MORREU MARTINI, O BISPO DO DIÁLOGO


La Repubblica
(Roma - Itália)
31-08-2012

Cardeal Carlo Maria Martini - ex-arcebispo de Milão (Itália)
O anúncio do falecimento foi dado pelo cardeal Scola. O neurologista Gianni Pezzoli estava tratando o arcebispo emérito de Milão há anos: "Ele permaneceu lúcido até as últimas horas". O funeral será na Catedral de Milão na próxima segunda-feira.
Carlo Maria Martini morreu no Aloisianum, o instituto filosófico dos jesuítas em Gallarate, na Itália, que havia se tornado a casa do arcebispo emérito de Milão desde 2008, quando ele voltou da Terra Santa para tratar o Parkinson.

O cardeal, nascido em Turim em 1927 e que justamente neste ano havia festejado os 60 anos de sacerdócio, nunca escondeu os tormentos da doença que o atingira assim como com João Paulo II, mas sempre a enfrentou com coragem até o fim. Uma coragem, um "ânimo sereno" e um "confiante abandono à vontade do Senhor" reconhecidos pelo Papa Bento XVI na mensagem de condolências dirigida ao arcebispo de Milão, Angelo Scola, aos familiares e a toda a diocese pela perda de um homem ou, melhor, de "um querido irmão que serviu generosamente ao Evangelho e à Igreja".

O último adeus na Catedral

Milão dará o último adeus ao cardeal no velório que será realizado no sábado, a partir das 12h, na catedral, onde o féretro será recebido por todos os bispos da Lombardia, enquanto o funeral será concelebrada pelo arcebispo Scola na catedral na segunda-feira à tarde: também estará presente o primeiro-ministro italiano Mario Monti.

Ainda na segunda-feira, a prefeitura de Milão decidiu proclamar um dia de luto na cidade e convidou os milaneses a observar um minuto de silêncio às 16h, quando iniciará a função. "Carlo Maria Martini – explicou o prefeito Giuliano Pisapia – iluminou o caminho de toda a cidade, não só de uma parte. Por isso, ainda mais hoje, Milão chora pelo 'seu' arcebispo"

No sábado [01/09/2012], em sinal de luto, as visitas à catedral e aos terraços estarão suspensos. Às 8h30, será celebrada na catedral uma missa de sufrágio aberta a todos os fiéis. Às 9h, a catedral será fechada para reabrir às 12h, com a chegada dos restos mortais.

O velório estará aberto também à noite. O corpo irá chegar à catedral atravessando a praça e, depois de uma breve pausa na praça, será deposto na nave central da catedral, diante do altar maior. Para os fiéis será possível prestar uma última homenagem ao corpo a partir das 12h de sábado e durante toda a tarde e noite, e no domingo e segunda-feira até às 11h30

A catedral permanecerá aberta para a ocasião também na noite de sábado, em uma vigília de orações e cantos prolongada e conduzida. Durante as missas de sábado às 17h; domingo às 7h, 8h, 9h30, 11h, 12h30, 17h30 e durante as vésperas das 16h e o terço das 17h, será possível entrar na catedral apenas para a celebração.

Catedral de Milão (Itália) - vista interna
Irmã ao lado

Na quinta-feira, as condições de Martini se agravaram de tal forma que o cardeal Scola havia convidado todos os fiéis a rezar por ele. Ao lado da cama de Martini haviam chegado a sua irmã Maris; os sobrinhos Giulia e Giovanni; padre Pietro Colzani; o superior do Aloisianum, Cesare Bosatra; o arcebispo de Camerino, Francesco Giovanni Brugnaro. Após uma última crise, que começou em meados de agosto, o cardeal Martini não conseguia mais engolir alimentos sólidos ou líquidos. Mas permaneceu lúcido até o fim e recusou qualquer forma de obstinação terapêutica", explicara, poucas horas antes da morte, o neurologista Gianni Pezzoli, que há anos havia tratado o arcebispo emérito de Milão. 

O cardeal, que havia sido arcebispo de Milão de 1979 a 2002, há anos sofria de Parkinson, uma doença que o havia obrigado a reduzir cada vez mais as suas aparições públicas.

"O cardeal Martini sempre declarou a sua doença", lembra Pezzoli, responsável do Centro para a Doença de Parkinson e os Distúrbios do Movimento dos Institutos Clínicos de Aperfeiçoamento (ICP) de Milão. O neurologista, cofundador e presidente da Associação Italiana dos Parkinsoniani (AIP), acompanhou o arcebispo emérito "nos últimos dez anos" e o viu "também esta manhã". 

Em 2002, o cardeal Martini havia optado por viver em Jerusalém e voltou para a Itália em 2008, "por complicações não necessariamente relacionadas à sua patologia. Deve ser considerada também a idade cronológica", indica Pezzoli. "Até o seu retorno à Itália, as suas condições permaneceram discretas, mas o cardeal tentou viver uma vida normal até o fim, praticamente até a última crise". 

"O cardeal não era mais capaz de engolir nada – continua o neurologista – e foi submetido a terapia parenteral hidratante. Mas não quis nenhum outro auxílio: nem a sonda gástrica, o tubo de alimentação artificial que é inserido no abdômen, nem a sonda nasogástrica. Ele permaneceu lúcido até as últimas horas e recusou tudo o que considerava como obstinação terapêutica".

