Entendendo o Brasil
Um
povo acostumado a ir ao matadouro
Eliane Brum*
No país em que a
maioria da população é reduzida à sobrevivência,
quem são os burros
e os mal-informados?
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Grupo faz homenagem, em 7 de agosto, aos 100.000 mortos pelo coronavírus. AMANDA PEROBELLI / REUTERS |
O Brasil superou as 100.000 mortes
por covid-19 e, na velocidade atual em torno de 1.000 mortos por dia, poderá
chegar aos 200.000 ainda em outubro. E então a Folha de S.Paulo
estampa na manchete de 15 de agosto a conclusão da pesquisa do Datafolha:
“para 47% dos brasileiros, Bolsonaro não tem culpa pelas 100 mil mortes por
covid-19”. Nenhuma culpa. O Brasil tem 21 novos casos/dia por 100.000
habitantes, quando a média global é 3. Mesmo vilões como os Estados Unidos
de Donald Trump têm 17 novos casos/dia por 100.000 e a Índia de Narendra Modi,
5. Mesmo com as evidências de negligência intencional e deliberada na
relação com a pandemia, que já motivou três petições de crimes contra a
humanidade no Tribunal Penal Internacional, a mesma pesquisa já tinha mostrado
que Bolsonaro alcançou sua melhor aprovação desde o início do mandato: 37% de
ótimo ou bom. A melhora é puxada especialmente pelos mais pobres e pelo
Nordeste do Brasil, região onde ele teve menos votos em 2018. A rejeição
caiu enquanto o número de mortos explodiu.
Por que quase metade dos brasileiros se comportaria como “gado
humano”, como tem sido chamada, e aceitaria Bolsonaro conduzi-la alegremente
para o matadouro?
A conclusão mais fácil,
amplamente difundida nas redes sociais, é a de que as pessoas são burras. E também
mal-informadas. O auxílio emergencial de 600 reais por mês para os mais pobres
devido à pandemia teria feito com que Bolsonaro fosse visto momentaneamente
como o capitão dos pobres. A desinformação seria por conta de que o Governo
federal foi obrigado pelo Congresso a pagar 600 reais. Bolsonaro não queria
passar dos 200. O campo da esquerda, que quase dois anos depois da eleição
ainda não foi capaz de fazer oposição efetiva a Bolsonaro, apavora-se porque o
Governo emite sinais de que o Bolsa Família do lulismo pode virar o Renda
Brasil do bolsonarismo. E, se isso acontecer, Bolsonaro tem mais chances de se
reeleger em 2022.

O que é ser burro e o que é ser
inteligente, porém, não é uma definição fácil, muito menos simples. Grande
parte da população brasileira vive apenas o dia de hoje. Para a maioria, o
mês seguinte já é longe demais. A ideia de futuro é considerada um
privilégio dos mais ricos, e este é um dado muito importante, porque emancipação
política só é possível com pessoas que têm acesso à ideia de futuro. Quando
o futuro se torna um privilégio dos mais ricos, e não um direito assegurado a
todos, a maioria é condenada ao presente. E o presente é movido por comer ou
não comer, ter um lugar para dormir ou ser despejado, manter-se respirando.
A realidade é que os 600 reais do
auxílio emergencial garantiram uma renda inédita a pelo menos 65 milhões de
brasileiros e suas famílias. E, quando o benefício acabar, o que pode acontecer
em seguida, voltarão a ter que se virar com muito menos, num país com um número
ainda maior de desempregados e com a recessão se ampliando. Segundo artigo de
Mauro Paulino e Alessandro Janoni, diretor-geral e diretor de Pesquisas do
Datafolha, “dos cinco pontos de crescimento da taxa de avaliação positiva
[de Bolsonaro], pelo menos três vêm dos trabalhadores informais ou
desempregados que têm renda familiar de até três salários mínimos, grupo
alvo do auxílio emergencial pago pelo governo”.
