«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Não era bem assim - D. Eugenio Sales


KENNETH SERBIN *

Brasilianista se surpreendeu ao descobrir que, nos bastidores, d. Eugenio criticou o regime militar e atuou como um dos pioneiros da Igreja progressista nos anos 50

D. Eugenio de Araujo Sales
Meu primeiro contato com o mundo de d. Eugenio, a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, ocorreu em 1986, quando visitei os arquivos da instituição na antiga catedral, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no centro do Rio. Ao subir a frágil escada de madeira que levava ao acervo, encontrei o arquivista Aloysio de Oliveira Martins Filho varrendo o chão.
Conforme Aloysio e eu formamos uma forte amizade, senti-me muitas vezes chocado diante das condições precárias e do baixo salário aos quais ele e o outro arquivista eram submetidos em seu trabalho, mesmo depois da transferência do arquivo para o porão da atual catedral.


Negro, Aloysio se queixava do racismo de alguns padres cariocas. De fato, em 1988, quando a CNBB escolheu a Fraternidade e o Negro como tema de sua Campanha da Fraternidade, d. Eugenio optou por uma campanha paralela enfatizando as origens multiétnicas do Brasil. Não demorei a ter uma visão crítica da arquidiocese e do seu líder.


Em 1988, no início da minha pesquisa para o doutorado em história do Brasil, mudei-me para um apartamento na Glória próximo ao edifício João Paulo II, prédio que era a cúria arquidiocesana. Estudando na biblioteca da arquidiocese, no Palácio São Joaquim, o prédio ao lado, tive a sensação de ser observado por d. Eugenio enquanto mergulhava no passado distinto e controvertido da Igreja.


O poder do cardeal era intimidador. De d. Mauro Morelli e do clero radical da Baixada Fluminense ouvia histórias da imposição hierárquica de d. Eugenio e a linha cada vez mais dura sustentada por ele e pelo Vaticano contra a Teologia da Libertação. Os ativistas de esquerda ecoavam sentimentos semelhantes sobre d. Eugenio. Na avaliação deles, ele tinha apoiado a ditadura e ajudava João Paulo II a devolver a Igreja ao catolicismo tradicional. Em todas as frentes, d. Eugenio parecia apoiar o antigo Brasil paternalista.


Comovido pela Teologia da Libertação e envolvido com os brasileiros na luta por uma sociedade mais justa e democrática, adotei a visão simplista que a esquerda apresentava a respeito de d. Eugenio. Mas, posteriormente, comecei a compreender que a biografia dele era muito mais complexa, exigindo exame cuidadoso. Essa abordagem incluía dar ouvidos à sua versão dessa história.


Em setembro de 1989, num avião que ia de Porto Alegre ao Rio, vi d. Eugenio sentado sozinho. Eu voltava à minha base carioca. Queria me preparar para uma viagem ao Recife, onde explodira a notícia do fechamento pelo Vaticano de um seminário e uma escola teológica fundados por d. Hélder Câmara, o líder da Igreja progressista.


Minha expectativa era a de que d. Eugenio se recusasse a falar comigo a respeito desse tema sensível. Para minha surpresa, depois de me apresentar e explicar que estava pesquisando os seminários, ele não protestou.


Com sinceridade, contou que tinha desempenhado papel importante na investigação das instituições do Recife. Explicou que o Vaticano agira de forma correta por causa da ênfase exagerada que as escolas recifenses atribuíam à sociologia (em lugar da doutrina tradicional), do fato de as residências dos estudantes serem nos bairros locais e não nos intramuros do seminário, e do uso de ex-padres como instrutores. Sem arrependimento, confirmou seu papel no retorno à tradição. Mas, contrastando com sua imagem pública, também se mostrou acessível.


Então, em 1993, fiquei pasmo com uma revelação totalmente inesperada. Ao descobrir documentos do Exército relatando reuniões secretas entre o regime e os bispos nos anos de chumbo, li como d. Eugenio e outros "conservadores" batiam de frente com os militares ao lado de "progressistas" como d. Paulo Evaristo Arns, d. Ivo Lorscheiter e Candido Mendes. Também descobri que, nos bastidores, ele defendeu os direitos humanos, criticou o governo e atuou como um dos pioneiros da Igreja progressista nos anos 50.


