O clima fora de controle!
ONU confirma calor recorde e diz que clima entrou
em “território desconhecido”
Jamil Chade
Genebra
– Suíça
Tendência se mantém em 2017 - só os Estados Unidos
quebraram 11,7 mil
registros históricos de temperatura em fevereiro, no
inverno local – e
cientistas afirmam que modelos matemáticos atuais para
analisar
atmosfera já não são suficientes
Informe anual publicado nesta segunda-feira,
20 de março, pela Organização das Nações Unidas (ONU) confirma que 2016 bateu todos os recordes de temperatura, 2017 mantém a mesma
tendência e o clima mundial entrou em
“território desconhecido”. Segundo os cientistas, os modelos criados nas
últimas décadas para examinar o comportamento da atmosfera já não atendem aos
eventos extremos pelo planeta.
“Estamos vendo mudanças profundas ao redor do
planeta que estão desafiando os limites de nosso entendimento sobre o sistema
climático. Estamos de fato em um território desconhecido”, alertou David Carlson, especialista da
entidade.
Os dados iniciais deste ano já preocupam. Em menos de três meses, o Ártico registrou
três ondas de calor, com poderosas tempestades vindas do Atlântico e trazendo
umidade. Durante o auge do inverno no Polo Norte, alguns dias tiveram
temperaturas próximas do degelo. Em
certos lugares, como a costa da Rússia, Alasca e partes do Canadá, a
temperatura média ficou 3°C acima da média registrada entre 1961 e 1990. Em
Svalbard, região ártica da Noruega, os registros apontam para 6,5°C acima da
média histórica.
Em 2016, outros fatos já chamavam a
atenção. Em 24 de março, a camada de
gelo no Polo Norte era de 14,5 milhões de quilômetros quadrados, a mais
baixa desde que satélites começaram a medir o espaço em 1979. Em novembro, o gelo chegou até mesmo a
diminuir. Na Antártida, a redução da camada de gelo também foi recorde.
Segundo a ONU, as pesquisas indicam que as
mudanças no Polo Norte e o degelo do Ártico estão levando a uma mudança nos
padrões de circulação nos oceanos e na atmosfera. Isso afeta o clima em outras
partes do mundo. “Novos estudos revelam
que o aquecimento dos oceanos pode ter sido maior do que se previa”,
apontou a Organização Meteorológica Mundial (OMM), braço da ONU. “Dados
provisórios também indicam que não houve uma perda da taxa de aumento de
concentração de CO2 na atmosfera”, disse.
O resultado é que, em regiões do Canadá e dos
Estados Unidos onde deveria fazer frio nesta época do ano, o clima foi ameno.
Já no Norte da África, o inverno foi mais intenso do que a média em 2017.
Apenas nos Estados Unidos, 11,7 mil recordes de temperaturas foram quebrados em
fevereiro, inverno no país.
Recorde histórico
Para cientistas, 2016 “fez história, com
temperatura global recorde, camada de gelo baixa, aumento do nível dos oceanos
e temperatura da água”. A média do ano ficou 1,1°C acima da era pré-industrial
e 0,06°C acima do recorde anterior, de 2015. “Esse aumento de temperatura é consistente com outras mudanças no
sistema climático”, disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas. “Está cada vez mais clara a influência das
atividades humanas no sistema climático.”
Taalas afirma que instrumentos de informática
cada vez mais poderosos têm permitido demonstrar as ligações entre as
atividades humanas e certos eventos extremos, como ondas de calor. No Oriente Médio e no norte da África,
novos recordes foram batidos, com 54°C em Mitribah (Kuwait), 53,9°C em Basra
(Iraque) e 53°C em Delhoran, um recorde para o Irã. No dia 6 de setembro e
já no fim do verão, a cidade espanhola de Córdoba registrou 45,4 °C.
Cada um dos 16
anos do século 21 foram pelo menos 0,4°C acima da média registrada entre 1961 e
1990. Mesmo
o fenômeno do El Niño entre 2015 e 2016 foi mais intenso que suas últimas
quatro aparições, em 1973, 1983 e 1998.
Todos os dados de 2016 de fato apontam para
um ano atípico. A cobertura de gelo pelo
mundo caiu em mais de 4 milhões de quilômetros quadrados abaixo da média em
novembro, uma anomalia considerada como “sem precedentes”.
A temperatura elevada de oceanos contribuiu
para uma mortalidade acima da média, com impacto
em cadeias marinhas e ecossistemas. O impacto social também tem sido
profundo. A seca em partes da África levou 20 milhões a depender de ajuda. Na Bacia Amazônica, o volume de chuvas é o
menor desde que se tem registro, afetando também o Nordeste brasileiro. O
nível dos oceanos está 20 centímetros acima das taxas do início do século 20 e,
com o El Niño, as águas aumentaram em 15 milímetros entre novembro de 2014 e
fevereiro de 2016, quando um novo recorde foi registrado.
CARLOS RITTL |
ENTREVISTA
“É fundamental que os governos tomem ações”
Carlos Rittl,
secretário-geral do Observatório do Clima
Qual a relevância desse novo informe da Organização das
Nações Unidas?
Carlos
Rittl: É
importante em vários sentidos. Lembra que estamos passando por uma crise
climática grave, com intensificação de eventos extremos, reforçando as
mensagens anteriores dos especialistas, de que os governos precisam discuti-la com a urgência que merece uma crise
mundial. O posicionamento da ONU também é fundamental para a agenda global
do clima, que corre riscos com o atual
governo dos Estados Unidos.
Os modelos climáticos são mesmo limitados?
Carlos
Rittl: É
necessário aprimorar os modelos a fim de obter maior capacidade de projeção e,
assim, traçar estratégias de adaptação. Um aspecto novo desse documento é o
alerta para um risco cada vez maior de
ocorrência de eventos extremos que escapam à capacidade de previsão. Os
modelos climáticos evoluíram, mas os desafios se tornaram maiores, como estão
mostrando esses fenômenos cada vez mais intensos e frequentes.
O clima já entrou de fato em “território desconhecido”?
Carlos
Rittl: Sim.
Em São Paulo, por exemplo, vimos no ano passado períodos de chuvas muito fortes
- o que mostra a urgência de sistemas de monitoramento mais robustos. Desde
2016, até mesmo nosso vocabulário sobre o clima ganhou novos verbetes, como
“microexplosões” (fenômeno meteorológico que pode produzir rajadas de até 80
km/h).
Qual a relação do documento da ONU com o Acordo de
Paris?
Carlos
Rittl: Esse
alerta da ONU é fundamental para que os governos tomem ações com
responsabilidade proporcional à emergência climática pela qual passamos. Ele reforça a necessidade de desenvolver
sistemas sofisticados de monitoramento e implementar o acordo.
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