Vale a pena ressaltar que o que se
chama de classe média no Brasil, assim como aqueles que se entendem como classe
média, nada têm de média. Em São Paulo, por exemplo, segundo a calculadora
preparada pelo Nexo, se você ganha 12.000 reais por mês já faz parte do
seletíssimo clube do 1% mais rico do Brasil. A tabela tem suas limitações,
mas cada um pode calcular sua renda em comparação com o restante da população e
ter uma ideia muito aproximada da situação.
O Brasil tem a segunda pior concentração de renda do mundo,
conforme o Relatório de Desenvolvimento da ONU:
o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total do país.

Só perde por muito pouco para o
Catar, onde a concentração de renda chega a 29%. Este é o tamanho do abismo
da desigualdade brasileira. Vale a pena lembrar ainda que os bilionários
não são 1%, como se costuma dizer no senso comum — e sim 0,00003% da população
global. Mais especificamente 2.153 pessoas como eu e você, que
concentram 60% mais riqueza material que quase 7,8 bilhões de pessoas da mesma
espécie.
O mundo tem uma pessoa bilionária
para cada 3,7 milhões de outras. No Brasil, segundo o último ranking da
Forbes, há 45 pessoas bilionárias. Quarenta e cinco. Enquanto isso, a
metade mais pobre da população brasileira, cerca de 104 milhões de pessoas,
vivia em 2018 com 413 reais de renda mensal.
Não há futuro para a maioria com essa desigualdade monstruosa.
Só um presente vergonhosamente precário.
E o presente vergonhosamente
precário é, neste momento, ainda absurdamente precário, mas menos precário com
o auxílio emergencial de 600 reais — composto por recursos públicos, mas interpretado
como uma benemerência de Bolsonaro.
Favelas imensas ao lado de condomínios de luxo |
A redução da miséria e da
pobreza, conquistada nos anos dos Governos do PT (e, antes dele, em níveis
consideravelmente menores, nos governos do PSDB de Fernando Henrique Cardoso),
foi imensamente importante, mas suficiente apenas para reduzir a fome e
garantir melhorias pontuais, como acesso a bens básicos como geladeira e fogão.
Isso, é necessário assinalar, não é pouca coisa. A questão, que já era apontada
na primeira década deste século, é que jamais foi suficiente para criar cidadãos,
no sentido daquilo que é definido como sujeitos de direitos. Para criar cidadãos é necessário reduzir a desigualdade, o que
nunca foi feito de forma significativa no Brasil.
Para diminuir a desigualdade é preciso
fazer mudanças estruturais capazes de reduzir os privilégios da minoria
mais rica e taxar pesadamente as grandes fortunas.
Só assim se garante uma redistribuição mais
igualitária da riqueza existente.
O Governo mais próximo de um
ideário social de esquerda no Brasil, o de Lula, era um governo de conciliação.
Lula e principalmente Dilma Rousseff sacrificaram a Amazônia e o Cerrado,
assim como bandeiras históricas como a da reforma agrária, para garantir a
massiva exportação de matérias-primas durante um momento de crescimento da
economia global, especialmente da China. Era a fórmula — limitada, como se
viu — para os pobres ficarem menos pobres e, ao mesmo tempo, os ricos mais
ricos.
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CONSTRUÇÃO DA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE: na bacia do Rio Xingu, próximo ao município de Altamira, no norte do estado Pará. Projeto e início da construção durante o governo de Lula. Um atentado contra a natureza, a Amazônia, aos povos indígenas e à inteligência! |
Há muitas definições de cidadania.
Eu gosto daquela que define o cidadão como aquele que pode ter a certeza do
básico — alimentação, transporte, saúde e educação — e então pode ser capaz
de imaginar e criar futuros onde quer viver porque o seu tempo não é
devorado pela estrita manutenção do corpo, mas para desenvolver seu
potencial para a ampliação do bem comum. Se o mundo é hoje extremamente
desigual, o Brasil, com seu tamanho continental e 210 milhões de habitantes, é
o exemplo mais eloquente da violência representada pelo sequestro do futuro
da maioria da população, reduzida ao esgotamento cotidiano dos corpos para
manter-se respirando.
