«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 25 de dezembro de 2016

Papa Francisco e seu discurso à Cúria Romana

Francisco ataca a “resistência maliciosa, nascida das mentes distorcidas”

Jesús Bastante

“A reforma da Cúria não é uma cirurgia para retirar rugas.
Não devemos temer rugas, mas manchas” 


Se alguém queria respostas, aqui vão umas tantas. O Papa Francisco lançou na manhã do dia 22 de dezembro, quinta-feira passada, uma dura, duríssima condenação contra algumas “resistências maliciosas” que vêm de “mentes distorcidas” patrocinadas “pelo diabo”, durante seu discurso de Natal à Cúria Romana. Um discurso no qual Bergoglio aproveitou para reivindicar a tarefa realizada e para insistir em uma dúzia de “mandamentos” para continuar reformando a Igreja.

Palavras que foram escutadas sob um silêncio impávido por parte dos responsáveis curiais, e que não passaram despercebidas aos quatro cardeais (que questionaram a exortação apostólica de Papa Francisco “Amoris Laetitia”), porém tampouco àqueles aos quais Francisco denominou como exemplos de “gatopardismo espiritual”: os que aplaudem o Papa, porém não fazem nada. Uma autêntica chamada de atenção que volta a colocar o centro da reforma curial não em uma mudança de figurinhas, mas “em uma autêntica conversão”.

Francisco entrou na Sala Clementina poucos minutos depois das dez e meia da manhã. Ali esperava-o a Cúria, capitaneada pelo cardeal Angelo Sodano que, como decano do Colégio Cardinalício, dirigiu uma palavras a Francisco, mostrando sua “proximidade” ao Pontífice. Trata-se da quarta ocasião na qual, antes de Natal, Bergoglio se reúne com os membros da Cúria. Sodano agradeceu ao Papa pelo Ano da Misericórdia, e frisou como o nascimento de Jesus “é a primeira prova da misericóridia”.

Sodano agradeceu ao Papa seu empenho pelo diálogo inter-religioso, assim como, seu trabalho pela paz no Oriente Médio, especialmente na Síria. “Venerado e amado Papa Francisco, desejamos continuar prestando nosso humilde serviço ao senhor, como pastor da Igreja e como bom samaritano e pastor do mundo”.

Francisco iniciou seu longo discurso, sublinhando que “a Natividade é a festa da humildade amante de Deus”, onde “a lógica divina supera nossa lógica humana”. Por isso, “no Natal somos chamados a dizer sim, com nossa fé, a Deus, que é o humilde amante”.

A partir dessa humildade, e dizendo não à “lógica mundana do poder, do comando, da lógica farisaica e determinista”, Francisco falou do quadro da reforma da Cúria que, como os exercícios espirituais inacianos, deve trabalhar nestes critérios: “deformata reformare, reformata conformare, conformata confirmare e confirmata transformare” (trad.: deformada reformar, reformada conformar, conformada confirmar e confirmada transformar). Um processo de mudança contínua.

A Boa Nova deve ser lançada a todos, especialmente aos pobres, humildes e descartados, conforme os sinais dos tempos e estando atentos aos homens e mulheres de hoje”, assinalou o Papa, que recordou que a Cúria tem, entre outras finalidades, “colaborar no ministério próprio do Sucessor de Pedro, e, por conseguinte, apoiar o Romano Pontífice no exercício do seu poder singular, ordinário, pleno, supremo, imediato e universal”.

“Não sendo a Cúria uma estrutura imóvel, a reforma é, antes de tudo, sinal da vivacidade da Igreja em caminho, em peregrinação, e da Igreja viva e, por isso – porque viva –, sempre reformando-se, necessitada de ser reformada porque está viva. Torna-se necessário reiterar vigorosamente que a reforma não é fim em si mesmo, mas constitui um processo de crescimento e sobretudo de conversão”, recordou Bergoglio, que acrescentou que a reforma “a reforma não tem uma finalidade estética, como se se quisesse tornar mais bela a Cúria; nem se pode entender como uma espécie de avivamento, maquilhagem ou truco para embelezar o velho corpo curial, e nem mesmo como uma operação de cirurgia plástica para tirar as rugas”. Porque “não são as rugas que se devem temer na Igreja, mas as manchas!”.

