«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Por que vivemos essa onda reacionária?

Entrevista com Mark Lilla
Historiador e Professor da Universidade Columbia – Estados Unidos

Pieter Zalis

Para o historiador, o mundo, em choque psicológico diante da voracidade
das mudanças tecnológicas e sociais, vive uma onda reacionária
que quer a volta a um éden/paraíso passado e fictício
 
MARK LILLA
Enquanto preparava um livro sobre a atração que intelectuais sentem por tiranos, o cientista político e historiador americano Mark Lilla, da Universidade Columbia, deu-se conta de uma força que também exerce grande influência sobre parte da intelligentsia: a nostalgia, o apego a um passado grandioso. E percebeu que tal sentimento é a coluna de sustentação do reacionarismo.

“Consulte qualquer biblioteca decente e você encontrará centenas de livros que falam sobre revolução. Sobre a reação, será difícil encontrar uma dúzia”, afirma. Lilla dedicou-se então a estudar a influência dessa corrente política nostálgica desde a Revolução Francesa até os dias de hoje. O resultado está no seu livro The Shipwrecked Mind: On Political Reaction (Mente Náufraga: sobre Reação Política – sem lançamento previsto no Brasil).

Nesta entrevista concedida por Skype de sua sala na universidade, ele explica como a nostalgia e o reacionarismo impulsionaram a vitória de Donald Trump e terão impacto duradouro por todo o planeta.

O que explica o Brexit, na Inglaterra, e a vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos?

Mark Lilla: O mundo deu uma guinada, e isso foi uma resposta de uma população que já não se sente representada pelos partidos políticos tradicionais, tampouco pelos seus principais líderes. Na Europa, os partidos são herança das lutas pelo legado da Revolução Francesa. Socialistas e comunistas representavam a classe trabalhadora, enquanto os conservadores representavam a Igreja e a antiga aristocracia. Essa clivagem não existe mais. A nova divisão se dá entre aqueles que vivem no conforto e se beneficiam da globalização e os que carecem de conforto e não se beneficiam da globalização. Não há partidos que representem claramente as duas categorias. Daí a sensação generalizada de deslocamento, de desarranjo, que acabou resultando em movimentos essencialmente antipolíticos.

São movimentos reacionários?

Mark Lilla: São todos animados por um impulso fundamentalmente reacionário, que é a nostalgia. “Vamos fazer ‘x’ grande de novo” é o slogan demagógico do nosso tempo – e não apenas de Trump, nos Estados Unidos. Em meu livro, falo sobre uma “mentalidade náufraga”.

O que é a mentalidade náufraga?

Mark Lilla: A noção de que o tempo é um rio surgiu na mitologia antiga e ainda hoje pode ser aplicada como metáfora. Enquanto mentes politizadas veem o rio fluindo, correndo, reacionários pensam que um naufrágio ocorreu e os escombros de um paraíso agora estão flutuando diante de seus olhos. Reacionários estão exilados no presente. Revolucionários também acreditam em uma ruptura no tempo, mas confiam que o mundo que perdemos será trocado por um mundo futuro e melhor. Os reacionários não. Eles acreditam que são os guardiões de algo que realmente aconteceu, e não profetas de uma possibilidade. Eles, portanto, sentem-se em uma posição política mais forte que a de seus adversários no campo das ideias. São os cavaleiros de uma realidade passada, não de um sonho futuro. Sempre digo: a esperança pode levar a um desapontamento, mas a nostalgia é irrefutável. É nisso que reside a força atual dos movimentos reacionários.

Quais os principais exemplos desse reacionarismo?

Mark Lilla: O islamismo político é hoje o movimento reacionário mais importante do mundo. Está baseado numa fantasia de retorno a uma era de pureza religiosa e força militar que até chegou a existir, mas apenas durante um curto período, há mais de um milênio. Porém existem vários outros. Na Turquia, Recep Tayyip Erdogan apela para um grande passado do Império Turco-Otomano. Na Índia, o primeiro-ministro, Narendra Modi, fez sua carreira política propagando o Hindutva, um nacionalismo que exalta uma civilização indiana que existia antes da chegada dos muçulmanos ao país. Esse movimento não é muito diferente dos caminhos seguidos pelos partidos da direita europeia, como a Frente Nacional na França, liderada por Marine Le Pen.

O senhor acha que Trump é igual a Erdogan, Modi e Le Pen?

Mark Lilla: Os líderes desses movimentos reacionários conseguem oferecer uma imagem precisa do local pra onde querem voltar. Trump, não. Ele lembra um projetor de cinema com o qual cada espectador pode projetar na tela sua própria fantasia do passado. Por isso, pela imprecisão e pela ambiguidade, Trump conseguiu atrair:
* trabalhadores que perderam o emprego,
* patriotas que sentem que os Estados Unidos perderam preponderância no mundo e até
* eleitores religiosos que sentem a perda dos valores da família.
Ele não é um representante da família tradicional ou alguém que possui um trabalho ordinário, comum, com o qual o trabalhador possa identificar-se. Trump opera um pouco como se fosse um profeta. Todos os profetas de sucesso – de Jesus a Marx – sempre foram vagos sobre o que o futuro trará. Eles deixam isso para a imaginação daqueles que acreditam neles.
DONALD TRUMP
Megaempresário que venceu as eleições presidenciais dos Estados Unidos

O senhor ficou surpreso com a vitória de Trump?

