Festa da Sagrada Família: Jesus, Maria e José – Ano C – HOMILIA

 Evangelho: Lucas 2,41-52 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Quem traz Deus dentro de si quer se fazer dom para os outros

Quando lemos o Evangelho, devemos sempre distinguir o que o evangelista quer nos dizer, e esta é a palavra de Deus que é válida para sempre, da forma como ele a diz, usando os esquemas teológicos e literários da sua cultura e do seu tempo. Isto é ainda mais verdade na passagem que a Igreja, a liturgia, nos apresenta para a festa da Sagrada Família porque, se olharmos este episódio do ponto de vista literal, mais do que uma sagrada família parece uma realidade verdadeiramente desarticulada. Um filho que permanece em Jerusalém sem avisar os pais, os pais que só percebem a ausência do filho depois de um dia e o filho que até repreende os pais. Vejamos então o que o evangelista quer nos transmitir ao lembrar como começou este evangelho.

Quando o anjo anunciou a Zacarias o nascimento de seu filho João Batista, ele disse que vinha “converter o coração dos pais aos filhos” (Lc 1,17). Foi uma citação da profecia do profeta Malaquias (Ml 3,23-24) que, no entanto, continuava: “e os corações dos filhos para com os pais”. Bem, Luca não concorda. Não é o novo que deve acolher o velho, mas é o velho que deve esforçar-se para acolher o novo, é isso que Jesus fará. Jesus não caminha, não segue os passos dos seus pais, mas são os pais que devem acolher a sua novidade. 

Lucas 2,41-45:** «Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Quando ele completou doze anos, subiram para a festa, como de costume. Passados os dias da Páscoa, começaram a viagem de volta, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem. Pensando que ele estivesse na caravana, caminharam um dia inteiro. Depois começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram para Jerusalém à sua procura.»

Os fatos são bem conhecidos, é a festa da Páscoa, é uma das três grandes festas anuais para as quais os judeus iam a Jerusalém, também levam Jesus para lá e Jesus permanece em Jerusalém sem avisar os seus pais. Os pais só perceberam depois de um dia de caminhada e aí vem o incidente. 

Lucas 2,46-48a: «Três dias depois, o encontraram no Templo. Estava sentado no meio dos mestres, escutando e fazendo perguntas. Todos os que ouviam o menino estavam maravilhados com sua inteligência e suas respostas. Ao vê-lo, seus pais ficaram muito admirados e sua mãe lhe disse:»

O evangelista apresenta Jesus como imagem da sabedoria divina que se senta no meio dos mestres que o ouviam e o questionavam e todos ficam maravilhados, chocados com a sua inteligência e as suas respostas. E, aqui, está o ponto central desse episódio, o incidente, quando o viram ficaram espantados, pois seus pais não esperavam encontrá-lo ali, e sua mãe lhe dirigiu a palavra. Interessante observar que o evangelista jamais chama Maria pelo seu nome, ele nunca a menciona como tal, apenas como “mãe”. Quando os personagens não são apresentados com seus nomes, mas são anônimos, significa que são personagens representativos. Portanto, na figura da mãe o evangelista quer retratar a espera frustrada do povo de Israel que não se reconhece neste messias que se abre ao novo. 

Lucas 2,48b-49: «“Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu estávamos, angustiados, à tua procura.” Jesus respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?”»

A palavra grega “filho” significa “minha criança”, aquele sobre o qual se tem direito. Bem, em vez de se desculpar, Jesus parte para o contra-ataque e a primeira e única vez neste evangelho em que Jesus se dirige à sua mãe é com palavras de repreensão dura e severa: “Por que me procuráveis?”. Ele os está chamando de ignorantes, e, na verdade, ele diz algo que eles deveriam saber: “Não sabíeis que devo estar naquilo que é de meu Pai?” O verbo “dever” usado pelo evangelista indica que é uma expressão da vontade divina. A mãe disse a Jesus: “teu pai e eu estávamos”, Jesus lhe recorda que o pai dele não é José, o pai dele é outro e ele deve permanecer nas coisas de seu Pai. 

Lucas 2,50-52: «Eles, porém, não compreenderam as palavras que lhes dissera. Jesus desceu então com seus pais para Nazaré, e era-lhes obediente. Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas. E Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens.»

