de Mágdala? Eu aconselho o papa e os bispos a procurar 12 pessoas fora da linha para os postos de direção. Pessoas que estejam perto dos pobres e que estejam cercadas por jovens e que experimentam coisas novas. Precisamos do confronto com pessoas que ardem, de modo que o espírito pode se difundir por toda parte.

Que instrumentos o senhor aconselha contra o cansaço da Igreja?

Card. Martini: Eu aconselho três instrumentos muito fortes. [1º] O primeiro é a conversão: a Igreja deve reconhecer os próprios erros e deve percorrer um caminho radical de mudança, começando pelo papa e pelos bispos. Os escândalos da pedofilia nos levam a tomar um caminho de conversão. As questões sobre a sexualidade e sobre todos os temas que envolvem o corpo são um exemplo disso. Estes são importantes para todos e, às vezes, talvez, são até importantes demais. Devemos nos perguntar se as pessoas ainda ouvem os conselhos da Igreja em matéria sexual. A Igreja ainda é uma autoridade de referência nesse campo ou somente uma caricatura na mídia?

[2º] O segundo é a Palavra de Deus. O Concílio Vaticano II restituiu a Bíblia aos católicos. (...) Somente quem percebe no seu coração essa Palavra pode fazer parte daqueles que ajudarão a renovação da Igreja e saberão responder às perguntas pessoais com uma escolha justa. A Palavra de Deus é simples e busca como companheiro um coração que escute (...). Nem o clero nem o Direito eclesial podem substituir a interioridade do ser humano. Todas as regras externas, as leis, os dogmas nos foram dados para esclarecer a voz interior e para o discernimento dos espíritos.

[3º] Para quem são os sacramentos? Estes são o terceiro instrumento de cura. Os sacramentos não são uma ferramenta para a disciplina, mas sim uma ajuda para as pessoas nos momentos do caminho e nas fraquezas da vida. Levamos os sacramentos às pessoas que precisam de uma nova força? Eu penso em todos os divorciados e nos casais em segunda união, nas famílias ampliadas. Eles precisam de uma proteção especial. A Igreja sustenta a indissolubilidade do matrimônio. É uma graça quando um casamento e uma família conseguem isso (...).

A atitude que temos com relação às famílias ampliadas irá determinar a aproximação à Igreja da geração dos filhos. Uma mulher foi abandonada pelo marido e encontra um novo companheiro que cuida dela e dos seus três filhos. O segundo amor prospera. Se essa família for discriminada, não só a mãe é cortada fora, mas também os seus filhos. Se os pais se sentem fora da Igreja, ou não sentem o seu apoio, a Igreja perderá a geração futura. Antes da Comunhão, nós rezamos: "Senhor, eu não sou digno...". Nós sabemos que não somos dignos (...). O amor é graça. O amor é um dom. A questão sobre se os divorciados podem comungar deve ser invertida. Como a Igreja pode ajudar com a força dos sacramentos aqueles que têm situações familiares complexas?

O que o senhor faz pessoalmente?

Card. Martini: A Igreja ficou 200 anos para trás. Como é possível que ela não se sacuda? Temos medo? Medo ao invés de coragem? No entanto, a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a coragem. Eu sou velho e doente e dependo da ajuda dos outros. As pessoas boas ao meu redor me fazem sentir o amor. Esse amor é mais forte do que o sentimento de desconfiança que às vezes eu percebo com relação à Igreja na Europa. Só o amor vence o cansaço. Deus é Amor. Eu ainda tenho uma pergunta para você: o que você pode fazer pela Igreja?

Tradução de Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Segunda-feira, 3 de setembro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/513075-a-igreja-retrocedeu-200-anos-por-que-temos-medo-a-ultima-entrevista-de-martini
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Martini, a escrita e a palavra

Enzo Bianchi *
La Stampa
01-09-2012

A docilidade à Palavra fez de Martini um dos raros eclesiásticos em que não se encontravam nem táticas, nem estratégias, nem cálculos de governo, mas sim a parrésia evangélica de quem se confia ao Senhor.
O Arcebispo de Milão, Angelo Scola, preside o funeral do cardeal Carlo Maria Martini, que morreu aos 85 anos na última sexta-feira (31) após longa batalha contra o mal de Parkinson
Ele se foi acompanhado pela oração de toda a diocese, dos seus coirmãos jesuítas, daqueles que o amaram e lhe foram próximos durante o seu ministério pastoral e os últimos anos marcados pela doença e pelo progressivo enfraquecimento da voz e das forças.

