30º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Homilia
Evangelho:
Marcos 10,46-52
Naquele tempo:
46 Jesus saiu de Jericó, junto com seus
discípulos e uma grande multidão. O filho de Timeu, Bartimeu, cego e mendigo, estava
sentado à beira do caminho.
47 Quando ouviu dizer que Jesus, o
Nazareno, estava passando, começou a gritar: «Jesus, filho de Davi, tem piedade
de mim!»
48 Muitos o repreendiam para que se
calasse. Mas ele gritava mais ainda: «Filho de Davi, tem piedade de mim!»
49 Então Jesus parou e disse: «Chamai-o». Eles
o chamaram e disseram: «Coragem, levanta-te, Jesus te chama!»
50 O cego jogou o manto, deu um pulo e foi
até Jesus.
51 Então Jesus lhe perguntou: «O que
queres que eu te faça?» O cego respondeu: «Mestre, que eu veja!»
52 Jesus disse: «Vai, a tua fé te curou». No
mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho.
JOSÉ MARÍA
CASTILLO*
Este
relato está redigido de modo que nele se
destacam três coisas:
1)
a situação de Bartimeu: era cego e
mendigo.
2)
A fé firme e insistente que teve
este homem.
3)
Quando a fé é assim tão forte, aquele que a tem – no caso de um cego – começa a
ver a realidade tal como é.
Quando
nos evangelhos se fala de cegos que começam a ver, o que menos importa é se
produziu-se ou não um «milagre». O que importa de verdade é o «significado» que
tem para nós o relato. E o significado consiste em que, com demasiada frequência não vemos a realidade, mas nossas
interpretações ou representações da realidade. A fé, quando é autêntica,
faz-nos ver a realidade da vida e da sociedade em que vivemos.
Porém,
a força deste relato compreende-se se
levarmos em conta:
1)
que a cegueira era considerada, naquela época, como um castigo de Deus (Ex
4,11; Jo 9,2; At 13,11).
2)
Que os cegos se viam obrigados, frequentemente, a mendigar (Mc 10,46; Jo 9,1).
3)
Que a cura de um cego era vista como um fato portentoso (Jo 9,16).
4)
Que a cegueira simbolizava as trevas do espírito e a dureza de coração (Is
6,9s; Mt 15,14; 23,16-26; Jo 9,41; 12,40).
É
evidente que Jesus devolveu a este homem
a visão, liberou-o de sua condição
de mendigo e restituiu-lhe a
dignidade que as crenças religiosas e a sociedade lhe haviam arrebatado. A religião atribui a castigos divinos o
que são desgraças humanas. E a sociedade
marginaliza e despreza ao que não é reconhecido e estimado, seja pela sua
mísera posição econômica, pela sua indignidade ética ou por sua má imagem como
crente.
Jesus
rompe com tudo isso. Para Jesus, o decisivo é a integridade da vida, a
felicidade das pessoas e a dignidade dos que a «boa» sociedade e a religião
mais «ortodoxa» consideram indignos.
*
JOSÉ MARÍA CASTILHO SÁNCHEZ nasceu em Puebla de Don Fadrique ,
província de Granada, Espanha, em 16 de agosto de 1929. É um padre católico e
membro da Companhia de Jesus (Jesuítas) até 2007, escritor e teólogo com
produção extensiva. Boa parte de sua biografia é narrada pelo próprio Castillo
no capítulo "Meu itinerário teológico", em Juan Bosch Navarro (ed.), Panorama de la teología española
(Estella, Ediciones Verbo Divino, 1999, pp. 181-198). Ingressou no noviciado da
Companhia de Jesus em 1946, quando tinha dezessete anos de idade, mas ficou
doente e os médicos o aconselharam a sair. Em 1947, ele entrou no seminário de
Guadix. Foi ordenado sacerdote em dezembro de 1954 pelo bispo de Guadix Rafael
Álvarez Lara. Depois de exercer o ministério de pároco em uma cidade de
Granada, concluiu sua licenciatura (= mestrado) na Faculdade de Teologia de
Granada (1955) e entrou novamente na Companhia de Jesus (1956). Em 1962, alguns
dias antes da abertura do Concílio Vaticano II, ele foi para Roma para um
doutorado em Teologia na Universidade Gregoriana , onde ele defendeu sua tese
de doutorado sobre La afectividad en los
Ejercicios según Francisco Suárez, em 1964. Foi professor de Teologia
Dogmática na Faculdade de Teologia de Granada (Espanha) de 1968 até 1988. A
partir deste momento, Castillo foi chamado para ensinar seus cursos anualmente
na Universidad Centroamericana "José Simeon Cañas" de El Salvador,
onde foi um dos professores que substituíram os jesuítas assassinados em 1989. Ele
também foi professor visitante na Universidade Gregoriana de Roma, na
Universidade Pontifícia Comillas em Madri e em várias instituições teológicas
latino-americanas, especialmente no Equador, Argentina, Paraguai e América
Central. Ele foi vice-presidente da Associação de Teólogos João XXIII. Dentre
sua vasta produção bibliográfica, temos publicado no Brasil, os seguintes
livros: Sete palavras: pobres, Jesus,
Igreja, liberdade, justiça, oração, utopia (Paulus Editora, 1998); Deus e nossa felicidade (Edições Loyola,
2006); O futuro da vida religiosa: das
origens à crise atual (Paulus Editora, 2008); A ética de Cristo (Ed. Loyola, 2010); Espiritualidade para insatisfeitos (Paulus Editora, 2012); Jesus: a humanização de Deus (Editora
Vozes, 2015); Teologia popular - Volume
I: A boa-nova de Jesus (Ed. Loyola, 2016); Teologia popular - Volume II: O reinado de Deus (Ed. Loyola, 2016);
Teologia popular - Volume III: Os últimos
dias de Jesus e o futuro (Ed. Loyola, 2017); A humanidade de Jesus (Editora Vozes, 2018).
