Há saída da pobreza
“Os
super-ricos devem ser tributados e
os
lucros devem ser compartilhados
globalmente”
Óscar Gamboa
Zúñiga
El Espectador
22-08-2020
Entrevista
especial com Jeffrey Sachs
Economista
norte-americano
POBREZA:
esse é o assunto
atual e de sempre na humanidade,
com desigualdade
não há paz nem democracia
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JEFFREY SACHS |
Jeffrey Sachs é um dos
economistas mais conceituados do mundo. Atualmente, é o diretor da Rede de
Soluções de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, bem como uma
autoridade global em questões de pobreza.
Talvez não haja um único período na
história em que a discussão dessas questões não tenha sido uma prioridade. E,
ao mesmo tempo, poucos outros momentos exigiram enfocar esses tópicos com tanta
urgência como o do mundo da pandemia que habitamos.
Eis a entrevista.
Mesmo antes da pandemia da
Covid-19, o mundo experimentava níveis preocupantes de pobreza. Em quanto é
possível aumentar esse indicador agora?
Jeffrey Sachs: A pobreza
aumentará em centenas de milhões de pessoas por causa da Covid-19. E não apenas
a pobreza, mas também a fome e as doenças não virais. Já existe uma perda
massiva de empregos, remessas, falências, cortes no orçamento, dívidas
incobráveis e muitas outras consequências da profunda crise. Ao mesmo tempo, a
super-riqueza no setor de tecnologia e em alguns outros está crescendo
espetacularmente. O Sr. Jeffrey Bezos, proprietário da Amazon, experimentou um
aumento na riqueza pessoal, em 2020, de 80 bilhões de dólares.
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Publicado no Brasil, em 2005, pela editora Companhia das Letras (SP) |
Passaram-se 15 anos desde a
publicação de seu livro “O fim da pobreza” e a meta proposta de eliminar a
pobreza extrema até 2025 não parece mais alcançável. O que aconteceu?
Jeffrey Sachs: O livro
estava correto. Com a solidariedade global, com os ricos ajudando os pobres,
facilmente existem os recursos e tecnologia suficientes para acabar com a
pobreza extrema. Não contava com o incrível egoísmo dos Estados Unidos,
especialmente sob Trump, mas também em geral. A ajuda dos Estados Unidos
para desenvolvimento é de apenas 0,16% do PIB. Isso é um quarto da meta
recomendada. Os Estados Unidos, com o que tinham a contribuir, ficaram aquém
em cerca de 100 bilhões de dólares por ano. Trump representa a porção
branca e supremacista da sociedade americana. Talvez seja 25% dessa população,
mas a maioria é do Partido Republicano.
Vimos muitas críticas ao “Millenium
Villages Project” (MVP), implementado em 14 aldeias, em 10 países na África
Subsaariana. Se pudesse estruturar este projeto novamente, faria algo
diferente?
Jeffrey Sachs: O Projeto
Millennium Villages foi um grande sucesso. Mostrou como avançar a um custo
muito baixo para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
Suas propostas foram
criticadas porque se baseiam fundamentalmente na ajuda internacional ao
desenvolvimento. Seus oponentes dizem que os planos de países em
desenvolvimento não devem ser formulados a partir de escrivaninhas em Nova York
ou Washington, já que o desenvolvimento é uma questão complexa, sempre local e
comunitária, ou seja, cada país deve encontrar seu próprio caminho partindo da
idiossincrasia, cultura e valores locais. Como responde a essa crítica?
Jeffrey Sachs: Acredito na
solidariedade global. Se os ricos estão nos Estados Unidos, Europa e China, é
cruel dizer aos pobres da África, Ásia e América Latina que resolvam seus
próprios problemas. Claro, as soluções devem ser adaptadas localmente, mas o
financiamento deve ser global. Sim, sou criticado por esse ponto de vista.
Mais uma vez, critico meu próprio país por seu notável egoísmo para com o resto
do mundo.
Acredita que a pandemia e
seu devastador impacto social e econômico podem ser o início de uma nova ordem
mundial, uma nova consciência em que a sustentabilidade ambiental e social
supera a ganância e a concentração de riqueza?
Jeffrey Sachs: Sim, os
super-ricos devem ser tributados e os lucros devem ser compartilhados
globalmente, não apenas dentro do país onde os impostos são pagos. Trump é o
protetor dos super-ricos. É um demagogo corrupto. O primeiro passo é
destituí-lo do cargo nas eleições de novembro.
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Ao sul do deserto do Saara, na África, realiza-se o "Projeto Millennium Villages", parceria entre os governos locais, países ricos e a ONU |
Acredita que a quarentena
que muitos países passaram contribuiu para a resiliência de muitos
ecossistemas?
Jeffrey Sachs: A crise
atual não está salvando o meio ambiente. Em muitos países, como Brasil e
Estados Unidos, regimes corruptos estão usando a crise para desregulamentar
o meio ambiente e até mesmo acelerar a destruição ambiental. Vamos salvá-lo
por meio de uma ação coletiva, não como um efeito colateral de uma pandemia
horrível.
