CONCLAVE: Cardeal Scola e o "pacote dos 40" contra o candidato de Bertone
MARCO ANSALDO e PAOLO RODARI
La Repubblica (Roma - Itália)
A Cúria Romana escala o brasileiro Odilo Scherer, homem forte do Ior.
O cardeal e arcebispo de Milão Angelo Scola, candidato pelos "reformistas",
pode contar com os votos do grupo dos americanos
ANGELO SCOLA |
Apoiado por muitos cardeais estrangeiros, diversos da Europa Central, mas, também, por não poucos estadunidenses, é a primeira opção dos "reformadores" contra o "partido romano".
De sua parte, o decano Angelo Sodano e o camerlengo Tarcisio Bertone, tempos atrás inimigos e hoje aliados, procuram resistir à irrupção do novo, tentando fechar o círculo ao redor do brasileiro de origens alemãs Odilo Pedro Scherer: uma solução que lhes permitiria levar um italiano à Secretaria de Estado do Vaticano, o centro nervoso do poder vaticano.
ODILO SCHERER |
Os reformadores, além de Scola, têm outros dois cardeais. Trata-se do arcebispo de Nova Iorque Timothy Dolan e o arcebispo de Boston Sean O'Malley. O primeiro, uma escolha ao estilo Karol Wojtyla, o segundo, uma solução mais espiritual (e de clara linha de purificação da pedofilia). Scola, ao contrário, agrada mais à área europeia, sobretudo, a Europa Central, impulsionado principalmente por Christoph Schönborn, primaz de Viena [Áustria], que apreça o trabalho dele, em estilo ecumênico, desenvolvido em Veneza com a Fundação Oásis. Mas o que importa é a substância: seja Dolan, seja O'Malley, seja Scola, não são particularmente amados em Roma. Não possuem ligações particulares com a Cúria, desejam mais transparência no governo e as grandes limpezas das maçãs podres, começando pela gestão das finanças internas que, por muitos anos, apresentaram pontos obscuros, para dizer pouco.
TIMOTHY DOLAN |
Mas, contra ele, e o seu mentor, Sodano, chegou justamente a acusação do cardeal de Chicago George, voz autorizada dos americanos. Sandri e Sodano são considerados culpados de haver acobertado o fundador dos Legionários de Cristo, o padre Marcial Maciel, que abusou de menores e tem, pelo menos, seis filhos. O terceiro candidato, amados pelos cardeais próximos a Bertone, é o cingalês Malcolm Ranjith. Arcebispo de Colombo, teve duas experiências na Cúria, como secretário adjunto de Propaganda Fide e como secretário da Congregação para a Liturgia. Amado pelo mundo tradicionalista, deixou a Liturgia depois de, apenas, quatro anos de trabalho: essencialmente, Ratzinger convenceu-se que a sua presença era mais importante em sua pátria, o Sri Lanka, que em Roma.
SEAN O'MALLEY |
No Conclave tudo dependerá de como estes dois lados se confrontarão. Caso formem dois blocos irredutíveis, poderão levar a votação a impasse, forçando os cardeais a decidirem por uma terceira solução. Segundo muitos, um purpurado [cardeal] no centro dos dois blocos, não indesejável a ninguém, é o primaz da Hungria, Peter Erdo, formado na escola da revista teológica Communio, fundada por Ratzinger e pelo teólogo Hans Urs Von Balthasar. Erdo seria uma ponte em direção ao Oriente, a área que, sobretudo pelas questões inerentes a linha a ser adotada com relação a China, atraiu parte do diálogo das Congregações gerais.
PETER ERDO |
Segundo muitos, o último consistório, no qual em pleno Vatileaks, quis fazer cardeais somente estrangeiros, deixando fora os italianos - entre estes, para surpresa, o patriarca de Veneza Francesco Moraglia - é um sinal que fala por si mesmo.
Tradução do italiano por Telmo José Amaral de Figueiredo.
Fonte: la Repubblica.it - Esteri - 08/03/2013 - Internet: http://www.repubblica.it/esteri/2013/03/08/news/conclave_partita_a_due-54090146/?ref=NRCT-54090146-2
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VATICANO, fala um dos corvos:
"Somos em 20, em breve outras verdades"
MARCO ANSALDO
La Repubblica (Roma - Itália)
Entrevista com uma das vozes do dossier Vatileaks:
"Não conseguirão encobrir tudo. Se fizemos sair os documentos do apartamento do Papa foi
para uma operação de transparência na Igreja"
PAOLO GABRIELE - ex-mordomo do Papa Bento XVI |
A mesa da varanda de um bar em Parioli, em Roma, longe do Vaticano e dos olhos indiscretos. Uma mão que mexe num anel com as armas do Papa. A pessoa que fala é crente, fidelíssima à Igreja, tem um perfeito conhecimento da máquina vaticana, dos seus protagonistas, e grande competência em matéria financeira. Nenhum nome, como é óbvio. Mesmo o mordomo do Papa permaneceu por muito tempo desconhecido. Mas a fonte "Maria", que no passado havia fornecido aos meios de comunicação, papéis e documentos, é um nome coletivo.
No tempo do Conclave os corvos voltam a voar?
Resposta: "Eu ou um ex-corvo".
Isto significa o quê?
Resposta: "Não existem mais Papas a defender ou verdades a emergir. Está tudo no relatório secreto redigido pelos três cardeais anciãos".
O que está contido nele?
Resposta: "Sei qual foi a metodologia e, sobretudo, o objetivo deste relatório".
Qual?