Neste ponto, o Papa insistiu em que “a reforma será eficaz única e exclusivamente se for implementada com homens «renovados» e não apenas com homens «novos»”. O Papa prosseguiu explicando que “a reforma da Cúria não se atua de forma alguma com a mudança das pessoas – que, sem dúvida, tem acontecido e acontecerá – mas com a conversão nas pessoas. Na realidade, não basta uma formação permanente, é preciso também e sobretudo uma conversão e uma purificação permanentes. Sem uma mudança de mentalidade, o esforço funcional não teria qualquer utilidade”.

Neste ponto, Francisco recordou como, nas ocasiões precedentes, denunciou as “enfermidades” da Cúria. E explicou o motivo: “Era necessário falar de doenças e tratamentos, porque cada operação, para ter sucesso, deve ser antecedida por diagnósticos profundos, por análises cuidadosas e deve ser acompanhada e seguida por prescrições concretas”. E entre elas, dos distintos tipos de resistências.

Em primeiro lugar, “a resistência aberta, que nasce da boa vontade e do diálogo sincero”. Em segundo, “as resistências ocultas, nascem dos corações assustados ou empedernidos que se alimentam das palavras vazias da hipocrisia espiritual de quem, com a boca, se diz pronto à mudança, mas quer que tudo permaneça com antes”.

E, finalmente, “as resistências malévolas, que germinam em mentes tortuosas e aparecem quando o diabo inspira más intenções (muitas vezes disfarçadas sob pele de cordeiros)”. Este último tipo de resistências às mudanças na Igreja, “esconde-se por trás das palavras justificadoras e, em muitos casos, acusatórias, refugiando-se nas tradições, nas aparências, nas formalidades, no conhecido, ou então em querer reduzir tudo a um caso pessoal, sem distinguir entre o ato, o ator e a ação”.

Isto não quer dizer que não se possa criticar, mas bem o contrário. E é que “a ausência de reação é sinal de morte! Por isso as resistências boas – e até as menos boas – são necessárias e merecem ser escutadas, acolhidas e encorajadas a expressar-se, porque é um sinal de que o corpo está vivo”.

O Papa continuou, “Tudo isto, para dizer que a reforma da Cúria é um processo delicado que deve ser vivido com fidelidade ao essencial, discernimento contínuo, coragem evangélica, sabedoria eclesial, escuta cuidadosa, ação tenaz, silêncio positivo, decisões firmes, muita oração – tanta oração! –, profunda humildade, clarividência, passos concretos em frente e – se necessário – passos também para trás, vontade decidida, vitalidade vibrante, poder responsável, obediência incondicional; mas, em primeiro lugar, com o abandono à orientação segura do Espírito Santo, confiando no seu apoio necessário”. E não com táticas secretas ou queixas formais ou ameaças de cisma.

Após a declaração de intenções, o Papa traçou os doze “critérios-guia” para a reforma da Igreja, que são os seguintes:

1- Individualidade (conversão pessoal)

Volto a reiterar a importância da conversão individual, sem a qual serão inúteis todas as mudanças nas estruturas. A verdadeira alma da reforma são os seres humanos que estão envolvidos nela e a tornam possível. Com efeito, a conversão pessoal sustenta e reforça a comunitária.

Há uma forte relação de intercâmbio entre o comportamento pessoal e o comunitário. Uma única pessoa pode fazer muito bem a todo o corpo, como poderia danificá-lo e fazê-lo adoecer. E um corpo saudável é aquele que sabe recuperar, acolher, fortificar, cuidar e santificar os seus próprios membros.

2- Pastoralidade (conversão pastoral)

Fazendo apelo à imagem do pastor (cf. Ez 34,16; Jo 10,1-21) e sendo a Cúria uma comunidade de serviço, «far-nos-á bem, também a nós, chamados a ser Pastores na Igreja, deixar que a Face do Deus Bom Pastor nos ilumine, nos purifique, nos transforme e nos restitua plenamente renovados à nossa missão. Que também nos nossos ambientes de trabalho possamos sentir, cultivar e praticar um forte sentido pastoral, antes de tudo em relação às pessoas que encontramos todos os dias. Que ninguém se sinta ignorado ou maltratado, mas cada um possa experimentar, antes de tudo aqui, a atenção carinhosa do Bom Pastor». Atrás dos papéis, há pessoas.