Diante das condições de vida
absolutamente precárias da maioria dos brasileiros e do súbito aumento da renda
com o auxílio emergencial, o surpreendente não é que a aprovação de
Bolsonaro suba durante a pandemia. O surpreendente é que isso seja uma
surpresa. Se a reação previsível e lógica dos mais pobres é uma surpresa para
parte da população, especialmente no campo da esquerda, quem então são os
burros e os mal-informados sobre o que se passa no país?
O boicote intencional de Bolsonaro
ao enfrentamento da covid-19 pode ser comprovado por atos documentados no
Diário Oficial da União, além de uma comunicação feita deliberadamente para
desinformar a população. As pesquisas também provam que são os mais pobres,
e a maioria dos mais pobres no Brasil é negra, que morrem mais de covid-19.
No Campo Limpo, um dos bairros com Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos de São Paulo, a letalidade da
covid-19 por 100.000 habitantes é altíssima — 52%. Já nos bairros mais
ricos, com IDH mais alto, como Pinheiros, a
taxa é de 5%. Na maior cidade do Brasil, há 10 vezes mais letalidade por
covid-19 nos bairros mais pobres quando comparados aos mais ricos.
Como então é possível que a
melhoria nos índices de aprovação do antipresidente seja justamente puxada
pelos mais pobres? A resposta também pode ser buscada na precarização da vida. O
que chamamos de povo brasileiro é composto, em sua maioria, por pessoas que só
vivem porque teimam. A história do Brasil é uma trajetória de espoliação de
matérias-primas extraídas da natureza e, no caso da maioria da população, de
corpos escravizados e depois brutalmente explorados.
O que se transmite de pai e mãe para filhos e filhas é que
a sobrevivência
não é garantida, ela é arrancada.
A morte é normalizada.
A história das famílias mais pobres
é uma história em que os filhos mortos são contados junto com os vivos. As
mulheres sabem que parte da sua prole pode morrer pelas condições precárias da
vida, pela falta de acesso à saúde, à água, a saneamento básico e também a
alimentos. Também sabem que morrer por violência é uma probabilidade,
especialmente se seu filho for negro, seja pelas balas da polícia, da milícia
ou por assalto. Há periferias do Brasil em que você pode bater aleatoriamente
em uma fileira de portas e todos terão uma morte ou mais para contar, por
violência e/ou por falta de condições de saúde.
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Crianças recolhem cartuchos de fuzil disparados em favela: acostuma-se com a morte, desde cedo! |
A tragédia crônica do Brasil é ter
um povo para quem a morte por doenças evitáveis e por violência é normalizada porque
foram colocados na condição de matáveis e de morríveis desde a formação do
país. Não é um povo, é uma massa de desesperados extremamente criativos que
vem resistindo há séculos contra todas as formas de extermínio.
O que quero explicitar é que os
brasileiros mais pobres vivem sujeitados a aceitar a perda dos que amam. Esta é
uma das faces mais horrendas da desigualdade, mas o horror desta face nunca a
impediu de ser aceita como normal, em especial pelos mais ricos, inclusive os
que se consideram classe média.
Neste sentido, a covid-19 é mais uma forma de morte.
Se as outras mortes não são evitadas,
por que esperar que um governante evitasse esta?
Para suportar o horror de estar na
condição dos que podem morrer por aquilo que não mata os brancos e
os mais ricos — ou pelo menos que mata muito menos os brancos e os mais
ricos —, uma parcela significativa dos brasileiros atribui seu destino à
vontade divina. Pelo menos, neste caso, podem rezar, pagar o dízimo
para o pastor, tentar reverter o destino ou, pelo menos, encontrar um sentido
para suas tantas perdas numa vontade superior. Numa realidade que parece
imutável, o que não se pode entender, como a vontade de um deus, pode ser mais
suportável do que a explicação de que a sua vida pouco importa para quem tem
seu destino terreno nas mãos.