Abrindo exceção à sua regra contra entrevistas, em 1995 d. Eugenio me recebeu no escritório. Foi cordial, riu várias vezes. Respondeu a todas as perguntas, menos àquela que envolvia suas conversas com Paulo VI sobre o regime, que disse serem confidenciais.


As surpresas não pararam por aí. D. Eugenio, o rei dos bastidores, e d. Paulo [Evaristo Arns], o mais corajoso dos bispos que confrontaram o regime publicamente, consideravam-se amigos. Em 1996, d. Paulo deixou claro quanto uma opinião enviesada poderia distorcer a avaliação do trabalho de d. Eugenio. "Dizem que d. Eugênio é mais conservador, que sou mais progressista", afirmou. "Isso tudo é conversa. Nós temos outra maneira de proceder, mas sempre a mesma finalidade."


Tais palavras devem servir como nota cautelar - mas também como incentivo - ao autor que assumir o autêntico desafio de escrever a biografia de d. Eugenio, ajudando assim a retratar de maneira mais plena o Brasil moderno em todas as suas contradições e nuances.


TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL.


* KENNETH SERBIN É AUTOR DE DIÁLOGOS NA SOMBRA: BISPOS E MILITARES, TORTURA E JUSTIÇA SOCIAL NA DITADURA (COMPANHIA DAS LETRAS).


Fonte: O Estado de S. Paulo - Supl. ALIÁS - Domingo, 15 de julho de 2012 - Pg. J3 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,nao-era-bem-assim,900275,0.htm
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O fazedor de bispos


J. D. VITAL *


Ao opinar com alta frequência no processo de seleção para novas dioceses ou na substituição de bispos veteranos, 
d. Eugênio Sales fincou seu prestígio no Vaticano e "mudou a feição da CNBB"


A imagem da pomba branca pousada sobre o caixão roubou a cena [veja foto acima]. Atraiu câmeras de TV, fotógrafos, editores de jornais. Comoveu os católicos. E, sobretudo, evocou a atuação do cardeal d. Eugenio de Araujo Sales no hermético processo de reposição gerencial daquela que Peter Drücker, pai da moderna gestão empresarial, considerava "a mais antiga e mais bem-sucedida organização do mundo ocidental, a Igreja Católica".


"D. Eugenio foi o maior fazedor de bispos do Brasil, ele mudou a feição da CNBB", afirma o padre Manoel Godoy, diretor do Ista - Instituto Santo Tomás de Aquino, centro de estudos de filosofia e teologia em Belo Horizonte. O cardeal era consultado pelo Vaticano na seleção de candidatos para novas dioceses ou para a substituição dos bispos que se aposentam quando chegam aos 75 anos.


A nomeação dos bispos, embora uma rotina da Cúria Romana - praticamente toda semana é anunciado um - é tarefa creditada ao Espírito Santo, tradicionalmente representado em forma de pomba. Era o que dizia, quando núncio apostólico no Brasil, d. Lorenzo Baldisseri, atual secretário da Congregação para os Bispos em Roma.


Pe. Manoel Godoy - Belo Horizonte (MG)
Com sede em um edifício tão discreto quanto magnífico, à esquerda da Piazza di San Pietro de quem chega pela Via della Conciliazione, a congregação assessora o papa na seleção dos componentes do colégio episcopal mundial, atualmente com pouco mais de 5 mil bispos. Mesmo sem residir em Roma, d. Eugênio Sales era frequentador dos palácios vaticanos. Padre Manoel Godoy, que trabalhou na CNBB em Brasília, tem a certeza de que ele fez mais de cem bispos.