Ele se foi acompanhado também pelo pensamento agradecido – talvez também pela oração – de muitos que não são cristãos e nem mesmo crentes, mas que encontraram nele um pastor, um padre, um amigo, um confidente. Ele nos deixou em uma cama de doente, lugar onde ele quisera encerrar o seu ministério de bispo em Milão: nos últimos meses do seu episcopado, ele ia todos os dias, no silêncio e na discrição, saudar um por um os seus presbíteros doentes, indo encontrar-se com eles nas suas casas, nos hospitais, nos centros de tratamento... 

Além disso, precisamente a partir dos doentes ele quisera iniciar a sua missão em Milão: a primeira paróquia por ele visitada foi a de Nossa Senhora de Lourdes, por ocasião do dia do doente: sinal tangível da sua consciência de ser pastor como discípulo fiel do Senhor que veio como médico para os doentes e não para os sãos, mais solícito para com os pecadores do que para os justos.

Homem das Escrituras, entre os mais eminentes estudiosos do Novo Testamento, foi homem da Palavra no sentido mais profundo do termo: lida, estudada, meditada, rezada, amada, a palavra de Deus para Martini era "lâmpada para os seus passos, luz para o caminho" e era também, e justamente por isso, chave de leitura do agir próprio e alheio, lugar de escuta, de discernimento, de visão profética. 

Ele quis dedicar a sua primeira carta pastoral à "Dimensão contemplativa da vida", àquela busca do essencial através de um olhar clarividente, desejoso de assumir a própria visão de Deus sobre as pessoas e sobre os acontecimentos, um olhar que só a assiduidade com palavra de Deus chega para refinar. 

E o homem, cristão, bispo da Palavra, Martini o foi também pela sua grande capacidade de escuta: encontrá-lo era experimentar pessoalmente o que é um ouvido atento e um coração acolhedor, o que significa pensar e rezar antes de formular uma resposta, captar o dito a partir das poucas palavras proferidas pelos interlocutor, entender os seus silêncios. Da escuta atenta da Palavra e do outro, nascia no cardeal Martini a capacidade de gestos proféticos, a solicitude pela Igreja e pela sua unidade, a proximidade aos pobres, o fazer-se próximo dos distantes, o diálogo com os não crentes até considerá-los seus próprios mestres aos quais podia confiar cátedras para a busca do sentido das coisas e da dignidade das pessoas. 

E essa docilidade à Palavra fez dele um dos raros eclesiásticos em que não se encontravam nem táticas, nem estratégias, nem cálculos de governo, mas sim a parrésia evangélica de quem se confia ao Senhor.

Entre os inúmeros encontros que tive com ele ao longo de uma longa amizade – nascida no inverno de 1977, quando ambos estávamos em Jerusalém –, eu gostaria neste momento de recordar a sua última visita a Bose, quando as forças já começavam a abandoná-lo sem minimamente atacar a sua lucidez e a sua paixão pelo Evangelho e pela "corrida da Palavra" entre os homens e mulheres do nosso tempo. 

"Eu já vejo diante de mim a vida eterna – disse-nos com grande simplicidade e força –, eu vim para dar a vocês a minha última saudação, o meu obrigado ao Senhor por esta longa amizade no Seu nome: conto com a oração e com o afeto de vocês". E assim, como um pai cheio de solicitude, ele nos falou da morte e do morrer, da ressurreição e da vida: "Morre-se sozinho! No entanto, como Jesus, quem morre em Deus sabe-se acolhido pelos braços do Pai que, no Espírito, preenche o abismo da distância e faz nascer a eterna comunhão da vida. Na luz da ressurreição de Jesus, podemos intuir algo do que será a ressurreição da carne. A antecipação vigilante da ressurreição final está em toda beleza, em todo júbilo, em toda profundidade da alegria que atinge também o corpo e as coisas".

Sim, ter conhecido e amado o cardeal Martini, ter tido o grande dom da sua amizade foi ocasião desse júbilo e dessa alegria profunda, significou compreender por que os Padres da Igreja costumavam dizer que os discípulos autênticos do Senhor são sequentiae sancti Evangelii, trechos do Evangelho, narrações do amor de Deus por toda a humanidade

Por isso, o sentimento de gratidão ao Senhor pelo dom que foi o padre Carlo Maria Martini, como simplesmente ele se fazia chamar nestes últimos anos, habita os corações de muitos, muito além das fronteiras da diocese ambrosiana.

Tradução de Moisés Sbardelotto.

* Enzo Bianchi, monge e teólogo italiano, prior e fundador da Comunidade de Bose.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Segunda-feira, 3 de setembro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/513104-martini-a-escrita-e-a-palavra-artigo-de-enzo-bianchi

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