«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A BANALIZAÇÃO DA MISSA


Johan Konings *

João Pereira Coutinho comentou na Folha de São Paulo de 02/07/2012 a escolha de uma  Miss Holocausto, observando: “As lágrimas de um actor que finge para as câmeras os horrores vividos em Auschwitz ou Treblinka são apenas isso: um fingimento [...] Por isso pasmo com um concurso recente, montado na cidade israelense de Haifa, para eleger a ‘Miss Sobrevivente do Holocausto’". A escolhida surge na foto da ‘consagração’ com faixa, buquê de flores e coroa de miss.
Conhecendo sobreviventes dos campos de concentração felizes por mostrarem a matrícula queimada em sua carne, eu não seria tão severo como o colunista português da Folha. Mas, de algum modo, o fato me faz pensar na banalização da missa em certos ambientes da Igreja católica


Pode-se transformar em espetáculo a lembrança de Jesus de Nazaré que, consciente da cruelíssima execução que o esperava, reuniu seus seguidores para tomar a ceia pascal, ressignificando o pão e o vinho da mesa como seu corpo entregue em prol da humana multidão e como o sangue que sela a definitiva aliança do Deus-Amor? 


Não é aqui o lugar de deslindar toda a inesgotável significação do gesto supremo do profeta de Nazaré, a Última Ceia e o dom da vida na Cruz. Nem pretendo discutir as questões teológicas surgidas em torno da eucaristia na Idade Média, nem me pronunciar sobre regras canônicas em torno de eucaristia e comunhão. Quero tecer uma consideração "estética", no sentido profundo deste termo que significa: percepção. Quero denunciar a banalização que resulta de exageros na celebração em geral e, de modo especial, na exposição midiática. 


Diante do indizível, cabe o silêncio, ou a "palavra recolhida". Por "palavra recolhida" entendo o falar que se recolhe diante daquilo que ele traz à memória, palavra que se torna pequena à medida que a própria realidade rememorada se torna presente. Assim como João Batista declarou quando chegou Jesus: “Convém que ele cresça, e eu diminua” (Ev. de João 3,30). A palavra ou o gesto comemorativo inicia a evocação –a "convocação"– do Mistério para logo ceder o lugar à realidade do Mistério. O rito deve se esfumar diante do Mistério.


Todo rito verdadeiro desempenha uma profunda função simbólica, e se não aponta para uma realidade autenticamente vivida, é falso. Cantar o hino nacional enquanto só se pensa em explorar seus compatriotas é rito falso. Assim, os ritos ligados à Eucaristia, memorial da vida levada à consumação na morte e ressurreição de Cristo, devem fazer surgir essa realidade naqueles que participam do rito. E estes devem "dar seu coração" a essa realidade. "Dar o coração", na sua longínqua origem, no latim, é "cor dare", daí, "credere": crer, recordar. Sem essa entrega do coração, o rito é vazio e, muitas vezes, falso, quando presenciado com outras intenções...


Daí a minha pergunta: as celebrações eucarísticas apresentadas como show, seja em algum megatemplo, seja num programa de tevê, "convocam", chamam à presença o Mistério inefável do amor de Deus que se manifesta na doação da vida por Jesus de Nazaré? Fazem quem assiste penetrar nesse Mistério de vida ressurgida da morte por amor infinito? A celebração deve ser uma evocação, não um evento importante por si mesmo que tome o lugar daquilo que evoca. Deve ser um traço, um vestígio rememorado, não uma "performance". O evento re-presentificado é o próprio Jesus –sua vida, morte e ressurreição–, não o programa de tevê ou o padre midiático.


Na sobriedade da liturgia romana, as palavras da Última Ceia, evocadas na consagração, tornam presente Jesus mesmo em seu mistério de vida, morte e ressurreição. Para que então alguns padres, em patente transgressão das sábias regras litúrgicas, fazem logo depois da consagração, interrompendo a indivisível oração eucarística, uma nada discreta procissão ostentando o pão e o vinho “milagrosamente transformados”? Não é isso que denuncia a palavra do sábio: “Quando aponto o céu, olham para meu dedo em vez de contemplar as estrelas”?


Aquilo para que não existem palavras tornou-se objeto de exibição sensacionalista, de "efeitos visuais"


De tanto alardear o mistério, o mistério sumiu... Fugiu?


Claro, em toda estética há diversos estilos que podem ser apreciados com muito gosto, mas há também os intragáveis. Estamos, aqui em Minas (e na América Latina), acostumados ao estilo barroco. Decerto, o barroco é teatral, ainda que o de Minas conserve bastante da simplicidade medieval-portuguesa. Porém, não é esta "abundância inocente" que eu critico, mas o esquecimento do Mistério, sufocado por formas vazias, sensacionalistas, sentimentalistas, comerciais até, que invadem nossos templos e programações religiosas. E isso – pelo que aparece no recente censo da religião no Brasil– com pouco sucesso em termos de propagação da fé! Não estaria na hora de voltar ao essencial?


* Johan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara. 


Fonte: domtotal.com - Colunas - 11/07/2012 - Internet: http://domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=2903

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