Não dá mais! O Brasil precisa ser passado a limpo!
De raposas e galinheiros
Editorial
A corrupção parece ter atingido o estado da arte no
Brasil
A corrupção parece ter atingido o estado da
arte no Brasil. Até aqui, tinha-se por certo que a roubalheira se dava
basicamente como resultado da relação promíscua entre administradores públicos
e empresários. Restava ao espoliado
contribuinte a esperança de que os esquemas podiam ser detectados pelas
instituições fiscalizadoras, como os Tribunais de Contas, responsáveis pela
verificação da contabilidade da União, dos Estados e dos municípios. Diante
da inusitada prisão de cinco dos sete conselheiros
do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), porém, a
sensação que fica é que o galinheiro está entregue às raposas, pois a função de
tais conselheiros deveria ser a de zelar pelo bom emprego do dinheiro público.
Numa operação conjunta do Ministério Público
e da Polícia Federal no Rio, a partir da delação premiada de um ex-presidente
do TCE-RJ, descobriu-se que quase todos
os conselheiros cobravam propinas para ignorar irregularidades cometidas por
empreiteiras e por empresas de ônibus no Estado. Suspeita-se também que
membros da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro estejam envolvidos. O presidente da Assembleia, Jorge Picciani
(PMDB), por exemplo, foi conduzido coercitivamente para depor. Por envolver
membros de um Tribunal de Contas Estadual e deputados estaduais, o caso está
sob a autoridade do Superior Tribunal de Justiça.
A atual operação é um desdobramento de outra,
realizada em dezembro, quando o então presidente do TCE-RJ, Jonas Lopes, foi levado para depor
depois de ter sido denunciado por executivos de empreiteiras. Ele foi acusado de participar de um esquema
referente à aprovação de uma linha do metrô do Rio e da concessão do estádio do
Maracanã, em 2013, sob as bênçãos do então governador Sérgio Cabral.
Conforme a denúncia, Lopes pediu às empreiteiras 1% sobre o valor dos
contratos, cerca de R$ 60 milhões, para que o tribunal liberasse os editais.
Cabral, que hoje está preso, teria recebido 5%. Depois de denunciado, Lopes se
afastou do cargo e negociou a delação premiada.
Com quase
todos os conselheiros na cadeia, o TCE-RJ pode não funcionar por tempo
indeterminado.
Pelo visto, não fará falta para o distinto público, embora fique desfalcado o
tesouro da onorabile società.
Essa assombrosa situação enseja a constrangedora suspeita de que os Tribunais
de Contas possam estar servindo como balcão de negócios, uma vez que de seu
aval depende a continuidade de obras públicas. E essa suspeita é antiga.
Em 2007, foi
apresentada uma proposta de emenda constitucional para reestruturar os
Tribunais de Contas, acabando com a vitaliciedade dos cargos e instaurando um
órgão para controle externo dessas cortes. O projeto não caminhou, mas expressava a
desconfiança de que a corrupção nos Tribunais de Contas dos Estados não era um
fato isolado – havia denúncias contra
conselheiros dos tribunais de ao menos 12 Estados. As acusações tinham
quase sempre o mesmo teor: cobravam-se
propinas para não dificultar a vida das empreiteiras contratadas pelo Estado.
Dez anos depois, a situação não parece ter
mudado. Recentemente, dois funcionários de alto escalão da Andrade Gutierrez disseram à força-tarefa da Lava Jato que a
empreiteira pagava propina para pelo menos um conselheiro do Tribunal de Contas de São Paulo, com o objetivo de
ter aprovados seus contratos referentes a diversas obras, como as do metrô.
Mas nada
supera, em dimensão e desfaçatez, o que aconteceu no Tribunal de Contas do Rio
de Janeiro.
Em razão do rematado absurdo, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas
do Brasil correu a dizer que apoia a ação da Justiça contra os conselheiros
daquele tribunal e defendeu “a melhoria dos instrumentos de controle do
sistema”. O primeiro passo para isso é entender que, ao contrário do ditado
popular, não é a ocasião que faz o ladrão – como diz o conselheiro Aires em
Esaú e Jacó, de Machado de Assis, “a
ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito”. O fundamental, portanto, é
manter esses ladrões o mais longe possível dos potes de mel.
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