A casa de Gallarate

A estrutura que hospedou o cardeal Martini nos últimos anos de vida é o Aloisianum, um importante instituto de estudos filosóficos gerido pelos jesuítas, em que o sacerdote havia estudado no passado. O último piso do complexo está equipado para hospedar jesuítas idosos ou com necessidade de cuidados. O nome da estrutura deriva de Aloisius (Luís, em latim) e é dedicada a São Luís Gonzaga

O instituto nasceu em 1839 para hospedar um seminário para aspirantes jesuítas, graças a uma generosa doação da condessa Rosa Piantanida Bassetti Ottolini. Ele se localiza na periferia de Gallarate, no distrito de Ronchi, antigamente de propriedade dos Bassetti. O núcleo central do Aloisianum é constituído pelo complexo universitário, com cedros do Líbano à frente e a biblioteca, a sala de conferências e o refeitório ao lado. A oeste do complexo, há uma horta e um pomar. Uma fazenda está ligada ao complexo e serve toda a região com produtos hortifrutigranjeiros.

Tradução de Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sábado, 01 de setembro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/513055-morreu-martini-o-bispo-do-dialogo
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Martini e o cristianismo aberto, sofrido e dialogante

Andrea Tornielli
Vatican Inside
31-08-2012
Cardeal Martini com os jovens
A morte do cardeal provocou grande emoção na Igreja e no mundo secular, com o qual o incansável bispo biblista sempre buscou o debate.

Com a morte do cardeal Carlo Maria Martini, desaparece um grande protagonista da vida da Igreja dos últimos 30 anos. Arcebispo de Milão por 22 anos, Martini foi muitas vezes considerado quase o antagonista de João Paulo II, o papa que o havia escolhido para enviado com apenas 52 anos à frente da maior diocese da Europa, entre as mais importantes do mundo.

O cristianismo de Martini sempre foi considerado aberto, sofrido, dialogante. Basta lembrar o que significou a "Cátedra dos não crentes", através da qual o cardeal queria dialogar com quem não crê, com quem está em busca, com que é dilacerado pelas dúvidas. Mas não devemos esquecer que o cardeal emérito de Milão, falecido nessa sexta-feira depois de uma longa doença, foi o arcebispo da "Palavra de Deus", da meditação, da oração, da eucaristia. E, portanto, seria errado querer esmagá-lo apenas sob o clichê do "bispo liberal", pronto para servir de contraponto ao papa e à doutrina oficial.

É verdade que, muitas vezes, nos anos do pontificado de Wojtyla – que coincidiram quase inteiramente com as do seu episcopado –, Martini expressou aberturas ou se mostrou possibilista em certas matérias, quase querendo marcar uma diferença com a linha romana. Mas também é verdade que muitas vezes as suas frases ou declarações foram enfatizadas para contrapô-lo a João Paulo II, apresentando-o durante ao menos dez anos como o mais "papável", candidato de ponta da ala liberal.

Enquanto outras afirmações – basta pensar nas palavras proferidas em defesa da vida e contra o aborto, a favor da igualdade escolar ou para propor uma integração atenta e inteligente dos muçulmanos presentes na cidade que não tinha nada a ver com um certo "bonismo" – passaram quase despercebidas.

Mesmo com relação a Bento XVI, seu coetâneo, professor como ele, Martini não deixou de marcar algumas diferenças. E não só por ter apresentado, como o fez, objeções ao livro Jesus de Nazaré (certamente apreciadas por Ratzinger mais do que muitos elogios indistintos). O cardeal jesuíta, a respeito dos divorciados em segunda união, reconhecimento das uniões gays e bioética, de fato, manifestou posições que geraram discussão também nos últimos anos e pareceu possibilista, para além da própria doutrina moral católica.

No entanto, hoje, o que mais chama a atenção, mais do que a "Cátedra dos não crentes" ou da "Escola da Palavra", dos seus inúmeros livros – que ele confidenciava nunca ter escrito, tendo sido quase sempre degravações dos seus discursos – foi talvez o modo pelo qual ele enfrentou a sua doença, o mal de Parkinson, o mesmo mal que havia dificultado os últimos anos do Papa Wojtyla. 

Martini, cada vez mais impedido na fala e nos movimentos, se consumiu lentamente, parecendo ainda mais essencial. Ele sempre havia sido capaz de palavras profundas e nunca banais, palavras de esperança até mesmo para quem estava distante da fé. Mas o sofrimento do último período o tornou próximo e companheiro de estrada para muitos doentes.

Seria equivocado, ao recordá-lo no dia em que morreu, falar da sua recusa à obstinação terapêutica por ele manifestada nos últimos tempos, como se isso representasse o último contraponto de Martini diante da doutrina "oficial". Vale a pena lembrar que a Igreja não é favorável à obstinação terapêutica, e que o Papa Wojtyla também não quis voltar ao Hospital Gemelli após a última crise.

Tradução de Moisés Sbardelotto.

Para saber mais sobre a vida e atividade do Card. Carlo Maria Martini, acesse em italiano:
Em português, acesse: 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sábado, 01 de setembro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/513057-martini-e-o-cristianismo-aberto-sofrido-e-dialogante

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