O compromisso de todo o pessoal da Cúria deve ser animado por uma pastoralidade e uma espiritualidade de serviço e comunhão, pois isto é o antídoto contra todos os venenos da vã ambição e da rivalidade ilusória. Neste sentido, o Beato Paulo VI advertiu: «Não seja, portanto, a Cúria Romana uma burocracia, como erradamente alguém a julga, pretensiosa e apática, apenas canonista e ritualista, um ringue de ocultas ambições e surdos antagonismos, como a acusam outros; mas seja uma verdadeira comunidade de fé e caridade, de oração e ação; de irmãos e filhos do Papa, que tudo fazem, cada um no respeito da competência alheia e com sentido de colaboração, para o servir no seu serviço aos irmãos e aos filhos da Igreja universal e de toda a terra».

3- Missionariedade (cristocentrismo)

É o fim principal de todo o serviço eclesial, ou seja, levar a boa nova a todos os confins da terra, como nos lembra o magistério conciliar, porque «há estruturas eclesiais que podem chegar a condicionar um dinamismo evangelizador; de igual modo, as boas estruturas servem quando há uma vida que as anima, sustenta e avalia. Sem vida nova e espírito evangélico autêntico, sem ‘fidelidade da Igreja à própria vocação’, toda e qualquer nova estrutura se corrompe em pouco tempo».[23]

4- Racionalidade

Com base no princípio de que todos os Dicastérios são juridicamente iguais entre si, era necessária uma racionalização dos organismos da Cúria Romana, para evidenciar que cada Dicastério tem competências próprias. Tais competências devem ser respeitadas, mas também distribuídas com racionalidade, eficácia e eficiência. Por isso nenhum Dicastério pode atribuir-se a competência doutro Dicastério, segundo o que está estabelecido pelo direito, e todos os Dicastérios fazem referência direta ao Papa.

5- Funcionalidade

A eventual incorporação num único Dicastério de dois ou mais Dicastérios competentes sobre matérias afins ou intimamente relacionadas serve, por um lado, para dar ao mesmo Dicastério uma maior relevância (mesmo exterior) e, por outro, a contiguidade e a interação das diferentes realidades no seio de um único Dicastério ajuda a ter maior funcionalidade (são exemplo disso mesmo os dois novos Dicastérios recentemente instituídos).

A funcionalidade requer também a revisão contínua das funções e da atinência das competências e responsabilidades do pessoal e, consequentemente, a realização de deslocamentos, assunções, interrupções e também promoções.

6- Modernidade (atualização)

Ou seja, a capacidade de ler e auscultar os «sinais dos tempos». Neste sentido, «providenciemos solicitamente para que os Dicastérios da Cúria Romana se coadunem às situações do nosso tempo e se adaptem às necessidades da Igreja universal». Assim o solicitara o Concílio Vaticano II: os Dicastérios da Cúria Romana «sejam reorganizados, segundo as necessidades dos tempos, das regiões e dos ritos sobretudo quanto ao número, nome, competência e modo de proceder de cada um, bem como no que respeita à coordenação recíproca dos trabalhos».

7- Sobriedade

Nesta perspectiva, são necessários uma simplificação e um aligeiramento da Cúria: incorporação ou fusão de Dicastérios segundo assuntos de competência e simplificação interna de cada um dos Dicastérios; eventuais supressões de Departamentos que se revelem desajustados das necessidades contingentes. Inserção nos Dicastérios ou redução das comissões, academias, comitês, etc. Tendo sempre em vista a sobriedade indispensável para um testemunho digno e autêntico.

8- Subsidiariedade

Reordenamento de competências específicas dos vários Dicastérios, deslocando-as, se necessário, de um Dicastério para outro, a fim de alcançar a autonomia, a coordenação e a subsidiariedade nas competências e a interconexão no serviço.

Neste sentido, é necessário respeitar também os princípios da subsidiariedade e da racionalização na relação com a Secretaria de Estado e no seio dela mesma – entre as suas diferentes competências – para que, no cumprimento das próprias funções seja a ajuda direta e mais imediata do Papa. E isto também para uma melhor coordenação dos vários setores dos Dicastérios e dos Departamentos da Cúria. A Secretaria de Estado poderá realizar esta sua importante função, precisamente na realização da unidade, interdependência e coordenação das suas Secções e dos seus vários setores.