Resposta: "Os documentos vazados provocou um clima de todos contra todos na Cúria. E o Papa queria compreender o que estivava acontecendo, e se o descontentamento que havia levado aquelas pessoas a utilizar o seu mordomo, fosse a ponta de uma inquietação maior".
"Pura verdade. Pode apostar. Poderia citar nomes e sobrenomes de cardeais e monsenhores, de bispos e funcionários. Dos altos escalões da Secretaria de Estado e dos principais dicastérios".
O que mais existe?
Resposta: "Questões financeiras ligadas ao Ior [Banco do Vaticano]. Bento XVI confiava muitíssimo na operação de transparência que Ettore Gotti Tedeschi poderia realizar. E no momento em que este foi desencorajado, ele quis saber as razões. As respostas foram insatisfatórias, e a sua reação foi criar uma comissão de inquérito que esclarecesse tudo".
Falou-se de muitas pessoas que estariam atrás do corvo: cardeais, leigos, mulheres e homens em contato quase que diário com Bento XVI. Quem são os mandantes da operação Vatileaks?
Resposta: "Nós falamos, como fez o mordomo, com a imprensa. Mas se de mandantes pode-se falar, são outras as esferas que devem ser procuradas. Bem mais altas. Muito mais próximas ao pontífice [Papa] do que nós".
Existem outros documentos além daqueles que já apareceram?
Resposta: "Sim".
Poderia sair um outro livro de Gianluigi Nuzzi [jornalista que publicou o livro contendo os documentos vazados no Vatileaks, intitulado: "Sua Santidade", ed. bras.: Leya, 2012] baseado sobre documentos?
Resposta: "Sim".
Com documentos entregues por Paolo Gabriele ou com outros papéis?
Resposta: "Sei somente que o livro 'Sua Santidade' não contém todos os documentos em posse de Nuzzi, mas que existem outros".
Mas como vocês trabalharam para divulgar os papéis?
Resposta: "É preciso voltar atrás um pouco. A cerca de dois anos atrás, no momento em que o Santo Padre decidiu realizar, por meio do Dom Carlo Maria Viganò, uma operação de racionalização nas atividades econômicas da Santa Sé, unidas à obra de transparência confiada a Gotti no Ior".
O que acontece?
Resposta: "A operação de Viganò foi prejudicada porque considerou-se-a lesiva a determinados equilíbrios no interior dos institutos sujeitos ao controle. Desse modo, nasceu um lobby no Vaticano, composto por pessoas que trabalhavam na Governadoria, Apsa [Administração do Patrimônio da Sé Apostólica], Secretaria de Estado, Biblioteca, Aquivo, Museus, Cei [Conferência Episcopal Italiana], Osservatore Romano [jornal do Vaticano], que começou a dialogar. Pensamos que, tornar conhecido aquilo que acontecia na Cúria, poderia despertar a opinião pública sobre determinados assuntos. Provocando uma operação de limpeza que teria levado à transparência. E, o mordomo que tinha fisicamente em mãos os papéis, entregou-os a Nuzzi [o jornalista], que havia contatado. Procuramos ajudar o Papa".
BENTO XVI no momento em que lia a sua renúncia |
Resposta: "O Papa não renunciou devido o caso Vatileaks. Nem pelas pressões. Pelo contrário, a sua presença continuava justificando um determinado hábito, que Joseph Ratzinger, ao invés, desejava transformar".
A sua renúncia é, então, uma derrota ou uma vitória?
Resposta: "É um desafio. À Igreja Católica e à Cúria, para que façam bem. E para realizar aquilo que ele não conseguiu: uma Igreja livre, forte e transparente. Livre de interesses privados, mesmo de alguns cardeais. Livre do fracasso da 'má gestão' que nos anos passados caracterizou algumas operações do Ior [Banco do Vaticano]. Para uma Igreja capaz de voltar a falar aos fiéis. Os mesmos fiéis que hoje não vão mais à igreja. Será uma derrota se determinados desequilíbrios se mantiverem. Uma vitória, se o gesto extremo do pontífice marcar o fim de um declínio. Dando oportunidade ao seu sucessor de recomeçar do zero".
No entanto, as tensões agora estão aumentando.
Resposta: "Porque muitos cardeais desejam conhecer o relatório. E a tentativa de quem deseja bloquear tudo e dizer: não se deixem influenciar, porque é um assunto desvinculado dos problemas da Igreja. Iniciaram uma caça às bruxas. Enquanto, ao contrário, a 'Relatio' [o Relatório dos três cardeais nomeados por Bento XVI] diz respeito à relação com os fiéis, o Ior, a imagem da Santa Sé".
Vocês, enfim, tiveram êxito no vosso objetivo?
Resposta: "Poderemos sabê-lo somente no momento em que sair o novo Papa. Se levará à realização da transparência, então sim. Se, ao contrário, Vatileaks se resolver no costumeiro 'tudo muda para que nada mude', então terá sido um fracasso".
Quando for eleito o novo Papa, o que vocês corvos farão?
Resposta: "Permaneceremos ao serviço da Igreja e do pontífice. Continuando a explicar, onde for necessário, algumas dinâmicas. Mas espero que não haja mais necessidade dos corvos para falar ao mundo".
Missão completa?
Resposta: "Depende de quem será o Papa eleito, por qual facção será eleito, e quem estará à frente da próxima Secretaria de Estado".
Corvo: aqui significa, obviamente, não uma ave, mas um indivíduo que se refugia no anonimato e se arroga a tarefa de delator (Dicionário eletrônico Houaiss).
Tradução do italiano por Telmo José Amaral de Figueiredo.
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