«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

''Combater o comércio de drogas não é difícil: é impossível''


Entrevista com Luiz Eduardo Soares

Patricia Fachin e Márcia Junges

“O tráfico de drogas é uma fonte de financiamento do tráfico de armas e um indutor de práticas violentas, nas disputas por mercado e com as polícias”, constata o antropólogo
Luiz Eduardo Soares - antropólogo
Os últimos 30 anos da história ocidental comprovam que é “impossível” combater o tráfico de drogas, diz o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ao narrar o envolvimento do brasileiro Ronald Soares com as drogas, no seu recente livro Tudo ou nada (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012). “Não se trata de uma opinião, mas de constatação empírica”, declara à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail. Segundo ele, foram gastos “bilhões de dólares na guerra contra as drogas e o tráfico vai muito bem, obrigado. O lucro permanece, a demanda se mantém mesmo nos países que possuem as melhores polícias e os mais sofisticados mecanismos de controle, como os Estados Unidos”.


Soares explica que alguns fatores viabilizam a expansão do tráfico de drogas, como a criminalização e “a proibição, sem a qual não poderia realizar-se esse comércio em condições tão lucrativas e tão predatórias para o consumidor”. Diante dessa conjuntura, o ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro questiona: “Ora, se esse é o fato e se é impossível revogá-lo, a interrogação racional deixa de ser ‘deve-se ou não permitir o acesso’ para formular-se nos seguintes termos: ‘Em que contexto institucional-legal seria menos mal que tal acesso ocorresse? O contexto em que drogas fossem questão relativa à polícia e prisão, isto é, à Justiça criminal? Ou o contexto em que drogas fossem matéria de educação e saúde, cultura e autogestão social?” E dispara: “Resta-nos superar preconceitos e ignorância, e adotar vias alternativas. O pior flagelo, entre as drogas, são o álcool e a nicotina. Mesmo assim, ninguém está propondo, felizmente, sua proibição”


Na entrevista a seguir, Luiz Eduardo Soares antecipa a história do brasileiro Ronald Soares, preso em Londres por associação ao tráfico de drogas, e posteriormente no Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, apontando as diferenças e aproximações entre os sistemas penitenciários. “Ambas são destrutivas, mostrando que a privação de liberdade representa, sempre, uma degradante violência estatal”, assegura.


Luiz Eduardo Soares é mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional-UFRJ, doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, e pós-doutor em Filosofia Política pelas universidades de Virgínia e Pittsburgh. Foi fundador e primeiro coordenador do Núcleo de Pesquisas sobre Violência do Instituto de Estudos da Religião – ISER em 1991, onde desenvolveu várias pesquisas até janeiro de 1995. Entre janeiro e outubro de 2003, Luiz Eduardo Soares foi secretário nacional de Segurança Pública. Foi também subsecretário de Segurança Pública e coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania no governo de Anthony Garotinho, entre janeiro de 1999 e março de 2000. Foi professor da UERJ e da Universidade Cândido Mendes. É autor de onze livros, entre eles Meu casaco de general: 500 dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro (São Paulo: Companhia das Letras, 2000), Pluralismo cultural, identidade e globalização (Rio de Janeiro: Record, 2001) e Elite da tropa (Rio de Janeiro: Objetiva, 2005), este escrito com Rodrigo Pimentel e André Batista. Atualmente é coordenador do curso de especialização em Segurança Pública da Universidade Estácio de Sá.


Confira a entrevista.


IHU On-Line – A partir da história de Ronald Soares, que tinha um futuro promissor, o que motiva e fomenta o tráfico internacional de drogas?


Luiz Eduardo Soares – Todo negócio, legal ou ilegal, é motivado pela busca do lucro e é viabilizado pela existência de oferta e demanda. No caso do tráfico, o fator que fomenta é a proibição sem a qual não poderia realizar-se esse comércio em condições tão lucrativas e tão predatórias para o consumidor. No livro mostro que cada tonelada que sai da selva colombiana é multiplicada por seis até o varejo, na Europa. Esse análogo perverso do “milagre dos pães” resulta da mistura das mais diversas e nocivas substâncias à cocaína pura. Sabe-se, aliás, que tais substâncias são muito mais lesivas do que a coca.


