Solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora – Homilia
Evangelho: Lucas 1,26-38
Frei Alberto Maggi
Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)
Deus
sempre realiza o seu plano, cabe a nós acolhê-lo e colaborar com ele
Nada é impossível para Deus. É com estas palavras que se conclui o episódio da anunciação do anjo Gabriel a Maria. Para que nada seja impossível para Deus, é necessário ouvir a sua palavra, confiar nela e, então, é preciso agir! O evangelista encerra o episódio da anunciação com esta certeza – de que nada é impossível para Deus – porque o caminho é verdadeiramente difícil.
São Paulo, na primeira carta aos Coríntios, diz que Deus escolheu o que é desprezado, o que é ignóbil no mundo, o que nunca teríamos escolhido para os nossos empreendimentos (cf. 1Cor 1,28). Foi isso que Deus fez!
Lucas 1,26: «Naquele tempo, no sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré,»
Ele começa dizendo: “Quando Isabel estava no sexto mês, o anjo Gabriel
foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia”. As coisas já estão se
complicando por aqui: justamente na Galileia? A Galileia era uma
região turbulenta ao norte do país, habitada por arruaceiros, gente rude,
gente violenta. Na época de Jesus, dizer “galileu” não indicava alguém
vindo daquela região, indicava um indivíduo beligerante. Um historiador da
época, Flávio Josefo, escreveu: “Os galileus são briguentos desde tenra idade”.
Era a terra dos revolucionários; recorde-se da famosa revolta de Judas,
o Galileu, que se voltou contra os romanos e terminou num banho de sangue.
Esta região não tinha nome; foi o profeta Isaías quem a nominou, com desprezo,
no capítulo 8 do seu livro como “o distrito dos gentios”, isto é, dos
pagãos (cf. Is 8,23). “Distrito”, em hebraico, é ghelil
(fonético), daí o termo Galileia.
“Chamada Nazaré”: as coisas também não vão bem aqui! Quem conhece esse lugar? Nazaré nunca foi mencionada em nenhum lugar da Bíblia; não só é uma cidade desconhecida, mas também tem má reputação. Há um dos discípulos, Natanael, que recebe um lindo elogio de Jesus: “Aqui está verdadeiramente um israelita em quem não há falsidade”, ora Natanael comentou, um pouco antes desse elogio: “Pode vir alguma coisa de bom de Nazaré?” (Jo 1,46.47). Foi o covil dos revolucionários, dos terroristas da época, dos zelotas, daqueles que zelosamente se voltaram contra os romanos.
Lucas 1,27: «a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da Virgem era Maria.»
Então vemos que o caminho é todo difícil e há, ainda, mais uma surpresa: a
quem se destina a mensagem de Gabriel? A uma moça chamada Maria; mas
por que justamente este nome Maria? Maria é um nome que aparece apenas uma vez
na Bíblia e depois não aparece novamente porque evoca a maldição de Deus.
Era um nome que trazia azar. Quem era essa Maria? Ela era irmã de Moisés,
uma mulher ambiciosa e intrigante que, aproveitando o declínio da popularidade
do irmão que se casara com uma etíope, tentou ocupar o seu lugar. Bem, Deus a
puniu com o castigo mais terrível que foi o da lepra (cf. Nm 12).
Achamos difícil compreender a indicação que o evangelista nos dá: “a uma
virgem, prometida em casamento”. Porque os usos conjugais do tempo são
muito distantes e diferentes dos nossos. O matrimônio ocorria em duas fases:
uma primeira fase denominada promessa de casamento, quando a mulher
tinha 12 anos e o homem 18, e depois de um ano a segunda fase do casamento
denominada núpcias. Então aqui temos essa moça que estava na primeira
fase do matrimônio (a promessa), quando ainda não era possível os cônjuges
viverem juntos e se relacionarem.
Outro detalhe nada desprezível: Deus jamais havia dirigido a sua palavra a uma mulher! Pois, a Bíblia diz que: “da mulher veio o princípio do pecado, e é por causa dela que todos morremos” (Eclo 25,33).