JOSÉ ANTONIO
PAGOLA**
ÀS
MARGENS DO CAMINHO
Em
seu início, o cristianismo era conhecido
como «o caminho» (At 18,25-26). Mais que entrar em uma nova religião, «tornar-se cristão» era encontrar o caminho
acertado da vida, seguindo os passos de Jesus. Basta estudar de perto a
vida das primeiras comunidades cristãs para comprovar que «ser cristão» significa para eles «seguir» a Jesus. Isto é
fundamental, insubstituível.
Hoje, as coisas mudaram. O cristianismo conheceu
durante estes vinte séculos um desenvolvimento doutrinal muito importante e
produziu uma liturgia e um culto próprios muito elaborados. Faz já muito tempo,
que o cristianismo é considerado uma religião entre outras. Por isso, não é
estranho encontrar-se hoje com pessoas que
se sentem cristãs, simplesmente, porque estão batizadas, aceitam mais ou
menos a doutrina oficial da Igreja e cumprem seus deveres religiosos, ainda que
jamais tenham impostado a vida como um seguimento de Jesus Cristo. Este fato, hoje bastante generalizado,
teria sido inimaginável nos primeiros tempos do cristianismo.
Esquecemos que ser cristão é
«seguir» a Jesus Cristo, mover-se, dar passos, caminhar, construir a própria
vida seguindo os passos do Mestre.
Nosso
cristianismo fica, frequentemente, em uma fé teórica e inoperante ou em uma
prática religiosa estéril. Fizemo-nos nossa ideia do cristianismo – alguns o
defendem até com fanatismo diante de outras posturas possíveis –, porém essa fé não transforma nossa vida, pois não
é seguimento de Cristo.
Depois
de vinte séculos de cristianismo, a
contradição maior dos cristãos é pretender sê-lo sem seguir a Jesus Cristo.
Aceita-se a religião cristã (como poder-se-ia aceitar outra), pois dá segurança
e tranquilidade diante do «desconhecido», porém não se entra na dinâmica do seguimento fiel a Cristo. Conhece-se,
ainda que somente de maneira elementar, a mensagem e a atuação de Jesus; sua
figura atrai, porém – já se sabe –, deve-se tomá-lo com «prudência e sadio
realismo».
Estamos cegos e não vemos
onde se encontra o essencial da fé cristã. O episódio da cura do cego de Jericó é um
convite para sair de nossa cegueira. No começo do relato, aquele homem «está sentado à beira do caminho». É um
homem cego e desorientado, fora do caminho, sem capacidade de seguir a Jesus.
Curado de sua cegueira por Jesus, o cego
não somente recobra a luz, mas converte-se em um verdadeiro «seguidor» de seu
Mestre, pois, a partir daquele dia, «seguia Jesus pelo caminho» (Marcos
10,52). É a cura da qual necessitamos.
** JOSÉ ANTONIO PAGOLA é sacerdote espanhol. Mestre em Teologia
pela Universidade Gregoriana de Roma (1962), Mestre em Sagrada Escritura pelo
Pontifício Instituto Bíblico de Roma (1965), Diplomado em Ciências Bíblicas
pela École Biblique de Jerusalém (1966). Professor no Seminário de San
Sebastián e na Faculade de Teologia do norte da Espanha (sede de Vitoria).
Desempenhou o encargo de reitor do Seminário diocesano de San Sebastián e,
sobretudo, o de Vigário Geral da diocese San Sebastián (Espanha). É autor de vários
ensaios e artigos, especialmente o famoso livro: Jesus. Aproximação
Histórica (publicado no Brasil por Editora Vozes, 2010 – já na 7ª
edição, 2018). No Brasil, Pagola tem, ainda, os seguintes livros já
publicados: O Caminho Aberto por Jesus. Mateus (Editora Vozes,
2009); O Caminho Aberto por Jesus. Lucas (Ed. Vozes, 2012); O
Caminho Aberto por Jesus. Marcos (Editora Vozes, 2013); Pai-nosso: Orar com o Espírito de Jesus
(Ed. Vozes, 2012); O Caminho Aberto por Jesus. João (Ed. Vozes,
2013); Salmos Para Rezar ao Longo da Vida (Ed. Vozes,
2013); Jesus e o Dinheiro. Uma Leitura Profética da Crise (Ed.
Vozes, 2014); Olhos fixos em Jesus:
Nos umbrais da fé (juntamente com: Dolores Aleixandre e Juan Martín Velasco
– Ed. Vozes, 2014); Originalidade do
matrimônio cristão (Paulinas Editora, 6ª edição, 2015); Grupos de Jesus (Ed.
Vozes, 2016); Voltar a Jesus. Para a Renovação das Paróquias e
Comunidades (Ed. Vozes, 2016); É bom crer em Jesus (Ed.
Vozes, 2016).
Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.
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