IHU On-Line – Que fatores favorecem a comercialização de drogas atualmente? Por que o tráfico de drogas é um dos mais difíceis de ser combatido?


Luiz Eduardo Soares – O que favorece, ou melhor, torna possível a existência dessa rede ultralucrativa chamada tráfico de drogas tal como ela se dá é a sua criminalização. Combater o comércio de drogas não é difícil: é impossível. Pelo menos em contexto político não totalitário. Não se trata de uma opinião, mas de constatação empírica. Basta observar o que ocorreu nos últimos 30 anos no mundo ocidental. Foram gastos bilhões de dólares na guerra contra as drogas e o tráfico vai muito bem, obrigado. O lucro permanece, e a demanda se mantém mesmo nos países que possuem as melhores polícias e os mais sofisticados mecanismos de controle, como os Estados Unidos. 30 anos não são suficientes para revelar uma realidade e confirmar um diagnóstico? Vamos continuar fazendo mais do mesmo? 


Quanto à pergunta sobre a razão da dificuldade (ou impossibilidade, fora dos totalitarismos) de reprimir, posso responder com outra indagação: por que os EUA venceram a guerra-fria? Entre os motivos, destaca-se a inviabilidade de anular o mercado quando há demanda e oferta. Pode-se disciplinar o mercado, regulamentá-lo, domesticá-lo e circunscrevê-lo, submetendo-o a regras, etc. Porém, suprimi-lo é um objetivo insustentável. Na economia das drogas ilícitas, aplica-se o mesmo princípio. Eis a evidência: o acesso às drogas ilegais é uma realidade em toda sociedade não totalitária industrializada. Ora, se esse é o fato e se é impossível revogá-lo, a interrogação racional deixa de ser “deve-se ou não permitir o acesso” para formular-se nos seguintes termos: “Em que contexto institucional-legal seria menos mal que tal acesso ocorresse? O contexto em que drogas fossem questão relativa à polícia e prisão, isto é, à Justiça criminal? Ou o contexto em que drogas fossem matéria de educação e saúde, cultura e autogestão social? A primeira via tem sido experimentada pelo Brasil com resultados trágicos: o consumo de drogas não declina, o tráfico prospera, alimentando o negócio de armas, a corrupção policial e gerando mortes e violência, enquanto as prisões acumulam jovens pobres, com baixa escolaridade, em sua maioria sem vínculo com armas ou organizações criminosas e sem praticar violência. Essa via tem se mostrado inequívoco desastre. Resta-nos superar preconceitos e ignorância, e adotar vias alternativas. O pior flagelo, entre as drogas, são o álcool e a nicotina. Mesmo assim, ninguém está propondo, felizmente, sua proibição.


IHU On-Line – Em que sentido pode-se dizer que o tráfico de drogas é um dos pilares da violência urbana?


Luiz Eduardo Soares – Quanto ao tráfico ser um pilar da violência, parece-me que sim, porque sua dinâmica movimenta lucros que se aplicam parcialmente em armas, as quais servirão para vários propósitos, sempre destrutivos. Ou seja, o tráfico de drogas é uma fonte de financiamento do tráfico de armas e um indutor de práticas violentas, nas disputas por mercado e com as polícias.


Ronald Soares - ex-traficante cuja biografia é narrada no livro
IHU On-Line – Como são os bastidores desse mundo quase desconhecido, do tráfico internacional de drogas?


Luiz Eduardo Soares – O livro mostra como funcionam esses bastidores. Claro que há muitas estruturas diferentes e muitos métodos distintos para levar diversos tipos de drogas de um ponto a outro do planeta. O que a biografia do personagem real permite descrever é o transporte de algumas toneladas, todo ano, por mar, da Colômbia à Inglaterra, passando pela selva e pelo Caribe. Como isso é feito... bem, não teria como resumir. Há mil e um aspectos e detalhes, os quais, no livro, se convertem em suspense e aventura. Não gostaria de estragar o prazer da leitura. Se o livro tem valor, ele deve seduzir, emocionar, encantar os leitores e surpreendê-los a todo o momento. Não precisei ser imaginativo para alcançar esses objetivos ambiciosos. Bastou ser fiel à realidade.