Lucas 1,28: «O anjo entrou onde ela estava e disse: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!”»
“Cheia de graça”: o que não é uma observação que o anjo faz das virtudes de Maria, mas diz “repleta pela graça”. Deus não se deixa atrair pelos méritos de Maria, mas enche-a do seu amor. “O Senhor está contigo”: é a expressão com a qual Deus confirmou a sua presença àqueles que chamou para realizar as suas ações, como Gedeão (cf. Jz 6,12), por exemplo.
Lucas 1,29-31: «Maria ficou
perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da
saudação. O anjo, então, disse-lhe: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste
graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o
nome de Jesus.»
Então é Deus quem enche Maria de seu amor. “Conceberás um filho”, e aqui começam as inovações que amadurecerão ao longo da vida de Jesus e do seu ensinamento. Segue, “darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus”. Mas isso é inédito, a mulher não pode dar o nome ao filho que vai nascer. E, depois, o nome do filho que nasce é o mesmo do pai, aqui é a mulher que é chamada a romper com a tradição, a romper com o passado, a abrir-se ao novo. É ela quem deve dar o nome ao filho e não deve chamá-lo pelo nome de seu marido, José, como manda a tradição, mas deve chamá-lo por este nome de Jesus.
Lucas 1,32-33: «Ele será grande, será
chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele
reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim”.»
O anjo não diz que essa criança herdará o trono de Davi, mas destaca que se trata de uma ação nova. Esta é a promessa que o anjo faz a Maria. Pois bem, Maria não fica consternada com a notícia, mas apenas pergunta os métodos.
Lucas 1,34: «Maria perguntou ao
anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?”»
Justamente porque não havia passado para a segunda fase do matrimônio, as núpcias, quando começava a coabitação.
Lucas 1,35: «O anjo respondeu:
“O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por
isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus.»
O evangelista enquadra a existência de Maria entre as duas descidas do
Espírito Santo, na anunciação e no cenáculo com Pentecostes.
Essas palavras do anjo são modos de fazer entender que quem vai nascer será o
messias, o enviado de Deus, o libertador do povo.
Assim o Espírito Santo desce sobre Maria, do mesmo modo como no momento da criação, afinal, o que nasce é algo completamente novo! Por que o anjo exclui José de tudo isso? Porque o pai transmitia ao filho não somente a vida biológica, mas também a tradição religiosa e moral. Bem, Jesus não seguirá os pais de Israel, mas Jesus seguirá o pai, que é Deus.
Lucas 1,36-37: «Também Isabel, tua
parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era
considerada estéril, porque para Deus nada é impossível”.»
“Nada é impossível para Deus”: estas são as mesmas palavras que Deus
havia dito a Sara (cf. Gn 18,14), que também era idosa, juntamente com
Abraão, que não acreditava na possibilidade de poder trazer um filho ao mundo,
o anjo as confirmou para Maria!
A ação de Deus com a sua força criadora não tem limites, mas, como recordamos no início, necessita que o homem esteja à escuta, que confie nesta palavra e, depois, dê a sua colaboração.
Lucas 1,38: «Maria, então,
disse: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” E o
anjo retirou-se.»
“Serva do Senhor”: era um dos títulos que o povo de Israel tinha, por isso, Maria, para o evangelista, identifica todo o povo. Maria confia, confia plenamente no Deus dos seus pais! Agora, a aguarda a tarefa mais difícil: acolher e aceitar o Deus do seu filho, Jesus.
* Traduzido e editado do
italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão PessoalPe. Telmo José Amaral de Figueiredo
«Meus filhos, por vós sinto, de
novo, as dores do parto, até Cristo ser formado em vós.»