Assim, a covid-19, tanto quanto as
outras doenças, também é considerada culpa de ninguém. Nem mesmo
de Bolsonaro, apesar dos seus vômitos públicos de irresponsabilidade. O “E
daí?” de Bolsonaro é apenas um degrau a mais, por ter sido dito em voz alta,
para o grande “e daí?” histórico, permanente e persistente vivido pelos mais
pobres ao longo de gerações e de Governos. Para alguns fiéis de determinadas
igrejas neopentecostais, pragas do gênero já estão inclusive previstas na
Bíblia. As doenças são em geral uma alegoria com muita ressonância numa
população cada vez mais evangélica. A pergunta do Datafolha pode nem fazer
muito sentido para uma parcela da população: como assim um presidente vai ter
culpa por uma doença? Doença acontece, é fatalidade, quando não enviada por
Deus para castigar a imoralidade reinante.
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A dor constante e a falta de futuro conduzem a crer no destino divino |
Isso é ignorância? Pode ser. Mas é
principalmente sobrevivência, inclusive psicológica. Se você aceitou que
a perda e a morte fazem parte do seu lugar no mundo, como fizeram parte antes
do destino de seus pais e avós, o que importa é garantir a comida, o gás, o
puxadinho para quem sobrar. Garantir os 600 reais. E quando os 600 reais
acabarem? O amanhã é longe. Não há futuro para quem foi reduzido ao hoje.
Se a maior parte da população está na condição de matável e de morrível — e
isso nunca mudou, nem nos melhores anos do governo Lula —, qual é a surpresa
no fato de que os 100.000 mortos não impactem negativamente na aprovação de
Bolsonaro e que os 600 reais impactem positivamente? De novo, quem são os
burros e os mal-informados?
Neste momento, há um debate sobre
as variáveis. Bolsonaro cada vez mais se descola da agenda neoliberal de Paulo
Guedes, com a qual de fato nunca se importou, era apenas seu passaporte para
ter o apoio dos representantes do que chamam de “mercado” na eleição. Rifou
meses antes Sergio Moro e a classe média que ele representava, isso quando o
próprio Moro já tinha rifado antes sua reputação e levado para o esgoto um pedaço
da Operação Lava Jato. A Bolsonaro interessa o poder e a proteção da sua
família. E se o poder é o único princípio, nenhum problema em se unir ao
Centrão no momento em que se vê acuado pela aproximação cada vez maior das
investigações envolvendo Fabrício Queiroz, as rachadinhas no gabinete do filho
zeroum e o envolvimento com as milícias do Rio. Há chances consideráveis de que
em algum momento próximo Bolsonaro possa mesmo rifar Guedes e se tornar o novo
pai dos pobres, fazendo a migração do auxílio emergencial para o Renda Brasil,
mirando seus dedos de arminha na reeleição de 2022.
E a oposição? Bem, é preciso
entender que quem fez a oposição mais efetiva à extrema direita de Bolsonaro
foi a direita. O presidente do Câmara, Rodrigo Maia (DEM), assim como
governadores até ontem aliados, como João Doria (PSDB), em São Paulo, e Wilson
Witzel (PSC), no Rio de Janeiro. Hoje, com Bolsonaro fazendo os giros
necessários para agradar a uma parcela dessa direita, Rodrigo Maia está
confortavelmente sentado sobre a pilha de quase 60 pedidos de impeachment e
chegou a dizer em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que não vê
Bolsonaro praticando crime nenhum que justifique a abertura de processo de
impedimento no Congresso.
No Supremo Tribunal Federal, Gilmar
Mendes, o ministro mais ligado à política partidária de direita e de
centro-direita, passou meses batendo duramente no governo. Recentemente,
alertou os generais de Bolsonaro sobre o risco de serem atingidos por denúncias
de genocídio relacionadas à atuação deliberadamente catastrófica do Governo na
covid-19. Dias atrás, porém, assinou uma decisão liminar considerando que
Fabrício Queiroz, ex-PM e assessor do senador Flávio Bolsonaro, e sua mulher,
Márcia Aguiar, têm o direito de cumprir prisão em casa em vez de na cadeia.
Decisão bastante incomum dada a trajetória do casal, ele escondido por meses e
ela foragida. Por coincidência — ou não —, a decisão vem num momento em que
as investigações por corrupção e envolvimento com milícias chegam mais perto de
Bolsonaro, mas ele faz acenos a partidos como o MDB de Michel Temer, seu
mais recente conselheiro, que chegou a ser enviado em missão oficial ao Líbano
pelo novo amigo.