Acredita que as expectativas
dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) devem ser ajustadas, em
razão da pandemia?
Jeffrey Sachs: As
instituições globais devem se ajustar. Precisamos de mais solidariedade
internacional, mais alívio da dívida, mais impostos sobre os ricos e o setor
corporativo. Devemos também adicionar o ODS 18, Acesso Universal às
Tecnologias Digitais, para garantir que todas as famílias e comunidades
possam colher os benefícios da Internet e do comércio, saúde, educação
eletrônica e outras tecnologias digitais.
Acredita que os ODS
relacionados à transformação da sociedade permitem alcançar os outros?
Jeffrey Sachs: Precisamos
de seis transformações principais:
* Educação
para Todos,
* Saúde para
Todos,
* Energia
Limpa,
* Uso
Sustentável da Terra,
* Cidades
Sustentáveis e
* Acesso
Digital para Todos.
Na América Latina, 30% dos
habitantes vivem em condições de pobreza, ou seja, cerca de 190 milhões de
pessoas. Estima-se que a pobreza aumentará de 8 a 10%, como consequência da
pandemia. Quais seriam suas principais recomendações?
Jeffrey Sachs: A região
está em uma crise massiva. Há uma enorme desigualdade e, portanto, enormes
divisões na sociedade de acordo com a classe e a etnia. A qualidade
educacional é baixa. A região está atrasada em tecnologia, incluindo
tecnologias digitais. Depende muito de combustíveis fósseis. E é
muito malgovernada em alguns países, como o Brasil. Tudo isso requer uma ampla
revisão em torno dos pilares das seis transformações que acabei de mencionar.
Na Colômbia, os municípios
com maioria da população afro concentram os maiores níveis de pobreza e
desigualdade. O que recomendaria a esses governos locais?
Jeffrey Sachs: Deveriam
desenvolver uma estratégia de subsistência sustentável, baseada em energias
renováveis (solar e eólica), educação para todas as crianças, produção de
alimentos nutritivos, acesso digital para todos e segurança física para todos.
É um mandato de alta dimensão, estou de acordo. Mas não vejo outra maneira.
E ao Governo Nacional?
Jeffrey Sachs: Todo
governo deve considerar como prioridade máxima a eliminação da epidemia de
Covid-19. Isso significa priorizar as medidas de saúde pública
(máscaras, rastreamento de contatos, testes, distanciamento físico, proibição
de grandes eventos) até a chegada de uma vacina, em 2021 ou mais tarde.
Todo governo deve monitorar e responder às crises humanitárias decorrentes da
pandemia, incluindo a pobreza de renda, a fome e os problemas de saúde mental.
Os governos devem fazer esforços urgentes para expandir o acesso às
tecnologias digitais, incluindo educação e administração eletrônica (como
os pagamentos por transferências) e a e-saúde (como telemedicina), como
respostas-chave para enfrentar a Covid-19.
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Os "Objetivos de Desenvolvimento Sustentável" é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) |
E os empresários e o setor privado
em geral?
Jeffrey Sachs: As empresas
devem determinar como sobreviver à pandemia, incluindo:
(1) trabalhar em casa;
(2) locais de trabalho seguros;
(3) novos modelos de negócios
mistos que combinem atividades online e no local de trabalho e
(4) cadeias de fornecimentos
resistentes.
Como corrigir injustiças
contra grupos étnicos?
Jeffrey Sachs: A chave é o
acesso universal aos serviços básicos, incluindo saúde, educação, lazer, etc.
Isso exige que os governos mobilizem mais receitas e forneçam mais serviços.
Esse é o caminho da social-democracia, o modelo econômico mais eficaz do
mundo atual.
Atendem a esse propósito as
ações afirmativas?
Jeffrey Sachs: O
importante é o acesso universal a serviços de qualidade, com atenção especial
para eliminar a discriminação e ajudar a superar as sequelas da injustiça. Por
exemplo, programas de desenvolvimento da primeira infância, educação de
qualidade para todos e apoio familiar para grupos de baixa renda.
Alcançar os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) depende em grande medida da
implementação. Como coordenar a participação de tantos atores interessados?
Jeffrey Sachs: Os ODS
exigem um melhor planejamento que integre, em um prazo de 10 anos, as
necessidades de investimento público e privado com métodos de financiamento.
Mas não é suficiente expressar apoio aos ODS. Para alcançá-los, é necessário
um plano, por meio de um projeto de investimento detalhado, específico e
financiado.
O que considera que deveria
estar presente em um plano de recuperação econômica da Colômbia para irradiar
setores historicamente excluídos?
Jeffrey Sachs: A Colômbia
e o resto da América do Sul precisam de um novo modelo econômico baseado
na:
*
diversificação da economia por meio de melhores tecnologias,
* melhor
educação para todos,
* energia
renovável,
* uso
sustentável da terra e
* um sistema
de arrecadação de impostos e renda com os quais o Governo possa apoiar
investimentos públicos, incluindo serviços.
Isso exigirá políticas
consistentes ao longo de uma geração. Eu sei que não será fácil.
[...]
Traduzido pelo Cepat.
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