Ser coerente tem um preço!
Por que o papa Francisco está sofrendo oposição
dos conservadores da Igreja
Alfredo Spalla
Há quem minimize esse movimento, mas outros acreditam
que o papa possa estar no centro de uma trama política sofisticada com objetivo
de enfraquecê-lo
PAPA FRANCISCO |
Ele é amado por muitos, mas
não por todos - principalmente os conservadores.
A
oposição ao papa Francisco se faz cada vez mais presente e visível. Há quem
minimize esse movimento, mas outros acreditam que o papa possa estar no centro
de uma trama política sofisticada com objetivo de enfraquecê-lo.
O
episódio mais recente - e talvez o mais teatral - se deu no mês passado, quando bairros próximos ao Vaticano amanheceram
tomados por cartazes apócrifos com críticas ao pontífice. Um jornal falso
que zombava do pontífice também foi enviado a cardeais da cidade.
Os
cartazes traziam uma foto do papa com expressão fechada, e textos com
referências a problemas que Francisco teve com setores mais conservadores da
Igreja Católica.
«Francisco, você destituiu os chefes das
congregações, removeu sacerdotes, decapitou a Ordem de Malta e a dos Franciscanos
da Imaculada, ignorou cardeais. Onde está sua misericórdia?», dizia o
texto, coberto horas depois pela Prefeitura de Roma com a inscrição
«publicidade ilegal» [veja foto abaixo].
Na
mesma época, cardeais de Roma receberam uma versão falsa do jornal do Vaticano, o L'Osservatore Romano. Na capa, em um ataque irônico ao pontífice,
havia uma lista de perguntas ao papa feitas por cardeais conservadores em que a
resposta era sempre sic et non (sim e
não).
Eleito
em março de 2013 após escândalos que abalaram a imagem do Vaticano, o papa
tomou medidas e fez declarações de impacto que polarizam opiniões dentro e fora
do mundo católico.
Reestruturou, por exemplo,
as confusas finanças do Vaticano, criou comissão
para combater abuso sexual de crianças na Igreja, fez duras críticas ao capitalismo e ajudou a reaproximar Cuba e Estados Unidos. Também chama a atenção
sua defesa de uma Igreja mais tolerante
em questões de família - já pediu a sacerdotes que não tratem divorciados
como excomungados e procurem acolher católicos homossexuais.
Para
seus detratores, porém, ele age de forma autoritária e centralizadora.
«O Papa é o vigário de Cristo na Terra, mas
não é Cristo. Pode errar, pecar e até ser corrigido. Não concordo com seu modo
de governar. A Igreja está hoje imersa em confusão e desorientação: os fiéis
precisam de certezas, mas não conseguem encontrá-las. Corremos o risco de uma
cisão», diz Roberto De Mattei,
presidente da Fundação Lepanto, que
faz campanha pela «defesa dos princípios e instituições da civilização cristã».
[Este é um típico exemplo de alguém que faz uso de
dois pesos e duas medidas! Na época do pontificado de João Paulo II e Bento
XVI, quando alguém contestava certas posturas e pronunciamentos papais, esses
mesmos personagens de agora refutavam tais críticas argumentando que não se
podia contrariar a palavra de um papa!]
ROBERTO DE MATTEI |
De
Mattei e sua fundação sempre foram duros com o papa argentino, e chegaram a ser
apontados como suspeitos de estar por trás da ideia dos cartazes - os
responsáveis não foram identificados.
"Não
sei quem são os autores (dos cartazes), mas não fomos nós. Em Roma você percebe
um clima de medo, típico de regimes totalitários. Estamos diante de uma
monarquia absoluta que usa a colaboração de cardeais e bispos, mas lhes dá
pouca autonomia. O papa ama nomear comissários especiais para muitos assuntos,
assim, ao final, ele sempre pode decidir", disse De Mattei à BBC Brasil.
Tipos
de oposição
Para
o historiador Massimo Faggioli,
professor de Teologia na Villanova
University (Estados Unidos), é
possível identificar três tipos de oposição ao papa Francisco:
a) teológica,
b) institucional
e
c) política.
