Estão de brincadeira!

 COPs mais parecem exercício masoquista de autoengano coletivo 

José Eli da Veiga

Professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), é autor, entre outros, de “O Antropoceno e as Humanidades” (Editora 34); mantém o site www.zeeli.pro.br 

Não são nas conferências do clima que devem ser depositadas esperanças por algum freio ao inexorável processo de aquecimento global

Merecem máxima atenção duas recentes notícias sobre os gases de efeito estufa (GEE): uma sobre o metano (CH4) e outra sobre o dióxido de carbono (CO2). Mostram o quanto têm sido enganosas as 29 negociações anuais da Convenção do Clima (COPs), das quais a mais surrealista tende a ser a próxima, em Belém do Pará. 

O drama do metano foi bem destacado esta Folha no último 16 de novembro: os avisos de vazamento permanecem simplesmente ignorados. Foram respondidos tão somente 1% dos 1.200 alertas para grandes emissões feitos pela ONU. As emissões de metano da indústria de petróleo e gás permaneceram em nível recorde, apesar de 150 países terem assinado, em 2019, o respectivo compromisso global. 

Impossível esquecer que o metano tem 80 vezes o poder de aquecimento do dióxido de carbono, em período de 20 anos. Esse tipo de emissão já causou um terço do aumento da temperatura global observado desde meados do século 19. 

Na tragédia do dióxido de carbono, o espanto foi com o impacto mais de cinco vezes superior ao esperado para 2023. O estoque de CO2 na atmosfera cresceu 3,3 partes por milhão (ppm), embora as emissões humanas tenham ficado em 0,6 ppm. 

A explicação é mais simples do que pode parecer à primeira vista. Por causa da quentura de 2023, florestas, solos e oceanos absorveram bem menos CO2. Foi irrisória a suposta “compensação” por retenção natural do mais abundante gás atmosférico. 

Esse fato coloca na berlinda uma das noções mais enganosas que emergiram nas quiméricas negociações da Convenção do Clima: a de uma imaginária “neutralidade carbono”, desta ou daquela nação, em algum ano entre 2045 e 2060. 

Mas também mostra o quanto é absurdo que, em “mercados de carbono”, os créditos não se restrinjam —por enquanto— a efetivos cortes das emissões. No futuro, também poderão incluir verificáveis sequestros. Não faz sentido, contudo, que sirvam para legitimar aumentos de emissões com o fictício pretexto de contrapeso natural. 

A principal consequência de tal esbulho foi o esmorecimento dos cortes de emissões, trocados por contestáveis promessas de remoções. As melhores estimativas são de que, no máximo, 5% das compensações (offsets) “removam” dióxido de carbono da atmosfera. 

Pior: ao contrário do que se supõe, a resposta do ciclo clima-carbono ao que seria uma emissão negativa de CO2 não é igual em magnitude —nem de sinal contrário— a uma equivalente emissão positiva do mesmo gás. 

À luz dessas evidências, só se pode concluir que as extravagantes COPs mais parecem com um masoquista exercício de autoengano coletivo. Até cumprem alguns papéis, mas não são nelas que devem ser depositadas esperanças por algum tipo de freio ao inexorável processo de aquecimento global deste século. 

Se existe alguma chance de futura desaceleração, ela certamente dependerá muito mais dos avanços tecnológicos em busca da energia de fusão nuclear do que do inepto regime multilateral improvisado pela apressada Convenção do Clima. 

Como também informou esta Folha, algumas empresas já anunciam que estamos muito perto de poder utilizar a fusão nuclear, encurtando significativamente o tempo em que os combustíveis fósseis permanecerão indispensáveis. 

Fonte: Folha de S. Paulo – TENDÊNCIAS / DEBATES – Domingo, 8 de dezembro de 2024 – Pág. A4 – Internet: clique aqui (Acesso em: 11/12/2024).

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