Como lidar com o ciúme?
Feridas de minha história de vida
Anselm Grün
Monge,
psicólogo, teólogo e escritor alemão
Quando paro de valorizar o ciúme e de me desvalorizar,
porque sou
ciumenta(o), então, é comum que possa reconhecer os
motivos de meu ciúme
A
citação é de Goethe: «O ciúme é uma
paixão que procura com ardor o que causa dor». É, portanto, o ciúme uma
força que nos impulsiona. Porém, quando nos deixamos dominar por essa paixão,
ela faz com que entremos em sofrimento. E se ela possuiu um caráter doentio,
compulsivo-obsessivo, então ela gera sofrimento para nós e para aqueles de quem
sentimos ciúmes.
Muitas vezes o ciúme tem a
ver com inveja.
É quando, por exemplo, dizemos que alguém está com inveja daquele que estaria
no centro das atenções. Mas, no sentido
estrito, costumamos compreender o ciúme no âmbito do amor ou com vistas a uma
relação. Alguns psicólogos também falam em «inveja de
relacionamentos». Por detrás disso, está
o medo de ter de dividir a atenção de alguém com uma outra pessoa «a quem não
devemos a honra». Ou tememos perder, por completo, a atenção de uma pessoa
amada; a mulher tem ciúme de seu marido, que é idolatrado por outras mulheres;
o homem tem ciúmes de sua mulher, porque outros homens a admiram e falam sobre
sua beleza.
Queiramos
ou não, o ciúme surge dentro de nós. Não raro é somente a imaginação, que se
distancia da realidade e tudo deforma. Por causa disso, alguns são
impulsionados a condutas irracionais,
por vezes, até a assassinato. Por assim dizer, são pessoas possuídas pelo ciúme. Outras(os) não querem ser ciumentas(os).
Sua razão lhes diz que não há motivos para que elas tenham ciúmes. E no caso de
um ideal de amor que deixa o parceiro e a parceira livres, para essas, o ciúme
é, de fato, uma fraqueza.
Mas
o ciúme geralmente não é movido por
argumentos racionais. Ele simplesmente surge em nosso interior. Uma mulher
me relatara que se aborrecia demais por causa de seu ciúme. Em casa, ela
imaginava que uma das secretárias tomava seu marido ou então o seduzia. A
mulher sempre fazia cena de ciúmes para o marido. Apesar de saber que pode
confiar nele, esse sentimento corrosivo sempre surge em seu interior. Ela mesma
sabe que, com isso, prejudica a si e a seu casamento. Mas quando está sozinha
em casa, fica imaginando o que acontece no escritório de seu marido. Ela simplesmente não consegue «desligar»
essas fantasias. Elas se instalam em seu corpo.
Não faz sentido apenas
reprimir ou simplesmente racionalizar o ciúme. Ele sempre voltará a aparecer. É mais
razoável começar a dialogar com ele. Em
vez de me deixar destruir pelas fantasias de ciúme, procuro, ativamente,
refletir sobre cada uma delas até que se esgotem: Se tudo que fantasio vier
mesmo, o que acontecerá então? Tudo estará acabado realmente? Ou então isso
tudo me obriga a me voltar para mim, a entrar
em contato com o mais íntimo de mim e dizer para mim mesma: Eu não sou só a mulher desse homem. Eu
também sou eu mesma. Eu tenho dignidade. Isso me doeria, mas nem tudo depende
desse homem. Em vez de lutar contra a
fantasia, eu a permito, confronto-me, reflexivamente, com suas possíveis
consequências e, desse modo, consigo chegar novamente a esse caminho de
volta a mim mesma, ao meu verdadeiro eu.
Quando paro de valorizar o
ciúme e de me desvalorizar, porque sou ciumenta(o), então, é comum que possa
reconhecer os motivos de meu ciúme. Normalmente eles estão na minha história de vida:
Um dia me decepcionei no amor e fui ferida(o), isso faz de mim uma pessoa
desconfiada e ciumenta. Tenho medo de perder quem amo para outra mulher, para
outro homem. Temo, então, ficar sozinha, ter meu amor ferido. Em diálogo com
meu ciúme, posso indagá-lo sobre o que ele está querendo me dizer: Talvez ele me diga que urge uma mudança na
relação ou que eu mesma(o) devo mudar. Eu também posso perguntar-lhe qual é
o ciúme mais profundo que se esconde nele. Então certamente o ciúme me dirá: Eu
gostaria que esse(a) homem(mulher) amasse só a mim, que eu tivesse meu(minha)
marido(esposa) só para mim, que pudesse ter certeza absoluta de que ele(ela)
ama só a mim.
À medida
que eu encaro minhas necessidades, descubro que elas são irreais. Eu não posso
aprisionar meu(minha) marido(esposa) para que ele(ela) olhe apenas para mim.
Ele(ela) sempre terá de lidar com outras(os) mulheres(homens). Tudo que posso fazer é aceitar sempre o meu
ciúme como um convite a confiar que meu(minha) marido(esposa) me ama e, ao
mesmo tempo, a compreendê-lo como expressão de meu grande amor por ele(ela).
O ciúme me mostra o quanto amo meu(minha) marido(esposa). Quando assumo isso,
não lutarei contra o meu ciúme, mas, sim, me deixarei convidar a sentir o meu
amor pelo meu(minha) marido(esposa) e a ser grata(o) por ele. Desse modo, não
continuo me torturando. À medida que
permito o ciúme e com ele entro em diálogo, lentamente ele vai se transformando
em confiança e amor cada vez mais profundo.
Quando
meu ciúme me remete às feridas de minha história de vida, então, tomo-o como oportunidade para analisar minhas feridas e
apresentá-las a Deus. Eu não me condeno por causa de meu ciúme. Eu me aceito com minhas feridas, com minhas
decepções. Quando o ciúme aparece, eu paro de ficar imaginando em minúcias
o que meu marido ou minha mulher poderiam pensar ou fazer, como ele ou ela
reagiriam a outra mulher ou a outro homem. Eu dou sinal verde para o ciúme e,
em meio a esse sentimento, posso, por exemplo, fazer a Oração de Jesus: «Jesus
Cristo, Filho de Deus Pai, tende piedade de mim». Se fizer essa oração
durante um tempo, o ciúme será transformado e eu passarei a lidar com ele de
modo mais misericordioso. Uma outra maneira é apresentá-lo a Deus, imaginando
que seu amor penetre meu ciúme e minhas feridas e cure-os, enfim.
Traduzido do alemão por Bianca Wandt.
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