«A teológica parte de alguns setores na
Igreja que acham que o papa é muito moderno em questões como casamento e
família. É uma oposição pequena, que age de forma respeitosa», diz o professor.
Entre
esse setor estão quatro cardeais ultraconservadores que em setembro de 2016
pediram, em carta pública, que o papa corrija «erros doutrinários» da Exortação
Apostólica Amoris Laetitia (Alegria
do Amor), um guia para a vida em família que prega a aceitação, pela Igreja, de
certas realidades da sociedade contemporânea.
Na oposição institucional, afirma
Faggioli, há pessoas que querem manter o status
quo. «Alguns cardeais têm medo de
perder privilégios ou da mudança de mecanismos para a nomeação dos bispos»,
diz.
O
historiador vê a oposição política como
a mais forte. «O papa fala sobre vivermos juntos, de construir pontes em vez de
muros. São questões “inconvenientes” para a política global da atualidade, pois
contrastam com ideias da direita
francesa, italiana e americana. São tidas como uma ameaça. O papa pode
lidar com as duas primeiras oposições, mas a política é a mais difícil»,
afirma.
A
reação contra o papa não se concentra apenas na Itália e na Europa. Autor do
livro «Os inimigos de Francisco»
(com lançamento previsto no Brasil para o segundo semestre), o jornalista
italiano Nello Scavo diz que há grupos nos Estados Unidos que trabalham
pelo enfraquecimento da liderança de Jorge Bergoglio, o nome de batismo do papa.
Tradução da capa do livro que será publicado até o final deste ano no Brasil: OS INIMIGOS DE FRANCISCO: Quem deseja desacreditar o papa. Quem deseja calá-lo. Quem o deseja morto. |
«Há
grupos financeiros, fabricantes de armas
e multinacionais que querem que o papa perca poder. Sua retórica é muito anti-establishment. Ele afirmou que a nossa
economia mata, condenou o capitalismo e se fez escutar em questões ecológicas»,
diz Scavo, citando críticas à Francisco feitas pelo centro de estudos
conservador American Enterprise Institute (AEI).
O
AEI conta em seus quadros com vários ex-integrantes do governo George W. Bush
(2001-2008), entre eles o ex-vice-presidente Dick Cheney. «Cheney faz parte do
AEI, foi membro do conselho da Lockheed Martin, principal fabricante de
sistemas de defesa no mundo, e a AEI tem a Halliburton entre seus principais
financiadores», afirma o jornalista, citando a multinacional de serviços para
exploração de petróleo.
Jornalista
da emissora católica canadense Salt and
Light, Matteo Ciofi diz que a oposição teológica é, de fato, a que
menos deve preocupar o papa. «Não é possível que um cardeal africano e um
europeu possam ter a mesma visão sobre a família. Faz parte das diferenças
culturais, é normal que haja críticas. O
problema, dentro da Igreja, se concentra naqueles que não querem perder
privilégios», diz.
Papa
e política
Um
dos cardeais que assinaram a carta pública contra Amoris Laetitia, o americano Raymond
Leo Burke teve reunião recente com Matteo
Salvini, líder do partido de extrema-direita italiano Liga do Norte.
Com
discurso anti-imigração, Salvini fez duras críticas ao papa quando o pontífice
visitou um campo de refugiados na ilha grega de Lesbos, em abril de 2016.
«Com
todo o respeito, o papa está errado. Parece-me que a catástrofe ocorre na Itália,
não na Grécia. Ele quer convidar outros milhares de imigrantes para a Itália?
Uma coisa é acomodar os poucos que escaparam da guerra, outra é incentivar e
financiar uma invasão sem precedentes. Tem pobres na Grécia, mas também a dois
minutos do Vaticano», afirmou o político, que já foi fotografado usando
camiseta com a frase «Meu papa é Bento»,
referência ao antecessor de Bergoglio.
Para
Roberto De Mattei, da Fundação
Lepanto, não é a direita que se opõe ao papa, mas é a esquerda que quer
torná-lo um símbolo. «Os movimentos de esquerda querem fazer dele um
anti-(Donald)Trump porque não dispõem de outras pessoas carismáticas.»
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