IHU On-Line – Como a questão da violência aparece intrinsecamente na história de Ronald Soares?


Luiz Eduardo Soares – Ronald nunca pegou em armas e sempre abominou a violência. Isso não o isenta, entretanto, de responsabilidades, porque o tráfico, mesmo quando praticado como um grande negócio empresarial, está ligado a máquinas de morte. Numa ponta está a inteligência asséptica; na outra, a brutalidade letal. Tratar de um lado sem olhar para o outro reduz o sentimento de culpa, mas não anula a responsabilidade. Eu mostro no livro como funciona a máquina de morte, na contramão das intenções e do pendor do biografado.


IHU On-Line – Como a experiência do aprisionamento modificou o jovem Ronald? Em que sentido o cárcere transforma o sujeito?


Luiz Eduardo Soares – Muito jovem, recém-saído da universidade, o economista brilhante fez fortuna e aderiu à idolatria yuppie do mercado, em sua acepção darwiniana, competitiva, individualista e feroz. Entretanto, esse caminho significava uma traição aos sonhos hippies de adolescência, nos quais o ideal era a valorização da paz e do amor, do hedonismo e da natureza. Diante de uma dramática desilusão amorosa, que o joga numa tremenda depressão, Ronald toma consciência de que estava traindo a si próprio ao abandonar suas utopias, assim como fora traído pela belíssima esposa e pelo melhor amigo. Decide, então, abandonar a fortuna que conquistara, comprar um veleiro e lançar-se ao mar. Navega pelos oceanos por dez anos, no fim dos quais acaba se aproximando do cartel de Cali, por labirintos existenciais quase inverossímeis. E aí começa a fase negativa de sua vida, que o conduzirá a celas claustrofóbicas, a uma condenação na Inglaterra a 24 anos de prisão. O biografado foi submetido ao julgamento mais longo da história inglesa: 14 meses. Por ter tentado uma fuga cinematográfica, foi classificado como o preso mais perigoso da Inglaterra e permaneceu em penitenciária de segurança máxima, sozinho. Enfim, foi transferido para o Brasil e cumpriu o final da pena em Bangu. Esteve perto da loucura, sofreu alguns abalos psíquicos gravíssimos, mas conseguiu sobreviver e restaurar a lucidez. Hoje, livre, reconstruiu sua vida, trabalha e se dedica aos filhos, que jamais o abandonaram e que constituíram, conforme ele mesmo diz, a grande usina de energia na qual alimentou sua resistência à loucura e aos sofrimentos.


IHU On-Line – Quais foram as diferenças fundamentais entre os períodos de encarceramento em Londres e no Rio de Janeiro? Em que aspectos os sistemas prisionais dessas duas cidades diferem e se aproximam?


Luiz Eduardo Soares – Na Inglaterra, as instituições penitenciárias são rigorosamente regidas pela legalidade, ninguém toca a mão em um preso, nem o agride verbalmente. As celas são tão limpas quanto salas cirúrgicas. No entanto, seu poder de destruição mental é devastador, por uma série de mecanismos sutis que descrevo no livro. No Brasil, impera a imundice, a promiscuidade, as violações aos direitos, o desrespeito à Lei de Execuções Penais. Ambas são destrutivas, mostrando que a privação de liberdade representa, sempre, uma degradante violência estatal. Por isso deveríamos recorrer a esse expediente apenas em casos extremos, que envolvam violência e impliquem riscos para inocentes. Casos para os quais não conhecemos, ainda, infelizmente, qualquer alternativa realista.


Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quarta-feira, 18 de julho de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/combater-o-comercio-de-drogas-nao-e-dificil-e-impossivel-entrevista-especial-com-luiz-eduardo-soares/511536-combater-o-comercio-de-drogas-nao-e-dificil-e-impossivel-entrevista-especial-com-luiz-eduardo-soares

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