Sua influência estendia-se do Rio ao Nordeste, onde nasceu em 8 de novembro de 1920, na cidade de Acari (RN). Seu irmão, d. Heitor, que completa 86 anos no dia 29 deste mês, foi bispo em Caicó e arcebispo de Natal. "Ele teve influência enorme na escolha de seus bispos auxiliares. É certo que ninguém chegou à arquidiocese sem a sua aprovação" - confirma padre Marcos Belizário Ferreira, pároco de Santos Anjos no Rio, secretário da regional Leste 1 da CNBB e testemunha da amizade que unia d. Eugênio e d. Helder Câmara. "O cardeal Sales prosseguiu e ampliou a obra de dom Helder no Rio, como o Banco da Providência", acrescenta.


Se devido à discrição - o famoso segredo pontifício - com que a Igreja cerca a nomeação episcopal não é possível contabilizar o número de bispos "emplacados" por d. Eugenio, dados oficiais da Santa Sé comprovam seu desempenho. Ele foi o principal consagrante de 22 bispos. Normalmente, os novos bispos convidam para presidir sua sagração quem consideram seu padrinho junto ao Vaticano. Segundo padre Godoy, o cardeal fez muitas nomeações porque gozava da confiança de Roma. "Ele era conhecido por sua obediência irrestrita ao papa; tinha ojeriza a qualquer tipo de indisciplina", afirma o prior do convento dos dominicanos em Belo Horizonte, frei Oswaldo Rezende.


Frei Oswaldo hoje admira o "caráter e a personalidade" do cardeal carioca. Mas nos anos 1970, ainda jovem e exilado político em Roma, definiu d. Eugenio, em entrevista à imprensa, como "tecnocrata do sagrado".


Do velho "tecnocrata do sagrado", de esplêndida carreira na hierarquia da Igreja - bispo auxiliar de Natal, arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, elevado a cardeal por Paulo VI e transferido para o Rio -, diz-se que foi o brasileiro com maior número de cargos no Vaticano: um total de 11.


Com tamanho prestígio na cúpula dirigente da Igreja, íntimo dos papas, o maior fazedor de bispos do Brasil se viu, de repente, sem poder no momento de exercitar a arte de nomear um bispo.


D. Alfio Rapisarda - ex-núncio apostólico no Brasil
É verdade que o Vaticano concedeu-lhe a honra de somente aceitar seu pedido de renúncia à arquidiocese seis anos após a idade limite de 75 anos de idade. Mas ele não conseguiu fazer o sucessor. D. Eugenio perdeu a queda de braço para o núncio apostólico de então, d. Alfio Rapisarda, que levou o papa João Paulo II a colocar no Palácio São Joaquim o arcebispo de Florianópolis, d. Eusébio Scheid.


Essa teria sido a segunda derrota do brasileiro ao longo de quase 69 anos de padre, 58 anos de bispo e 43 anos de cardeal. A primeira, no entanto, somente o engrandece e lança luz sobre sua extraordinária atividade pastoral. Em 1959 - conta padre José Oscar Beozzo em sua tese de doutorado Padres Conciliares Brasileiros no Vaticano II, apresentada na USP em 2001 - d. Eugênio, jovem administrador da diocese de Natal, convidou um pastor evangélico para uma celebração em comum na Semana da Unidade dos Cristãos. Ele recebeu "imediata reprimenda da nunciatura, que lhe relembrou que continuava em vigor o Canon 1258 do Código do Direito Canônico de 1917, proibindo celebrações em comum, a chamada communicatio in sacris".


No caso do Rio de Janeiro, d. Eugenio pôde reagir. Fontes do clero asseguram que ele denunciou Rapisarda na cúria por comportamento impróprio. O Vaticano deslocou seu representante diplomático para a nunciatura em Portugal e não lhe deu o barrete cardinalício, como é a tradição para os ex-núncios no Brasil.


* J. D. VITAL É JORNALISTA E AUTOR DE COMO SE FAZ UM BISPO, SEGUNDO O ALTO E O BAIXO CLERO (CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA).


Fonte: O Estado de S. Paulo - Supl. ALIÁS - Domingo, 15 de julho de 2012 - Pg. J3 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,o-fazedor-de-bispos,900276,0.htm

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