Não dá mais! O Brasil precisa ser passado a limpo!

De raposas e galinheiros

Editorial

A corrupção parece ter atingido o estado da arte no Brasil 
O presidente do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Aloysio Neves,
e os conselheiros Domingos Brazão, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e José Maurício Nolasco.
Também foi levado para depor de modo coercitivo o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB).

A corrupção parece ter atingido o estado da arte no Brasil. Até aqui, tinha-se por certo que a roubalheira se dava basicamente como resultado da relação promíscua entre administradores públicos e empresários. Restava ao espoliado contribuinte a esperança de que os esquemas podiam ser detectados pelas instituições fiscalizadoras, como os Tribunais de Contas, responsáveis pela verificação da contabilidade da União, dos Estados e dos municípios. Diante da inusitada prisão de cinco dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), porém, a sensação que fica é que o galinheiro está entregue às raposas, pois a função de tais conselheiros deveria ser a de zelar pelo bom emprego do dinheiro público.
           
Numa operação conjunta do Ministério Público e da Polícia Federal no Rio, a partir da delação premiada de um ex-presidente do TCE-RJ, descobriu-se que quase todos os conselheiros cobravam propinas para ignorar irregularidades cometidas por empreiteiras e por empresas de ônibus no Estado. Suspeita-se também que membros da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro estejam envolvidos. O presidente da Assembleia, Jorge Picciani (PMDB), por exemplo, foi conduzido coercitivamente para depor. Por envolver membros de um Tribunal de Contas Estadual e deputados estaduais, o caso está sob a autoridade do Superior Tribunal de Justiça.

A atual operação é um desdobramento de outra, realizada em dezembro, quando o então presidente do TCE-RJ, Jonas Lopes, foi levado para depor depois de ter sido denunciado por executivos de empreiteiras. Ele foi acusado de participar de um esquema referente à aprovação de uma linha do metrô do Rio e da concessão do estádio do Maracanã, em 2013, sob as bênçãos do então governador Sérgio Cabral. Conforme a denúncia, Lopes pediu às empreiteiras 1% sobre o valor dos contratos, cerca de R$ 60 milhões, para que o tribunal liberasse os editais. Cabral, que hoje está preso, teria recebido 5%. Depois de denunciado, Lopes se afastou do cargo e negociou a delação premiada.

Com quase todos os conselheiros na cadeia, o TCE-RJ pode não funcionar por tempo indeterminado. Pelo visto, não fará falta para o distinto público, embora fique desfalcado o tesouro da onorabile società.

Essa assombrosa situação enseja a constrangedora suspeita de que os Tribunais de Contas possam estar servindo como balcão de negócios, uma vez que de seu aval depende a continuidade de obras públicas. E essa suspeita é antiga.

Em 2007, foi apresentada uma proposta de emenda constitucional para reestruturar os Tribunais de Contas, acabando com a vitaliciedade dos cargos e instaurando um órgão para controle externo dessas cortes. O projeto não caminhou, mas expressava a desconfiança de que a corrupção nos Tribunais de Contas dos Estados não era um fato isolado – havia denúncias contra conselheiros dos tribunais de ao menos 12 Estados. As acusações tinham quase sempre o mesmo teor: cobravam-se propinas para não dificultar a vida das empreiteiras contratadas pelo Estado.

Dez anos depois, a situação não parece ter mudado. Recentemente, dois funcionários de alto escalão da Andrade Gutierrez disseram à força-tarefa da Lava Jato que a empreiteira pagava propina para pelo menos um conselheiro do Tribunal de Contas de São Paulo, com o objetivo de ter aprovados seus contratos referentes a diversas obras, como as do metrô.

Mas nada supera, em dimensão e desfaçatez, o que aconteceu no Tribunal de Contas do Rio de Janeiro. Em razão do rematado absurdo, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil correu a dizer que apoia a ação da Justiça contra os conselheiros daquele tribunal e defendeu “a melhoria dos instrumentos de controle do sistema”. O primeiro passo para isso é entender que, ao contrário do ditado popular, não é a ocasião que faz o ladrão – como diz o conselheiro Aires em Esaú e Jacó, de Machado de Assis, “a ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito”. O fundamental, portanto, é manter esses ladrões o mais longe possível dos potes de mel.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas e Informações – Sexta-feira, 31 de março de 2017 – Pág. A3 –    Internet: clique aqui.

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