22º Domingo do Tempo Comum – Homilia

Evangelho: Mateus 16,21-27

Assista à narração do Evangelho deste
domingo, clicando sobre a imagem abaixo:


José María Castillo
Teólogo espanhol

JESUS, UM MESSIAS INESPERADO

A partir do momento em que os discípulos, pela boca de Pedro porta-voz deles, afirmam sua fé em Jesus como o Messias (Mc 8,27-30; Mt 16,13-16; Lc 9,18-21), este «começa» a explicar àqueles homens em que consistia seu messianismo e como iria se realizar.

Tal messianismo não seria uma carreira de êxitos, de triunfos, de poder e de fama. Totalmente o contrário. O messianismo que poderia trazer salvação e solução ao mundo, seria (tinha que ser) e se realizaria em uma vida que iria terminar no enfrentamento mortal com os poderes religiosos e políticos, até ver-se marginalizado, excluído e condenado por tais poderes.

Este fato, tal como historicamente aconteceu, pareceu intolerável a Pedro. Por isso, «repreendeu» Jesus. O que foi motivo de um enfrentamento duríssimo. Porque Jesus chegou a qualificar Pedro de «Satanás». Por que esse enfrentamento chegou a tal extremo? Estava em jogo o mais decisivo. Por quê?

O Messias, segundo o Antigo Testamento, era o «ungido». E ungidos eram o «sumo sacerdote» e o «rei». O messianismo estava associado, para qualquer judeu, ao mais digno, ao poder e à grandeza. A ideia de Messias estava, portanto, vinculada ao sobre-humano, ao governo glorioso do rei Davi (Is 9,1-6; 11,1ss; Mq 5,1-5). Talvez, na ideia do Messias estrasse, também, o conceito do «sagrado». Porém, é indubitável que a ideia judaica do messianismo estava vinculada à realeza, com o poder e dignidade que lhe corresponde, na qual encarna o papel e a grandeza da salvação do povo eleito.

Uma vez posto isso, e sendo essa a mentalidade do judaísmo proveniente do Antigo Testamento, compreende-se que Jesus, ao explicar seu messianismo (tal como de fato se consumou), teve de lançar mão de uma fórmula forte e direta: «o Messias tem de ir a Jerusalém e padecer muito lá». O texto utiliza o vocábulo grego «deï», que não tem equivalente semítico e que designa uma necessidade absoluta, inquestionável.


Porém, na história da interpretação bíblica, esta necessidade expôs um problema no qual a teologia ficou presa:
* Jesus «tinha que» padecer e morrer rejeitado pelas autoridades religiosas, porque assim Deus havia decidido?
Ou:
* Porque o próprio Jesus viveu de modo que aquela vida não poderia acabar senão em fracasso, em sofrimento e na morte de um subversivo?
Aqui está o problema capital para entender Jesus, para compreender o que significa o cristianismo, e para viver a fé cristã com coerência e segundo seu razoável significado.

O que isso quer dizer?

A afirmação forte, que faz Jesus, segundo a qual o Messias «tem que padecer muito» (grego: deï pollá pathein), associa o sofrimento e a morte de Cristo com «uma necessidade absoluta». O problema está em que o vocábulo «deï» («é necessário», «tem que») se associa no Novo Testamento com decretos divinos. Isto é que deu pé para se dizer que foi Deus quem decretou o sofrimento e a morte de Jesus.

Porém, se chegamos a esta conclusão, no fundo, o que estamos afirmando é que Deus necessitou de sofrimento e morte, nada menos do que a morte de seu Filho. O que equivale fazer de Deus um monstro de maldade e sadismo. Semelhante afirmação teológica é absolutamente intolerável e inaceitável. Em um Deus assim, não é possível crer.

Para pôr as coisas em seu lugar, é necessário saber:
1) No Novo Testamento se relaciona o vocábulo «deï» com normas de Deus para a ética e a piedade (At 5,29; 1Ts 4,1; Rm 8,26; 1Cor 8,2; 1Tm 3,2.7.15; Lc 13,14.16).
2) Nunca se relaciona com sofrimentos que Deus manda ou com decisões divinas relativas à morte de alguém.
3) E, claro, jamais se vincula a sofrimentos, violência e morte cuja origem esteja nas autoridades religiosas.

Deve-se dizer, portanto, o que dizem os evangelhos quando põem na boca de Jesus os anúncios da paixão: foram os sumos sacerdotes, os doutores da Lei e os senadores aqueles que decidiram torturar, humilhar e assassinar Jesus. Nesse sentido, pode-se afirmar que não foi Deus, mas que foi a Religião (por meio de seus representantes oficiais) que matou Jesus. O projeto de matar Jesus brotou dos observantes religiosos, os fariseus (Mc 3,6). E o consumou o Sinédrio das autoridades religiosas de Jerusalém (Jo 11,47-53).

Porém o que ocorreu, no cristianismo primitivo, é que os evangelhos foram redigidos e se difundiram (em sua redação definitiva) depois do ano 70, datação que está geralmente aceita e comprovada. Contudo, muito antes, entre os anos 41 e 51-52, as primeiras «igrejas», fundadas quase todas pelo apóstolo Paulo, receberam uma mensagem distinta àquela dos evangelhos. Foi a mensagem segundo a qual Cristo morreu crucificado, como «sacrifício» e «expiação» por nossos pecados. O que, a juízo de Paulo, foi um ato de generosidade de Deus. Foi o Pai quem entregou seu Filho para a nossa «justificação» e «redenção» (2Cor 5,21; Rm 3,24-26).

Estas duas interpretações da morte de Jesus, a dos evangelhos e a de Paulo, não se integraram devidamente na teologia cristã. Porém o fato histórico nos diz que Jesus morreu como um fracasso subversivo, por solidariedade para com todos os que sofrem neste mundo. Isto é o capital. E deveria ser o determinante para a Igreja.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: CASTILLO, José María. La religión de Jesús: Comentario al evangelio diário – 2020. Bilbao: Desclée De Brouwer, 2019, páginas 312-314.

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