O evangelista, comenta, que eles não entenderam, esta novidade é muito grande! Mas, aqui, começa a se desenvolver e a crescer a figura da mãe de Jesus, que então chegará ao ponto de tornar-se discípula do filho, sua mãe refletirá sobre tudo em seu coração. É uma grande novidade, é algo que a desconcerta, mas a mãe de Jesus é grande porque ela não rejeita o novo, ela pensa, reflete sobre isso, e Jesus crescia em sabedoria, idade e graça diante de Deus e diante dos homens. Aqui, a referência do evangelista é a um dos maiores profetas da história de Israel, o profeta Samuel, que também cresceu diante de Deus e dos homens com graça. Portanto, a grande novidade que o evangelista nos apresenta é um convite a deixar o passado para se abrir ao novo. Somente quem se abre ao novo caminha com Jesus e vai em direção ao Pai. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Fé e obediência fazem parte do mesmo pacote. Aquele que obedece a Deus, confia n’Ele; aquele que confia em Deus, obedece-lhe.”

(Charles Haddon Spurgeon: 1834-1892 ― renomado pregador Batista inglês)

Um dos grandes riscos que corremos, na vida, é idealizar as instituições como se elas pudessem ser perfeitas e, totalmente, de acordo com o que desejamos delas. Uma dessas instituições que, na Igreja Católica, corremos o risco de idealizar é a família! Frequentemente, fala-se de família como se fosse uma realidade monolítica, facilmente identificável, imutável e sagrada, ou seja, caída pronta dos céus, pela vontade divina. Há décadas, o mundo verifica uma mudança radical na vida familiar. O foco deslocou-se do matrimônio para o casal. O matrimônio é entendido como um compromisso para sempre, enquanto que o casal é inteiramente livre. 

O matrimônio envolve direitos, normas e obrigações estabelecidas pela sociedade. Enquanto que ser um casal é um fato livre, depende da relação que se estabelece, depende da comunicação emocional que há entre duas pessoas. A ênfase, nos tempos atuais, se dá mais sobre a felicidade na relação do que na importância da instituição familiar em si mesma. Isso tudo não deixa de ter seu positivo, pois passa-se a valorizar mais a pessoa, seus anseios, suas vontades, seus sonhos e assim por diante. 

Algo que o Evangelho da festa de hoje nos ajuda a perceber com clareza é que, na família, ninguém pertence a ninguém! O marido não possui a esposa, a esposa não possui o marido, os pais não possuem seus filhos e os filhos não possuem seus pais. A resposta áspera de Jesus à sua mãe é uma clara indicação disso: apesar de ter seu pai terreno, seu pai biológico, ele sabe que, no fundo, a sua filiação está unida a algo maior: seu Pai celeste, o reino de Deus. Ele, como filho, não aceita ser limitado pela sua cultura, pelo seu ambiente, pelas expectativas que os outros possuem para ele. 

Quantas vezes, as famílias ao invés de serem locais que estimulam o desenvolvimento pleno e profundo das pessoas, tornam-se um instrumento de castração, de limitação, de apequenamento dos seres humanos. No fundo, é um pouco em relação a isso que Jesus afirma, em Mateus 10,35-37:

“Com efeito, eu vim causar divisão: o filho contra o pai, a filha contra a mãe, a nora contra sua sogra; e assim, os inimigos do homem serão seus próprios familiares. Quem ama pai ou mãe mais do que a mim, não é digno de mim. E quem ama filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim”.

 Assim como Jesus, no texto acima, exige uma lealdade incondicional a ele (cf. Mt 16,25-26), o mesmo ele dedica ao seu pai ao afirmar, no Evangelho de hoje, que ele deve “estar naquilo que é de meu Pai” (Lc 2,49). 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Nós te louvamos e bendizemos, Pai, porque mediante teu Filho, nascido de mulher pelo poder do Espírito Santo, nascido sob a lei, tu nos redimiste da lei e encheste a nossa existência de luz e de nova esperança. Que as nossas famílias sejam acolhedoras e fiéis aos teus projetos, ajudem e apoiem os sonhos e os novos entusiasmos dos seus filhos, envolvam-nos de ternura quando estão frágeis, eduquem-nos a amar-te e a todas as tuas criaturas. A ti nosso Pai, toda honra e toda glória.»

(Fonte: SECONDIN, Bruno, O.Carm. Orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 63)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – Santa Famiglia di Gesù, Maria e Giuseppe – 30 dicembre 2018 – Internet: clique aqui (acesso em: 10/12/2024).

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