E a esquerda partidária? Esta não
conseguiu fazer oposição efetiva até hoje. Enquanto parte da direita
dá sinais de estar se acertando com a extrema direita bolsonarista, o PT não
consegue se acertar com a esquerda nem para disputar a Prefeitura de São Paulo
nas próximas eleições municipais. Com a ameaça de o Renda Brasil substituir o
Bolsa Família na memória da população, os petistas se moveram para estimular a
memória do povo. A realidade mostra, porém, que memória curta é questão de
sobrevivência para grande parte da população. Num país em que uma renda de
600 reais por mês é a maior alcançada por dezenas de milhões de pessoas numa
vida inteira, o que se pode esperar? Vivem como se não houvesse amanhã porque
há mesmo grandes chances de não haver.
Se a direita se acertar com a
extrema direita, ainda que momentaneamente, o Brasil vai viver uma situação
inédita:
* no pior
Governo da história da República,
* com quatro
petições por crimes contra a humanidade perpetrados por Bolsonaro no TPI e
* mais de
110.000 mortos de covid-19 não haverá nenhuma oposição partidária.
Sim, porque a esquerda está ocupada
brigando entre si e fazendo oposição a si mesma.
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JAIR BOLSONARO: passou de crítico ao Bolsa Família a criador da Renda Brasil - populismo que garante vitória |
Quando uma parte significativa da
população aprova Bolsonaro e diz que ele não tem culpa nenhuma pela covid-19,
essa parcela está fazendo a única política que conhece. Graças a essa adesão, Bolsonaro
vislumbrou um caminho para ser reeleito e, pela primeira vez, cogita
garantir sua popularidade distribuindo renda para os mais pobres. Justo
ele, que foi o único presidente da redemocratização que não citou a redução da
pobreza num discurso de posse, está revendo sua posição. Quem conseguiu esse
feito? Não foi a oposição nem foi a esquerda. De novo e pela última vez: quem
são os burros e os mal-informados?
É claro que se trata de Bolsonaro.
Se ele vislumbrar outro caminho para garantir a reeleição, salvar sua família —
e a si mesmo — das investigações ou para consumar o golpe de forma mais
clássica, o Renda Brasil pode desaparecer do horizonte das possibilidades em um
segundo. Da mesma forma, se ele mudar de conveniência, os novos amigos podem
virar inimigos de novo em menos de 24 horas. No momento, porém, sem combinar
entre si, mas combinados pela experiência dos séculos, os que só têm o dia de
hoje para viver elogiam o coronel da ocasião, neste caso um capitão reformado
que gosta de armas e de bombas, e o absolvem de todos os pecados. Esse
cenário de adesão também pode mudar da noite para o dia, caso não exista algum
tipo de continuidade do auxílio emergencial.
O mais surpreendente na pesquisa do
Datafolha é justamente o outro lado: que, neste Brasil precarizado e povoado
por desesperados,
52% da população ache que Bolsonaro tem alguma culpa pelos
100.000 mortos
— a maioria — ou toda a
culpa — uma minoria.
Sinal de que as forças
emergentes dos Brasis que seguem avançando pelas fissuras e pelas bordas têm se
movido — e muito — por um país em que futuro não seja coisa de rico. Sinal
também de que há muitos entre os mais pobres que, contra todas as estatísticas,
se recusam a seguir reduzidos à exaustão dos corpos e vêm lutando ferozmente
pelo exercício da solidariedade, pela responsabilidade coletiva e pelo direito
ao futuro. E esta é uma notícia incrível, que aponta para a resistência.
Ainda um acréscimo: para quem chama
os bolsonaristas e também os brasileiros pobres, que neste momento aprovam
Bolsonaro, de “gado humano”, um aviso. A boiada, quando é brutalmente
empurrada para o matadouro, sofre horrores, esperneia, os olhos parecem
saltar das órbitas, se mija de pavor. Tenta desesperadamente escapar.
* Eliane Brum é escritora, repórter e
documentarista. Autora de diversos livros.
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