(Gálatas
4,19)
Que diferença constatamos entre a acolhida da anunciação do nascimento de Jesus e aquela de João, o Batista! Entre a incredulidade de Zacarias, pai de João, e a fé e confiança de Maria, mãe de Jesus, há uma diferença imensa! No entanto, a fé não brota das provas, das confirmações, da realidade segura, mas do incerto, do caótico, do impossível! Maria é o exemplo vivo disso, pois sua fé está na Palavra de Deus, que é tudo para ela: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38).
Mas, qual é
a palavra a qual Maria consente? O mensageiro de Deus, que na Bíblia é sempre o
próprio Deus, é o portador dessas preciosas palavras ditas a Maria. Vejamos o
sentido de algumas delas, as mais enfáticas:
1) “Alegra-te, cheia de graça”: Deus se manifesta
para trazer alegria genuína aos seres humanos. Será que as nossas comunidades,
hoje, experimentam essa alegria que é trazida pela Boa Nova de Jesus? Ou
estamos por demais contagiados pelo pessimismo, pelo derrotismo, pela fata de
esperança? Recuperar a alegria do Evangelho e a paz que Jesus nos deixou de
herança são atitudes urgentes nos tempos de hoje. Somente, assim, as nossas
comunidades se converterão em espaços de amizade, fraternidade, entreajuda e
comunhão.
2) “O
Senhor está contigo!”: É fundamental não apenas dizer que Deus está
conosco, mas sentir concretamente essa presença na vida da Igreja e de cada um
de nós! Afinal, Jesus nos garantiu: “Não vos deixarei órfãos, venho a vós” (Jo
14,18). Jesus é, sempre, o nosso bom pastor, está nos buscando em continuidade.
Com ele tudo é possível! É nisso que precisamos crer, do contrário, seremos um
grupo sem expressão neste mundo.
3) “Não
tenhas medo, Maria”: Vivemos em tempos de medo. Medo do futuro, medo de
certos avanços tecnológicos, medo das mudanças climáticas, medo da falta de
trabalho, medo de epidemias mortais, medo de uma grande e definitiva guerra
mundial, medo de tudo e de todos! O medo, porém, nos prejudica muitíssimo! De
um lado, nos paralisa, nos impede de ser criativos e darmos respostas novas ao
novo que aí está, ou seja, de termos esperança. De outro lado, nos faz querer
conservar um passado que não volta mais. As vítimas dessas duas atitudes são o
realismo e o bom senso do Evangelho!
4) “Conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus”: Jesus foi definido por João como: “No princípio era a Palavra... Tudo foi feito por meio dela... Nela havia vida, e a vida era a luz dos homens” (Jo 1,1-4). Maria deu à luz a luz! Este não é um jogo de palavras, mas a verdade! A missão de Maria passa a ser a nossa, também, isto é, dar luz em meio às trevas deste mundo. O cristão não está no mundo para julgá-lo, para fugir dele, para negá-lo, mas para trazer-lhe esperança. Nossa maior missão é ajudar os homens e mulheres de hoje a descobrir e se encontrar com Jesus. Todo o resto é secundário!
«Senhor Jesus, a tua Palavra
apresenta-nos o mistério, antigo e sempre novo, do teu amor que se encarna, do
teu dom que não pede reciprocidade, do teu serviço que se sacrifica na cruz. Tu
conheces a nossa fragilidade, a incapacidade de seguir a mensagem da tua
Palavra. Concede-nos a disponibilidade de Maria para que a sua história de
graça se realize também através dos gestos humildes, simples e altruístas da
nossa colaboração. Faz, Senhor, que estes dias de espera sejam marcados pelo
fervor da oração, pelo silêncio das paixões, pela conversão do coração, pelo
desejo de contemplação para que na noite santa possamos proclamar a tua glória
nos céus e construir a paz para os homens na terra. Amém.»
(Fonte: GOBBIN, Marino, O.Carm. Orazione iniziale.
In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi
per l’anno liturgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 44)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – 4ª Domenica di Avvento – Anno B – 24 dicembre 2017 e 20 dicembre 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 26/11/2023).
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