Vem aí uma guerra comercial?

 Olho por olho, dente por dente 

Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela Universidade Fluminense do Rio de Janeiro 

A Terceira Guerra pode ter começado; não a militar, e sim a econômica

A Terceira Guerra pode ter começado. Não a militar, e sim a econômica. Cada país parece estar correndo para se proteger, doa a quem doer. Quando o presidente da Coreia do Sul estabelece lei marcial e volta atrás, o governo francês entra em colapso e os países começam a planejar reações às possíveis tarifas americanas, a desestruturação do sistema internacional pode acabar em diversos conflitos econômicos, não somente entre Estados Unidos e China. 

O sistema de comércio internacional foi criado para evitar as políticas olho por olho, dente por dente. A razão é que os sistemas políticos locais são facilmente capturados por interesses protecionistas. Os ganhos do comércio internacional são difusos, mas as perdas são concentradas. Por exemplo, quando Trump assinou a primeira rodada de tarifas para limitar importações de alumínio e aço, em 2018, chamou os sindicatos de trabalhadores para posar com ele. Obviamente, os maiores vencedores foram os donos de usinas, no entanto esses não sairiam bem na foto. A OMC (Organização Mundial do Comércio) existe para que governos possam dizer aos interesses locais:Desculpe, mas acordos internacionais não permitem proteger o setor de vocês”. 

No mercado financeiro, há um equilíbrio precário no qual os fundos de investimento compram títulos públicos de países endividados e vendem rapidamente papéis de países cujos indicadores de risco disparam. Com a crise francesa, os títulos do país despencaram e chegaram a ficar abaixo dos papéis da Grécia, o segundo país mais endividado do mundo (atrás do Japão). 

Essas incertezas criam incentivos para os países se fecharem em silos e protegerem seus mercados, comerciais ou financeiros, custe o que custar. O Japão acabou com décadas de precedente e interveio no mercado de câmbio para limitar a desvalorização do iene. O presidente da Coreia do Sul jogou o país em uma crise institucional para tentar se salvar, sem se importar com o custo para a sociedade. 

Enquanto isso, a China acaba de limitar a venda de minerais raros para os Estados Unidos. Essa medida não tem impacto gigantesco no longo prazo, pois, apesar do nome, minerais raros são comuns. Há depósitos desses materiais pelo mundo inteiro —o que é raro é a produção instalada. Ainda é um grande sinal: o país está preparado para políticas olho por olho, dente por dente, o que poderia jogar o mundo em uma guerra protecionista. 

No passado, os chineses tentaram a todo custo limitar essa possibilidade, a ponto de nem reagirem à primeira rodada de tarifas de Trump. Agora, no entanto, estão dispostos a aguentar perdas de eficiência e fugas de capitais para peitar os americanos. 

Em parte, a disparada do dólar no Brasil está relacionada às turbulências internacionais. Mas não podemos colocar a desculpa nisso. É o contrário. Se o cenário vai ficar mais turbulento, precisamos fazer o dever de casa, com reformas mais robustas que as anunciadas. Se houver crise de confiança na Europa, vai haver fuga de capitais mundiais para os Estados Unidos, já que, mesmo com a alta dívida americana, a pujante economia do país tem sustentado o crescimento mundial. 

O dólar a R$ 6 pode ser o novo normal, mas o que fazer se mercados mundiais colapsarem? Ninguém sabe. Deve piorar antes de melhorar. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Mercado/colunas e blogs – Sábado, 7 de dezembro de 2024 – Pág. A20 – Internet: clique aqui (Acesso em: 05/12/2024).

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