Quem governa o Brasil, de fato?
O capitão do mato como assessor de imprensa
Eugênio Bucci
Jornalista e Professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP)
Nos
desplantes contra a imprensa e a sociedade há truculência ancestral e
obtusidade imemorial
A prática sistemática de ignorar as perguntas dos repórteres é mais um capítulo no bestiário que inclui numerosos insultos às redações jornalísticas e a seus profissionais. O governo, que já se notabilizou por ofender rotineiramente as empresas de comunicação e o ofício dos que se dedicam a informar o público, passa agora a adotar como política diuturna a arrogância do mutismo ostensivo e o desprezo contumaz pelo direito à informação. O quadro só piora.
É difícil encontrar
precedentes para esse tipo de aberração. Nem mesmo Armando Falcão, ministro da
Justiça de Ernesto Geisel, na ditadura militar, que recorria a evasivas como
“nada a declarar” ou “sem comentários”, chegou a tanto. O que se estabelece
agora, muito mais do que a esquisitice de um ministro dado a chiliques, é
uma norma não escrita de indiferença governamental aos jornalistas e ao direito
que cada cidadão tem de saber o que se passa dentro do Poder Executivo.
É como
se as autoridades nos dissessem a toda hora: “Vocês que se danem”.
No curso dos desplantes continuados contra a imprensa e contra a sociedade há traços de uma truculência ancestral – e de uma obtusidade imemorial. O presidente que aí está já deu mostras sucessivas de seus limites cognitivos, que o impedem de alcançar a complexidade das relações políticas mediadas por institutos como a liberdade de expressão e o direito à informação em sociedades modernas. O estilo deseducado, quando visto pela perspectiva do indivíduo em questão, é antes produto da estreiteza mental que de uma revolta genuína ou refletida. Nele o excesso de infâmia resulta da escassez de pensamento, o que o leva a se portar como um bárbaro dentro de seu próprio país.
Violência é a palavra-chave. Nas forças que levaram Jair Bolsonaro ao poder encontramos pistas que nos remetem à brutalidade que nos definiu como nação, numa linha contínua que atravessa toda a História do Brasil. O pacto autoritário que o elegeu e o sustenta tem no seu núcleo a presunção de que a opressão física a mando de interesses privados resolve os supostos desvios da vida pública. Nesse pacto a obediência tem mais valor do que a consciência e a liberdade.
Que
fique bem claro!
O
chefe de Estado não é simplesmente um tipo amalucado de efeitos genocidas, não
é apenas um falastrão xucro que chegou lá porque o eleitorado é volúvel e
conservador – ele é a forma concreta do método pelo qual as camadas mais
ricas e mais fortes esperam resolver seus impasses particulares a despeito do
bem público.
Na constituição de caráter (ou de ausência de caráter) do atual presidente comparecem:
* o capitão do mato,
* o jagunço,
* o matador de aluguel,
* o feitor de escravos,
* o capataz,
* bem como as novíssimas afetações das empresas de
segurança privada e as milícias, as milícias, as milícias.
Por meio dele, a polícia manietada se sobrepõe à política ilustrada. Ele entrou em cena como um prestador de serviços sujos a senhores que, em geral, preferem se refugiar em anonimatos ilustres e jamais o convidariam para jantar, ainda que o vejam como um agente útil, capaz de carpir a terra agreste para cair fora em seguida. O presidente está para as elites de hoje assim como o chicote, a chibata e os esquadrões da morte estavam para as elites de outros tempos. É uma ferramenta necessária, embora sabidamente infame.
O que não ocorre aos
senhores, chafurdados em privilégios, é que às vezes o leão de chácara vira
dono da boate – vide Pinochet. Não lhes ocorre que a política civilizada, no
nosso tempo, é a única via de acesso ao futuro – vide Biden. Não há
atalhos. Por não terem visto nada disso, e por acreditarem que o serviço sujo
traz a “limpeza” classista, mantêm seu apoio indigno a um provocador que usurpa
o próprio mandato. Não, a nossa tragédia não é a persistência do presidente da
República.
A
nossa tragédia pior são aqueles que o sustentam por ação ou omissão.
E assim estamos. Quando esse
governo achincalha a imprensa, como vem fazendo seguidamente, quer achincalhar
a instituições da democracia e da vida civilizada. Sem descanso, trabalha para
expelir da cena pública qualquer olhar que não seja subserviente.
O
governante que alimenta o projeto de um Estado como a extensão de um quartel
rebaixado quer a sociedade como uma plateia de bajuladores.
Enquanto isso, vai fazer mais vítimas entre os que lhe deram esteio, pavimentando o caminho para seu idílio de intolerância e desfaçatez, no qual ele não terá de dar respostas, nunca, apenas ordens. Fora isso, vai seguir batendo na imprensa, vai continuar a chamá-la de “lixo”, sempre para deixar patente que, em matéria de cultura, de civilidade e de boas maneiras, a ele bastam o penteado descentrado e a gravata desconforme.
Para compreender, com mais profundidade, a seriedade e alcance do projeto de poder daqueles que nos governam, assista ao vídeo abaixo. Vale a pena!!! Clique sobre a imagem para assistir:
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