Mark Lilla: Em parte sim, em parte não. Há hoje uma generalizada falta de responsabilidade dos cidadãos nos Estados Unidos, e a eleição de Trump, em boa medida, também deriva disso. O que me surpreende, e ao mesmo tempo me preocupa, é que jamais vimos a vitória de um candidato que quebrou tantos tabus da democracia americana. Nunca um candidato à Casa Branca adotou uma postura tão agressiva nesse aspecto. Trump chegou a defender medidas contrárias à Constituição, como expulsar muçulmanos do país. Por isso, não seria um exagero dizer que a democracia americana, em certo sentido, já está em risco há algum tempo.

Por que a onda reacionária ganhou força agora?

Mark Lilla: Porque, em qualquer canto do mundo, inclusive no Brasil, estamos vivendo um choque psicológico em razão das mudanças na tecnologia, na economia e na sociedade, mudanças que lembram uma revolução permanente. Observe a rapidez com que a homossexualidade se tornou um comportamento natural nas sociedades ocidentais e mesmo além delas. Era impossível imaginar, há trinta anos, que o casamento gay seria uma realidade. Para as pessoas mais velhas, criadas com valores mais tradicionais, isso é profundamente chocante. O papel que a mídia social assumiu na nossa vida é outro exemplo. Ao ver pessoas segurando smartphones o tempo todo, dá para pensar que crescemos com um quinto membro. E o mundo apresentado por meio desses celulares é atualizado a cada minuto.

A realidade que o senhor descreve ainda está ausente em muitos países, não?

Mark Lilla: Mas a ansiedade diante desse processo extremamente dinâmico tornou-se uma experiência universal. Por essa razão, as ideias reacionárias atraem adeptos de todo o mundo, que não têm praticamente nada em comum mas partilham algo essencial: o sentido de traição histórica aos seus respectivos países e valores. Toda grande transformação social que certos grupos defendem deixa para trás um éden que serve como objetivo nostálgico para os outros.

Qual é a diferença entre reacionários e conservadores?

Mark Lilla: São correntes de pensamento distintas. Os conservadores sempre viram a sociedade como uma espécie de herança pela qual são responsáveis. Para eles, as mudanças devem ser realizadas através de pequenas transformações nos costumes e tradições, jamais através de projetos reformistas ousados. Eles também acreditam que a história nos move, e não que nós movemos a história.
Os reacionários, que hoje respondem pelos movimentos da direita global, não pensam da mesma forma. Eles são tão radicais e tão destrutivos quanto os revolucionários, com a diferença de que voltam os olhos para o passado, não para o futuro. O papel que os reacionários se atribuem é impedir que a sociedade encontre sua desgraça ou reverter o processo que destruiu a harmonia de um estado feliz e bem ordenado do passado. É a era da nostalgia.

Reacionários são necessariamente de direita?

Mark Lilla: De forma alguma. Desde o colapso da União Soviética e o fim das esperanças revolucionárias, a esquerda trocou sua retórica da esperança no futuro pela retórica da nostalgia das grandes greves gerais, das revoltas e dos levantes do passado. É a isso que se prendem os movimentos da esquerda nostálgica de hoje:
* Grupos como os ecologistas,
* os movimentos antiglobalização e
* o novíssimo degrowth [decrescimento], que defende um crescimento menor para criar uma economia mais sustentável e sem exaurir os recursos naturais, são os principais representantes da nova esquerda nostálgica, que é, numa palavra, reacionária.
Recente livro de Mark Lilla

Então por que apenas a direita parece ganhar com a onda reacionária?

Mark Lilla: Nenhum dos novos partidos de esquerda antiglobalização na Europa – Podemos, na Espanha; Syriza, na Grécia; ou o Movimento 5 Estrelas, na Itália – conseguiu apresentar um programa remotamente plausível para o futuro do seu país. É preciso entender que a esquerda vive uma crise de identidade muito mais profunda do que se imagina. Não é apenas uma questão de falta de candidatos ou líderes que cativem o eleitorado. Não há mais um quadro teórico geral para a esquerda tal como o marxismo já forneceu: uma estrutura que explique a natureza humana, a relação do indivíduo com a sociedade e as forças profundas que movem a história.
Na falta disso, a esquerda não consegue se adaptar ao mundo em que vivemos hoje, baseado na economia de mercado e na democracia liberal. As experiências, como a União Soviética, no passado, ou a Venezuela, recentemente, terminaram em desastre completo. E assim, a esquerda de hoje se concentra em seu passado e, em especial, em suas nobres derrotas. Antes de pensar em lideranças e candidatos fortes, a esquerda precisa encontrar um novo arcabouço teórico que permita refundá-la. Enquanto isso não ocorrer, será difícil imaginar que ela obtenha maiores sucessos eleitorais.

Fonte: Revista VEJA – Entrevista (Páginas amarelas) – Edição 2506 – Ano 49 – Nº 48 – 30 de novembro de 2016 – Págs. 19, 22-23 – Edição impressa.

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