9- Sinodalidade

O trabalho da Cúria deve ser sinodal: reuniões periódicas dos Chefes de Dicastério, presididas pelo Romano Pontífice; audiências regulares previstas dos Chefes de Dicastério; reuniões habituais interdicasteriais. A redução do número de Dicastérios permitirá encontros mais frequentes e sistemáticos dos diferentes Prefeitos com o Papa e reuniões eficazes dos Chefes dos Dicastérios, não o podendo ser com um grupo demasiado grande.

A sinodalidade deve ser vivida também dentro de cada Dicastério, dando particular realce ao Congresso e maior frequência pelo menos à Sessão ordinária. No seio de cada Dicastério, deve-se evitar a fragmentação que pode ser determinada por vários fatores, tais como a proliferação de setores especializados, que podem tender para serem autorreferenciais. A coordenação entre eles deveria ser tarefa do Secretário ou do Subsecretário.

10- Catolicidade

Entre os colaboradores, além dos sacerdotes e consagrados/as, a Cúria deve refletir a catolicidade da Igreja com a assunção de pessoal proveniente de todo o mundo, de diáconos permanentes e fiéis leigos, cuja escolha deve ser cuidadosamente feita com base na sua vida espiritual e moral exemplar e na sua competência profissional. É oportuno prever o acesso de um número maior de fiéis leigos, especialmente nos Dicastérios onde eles possam ser mais competentes que os clérigos ou os consagrados. Além disso é de grande importância a valorização do papel da mulher e dos leigos na vida da Igreja e a sua integração nas lideranças dos Dicastérios, com particular atenção à multiculturalidade.

11- Profissionalismo

É indispensável que cada Dicastério adote uma política de formação permanente do pessoal, para evitar o enferrujamento e a queda na rotina do funcionalismo.

Por outro lado, é indispensável a arquivação definitiva da prática do promoveatur ut amoveatur [trad. livre: promovido para ser removido]. Isto é um câncer.

12- Gradualidade (discernimento)

A gradualidade é o fruto daquele indispensável discernimento que envolve processo histórico, estipulação de tempos e etapas, verificação, verificação, correções, experimentação, aprovações ad experimentum [trad.: experimental]. Nestes casos, portanto, não se trata de indecisão, mas da flexibilidade necessária para se poder alcançar uma verdadeira reforma.”

Em seguida aos critérios de reforma da Cúria, o Papa valorizou todos os passos dados até agora, desde:
* a criação do C9 [Comissão dos 9 cardeais que assessoram o Papa Francisco]
* à reforma dos Estatutos da Academia pela Vida,
* passando pela instituição da COSEA (Pontifícia Comissão referente de estudo e orientação sobre a organização da estrutura econômico-administrativa),
* AIF (Autoridade de Informação Financeira),
* Secretaria para a Economia e o Conselho para a Economia,
* Pontifícia Comissão para a Tutela de Menores,
* Secretaria para a Comunicação,
* os motu proprio sobre a Negligência dos Bispos no exercício de seu ofício,
* a criação do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida e
* o Dicastério para o Serviço Humano Integral (Justiça e Paz, Cor Unum, Imigrantes e Cooperadores Sanitários).

Papa Francisco encaminhando-se para a conclusão de seu discurso, disse: “Comecei falando do significado do Natal, o coração, o centro da reforma é Cristo. Quero concluir somente com uma palavra e uma oração. A palavra é que o Natal é a festa da humildade amante de Deus”. Em sua oração, o Papa pediu para “curar todo orgulho e toda arrogância”.

Ao término de suas palavras, o Papa anunciou um presente aos membros da Cúria Romana: a nova edição, revisada, em língua italiana, de um livro do jesuíta Claudio Acquaviva, “Aggiornamenti per curar le malattie dell’anima” (trad.: Atualizações para tratar as doenças da alma”). A ideia desse livro, curiosamente, foi dada, há dois anos atrás, pelo cardeal Brandmüller, um dos quatro que recentemente tiveram “dúvidas” sobre certas afirmações do Papa Francisco em sua exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia. Quem tem ouvidos...

Para ler, na íntegra, o discurso de Papa Francisco no encontro com a
Cúria Romana na apresentação de votos natalícios, clique aqui.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Religión Digital – Vaticano – Quinta-feira, 22 de dezembro de 2016 – 11h27 (Horário Centro Europeu) – Internet: clique aqui.

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